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Poesias offerecidas ás senhoras Portuenses/Arminda

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Arminda.
 
Ballada.
 

Inda no verdor dos annos,
A vida já aborrecia;
O mundo, seus atractivos,
Arminda tudo esquecia;

Só na escuridão da noute
Algum allivio encontrava,
Junto a funebres cyprestes,
Mil suspiros exhalava:

A's vezes ella buscava
Dos mortos triste morada,
Onde tudo é só tristesa,
Ondo só se encontra o nada!

Levanta o pallido rosto,
Pela saudade abatido,
Que outr'ora já foi tão bello,
Que já foi tão pretendido!

Formosos olhos chorando,
Ergue ao Céo amargurada,
E suas queixas sentidas,
Faz ouvir angustiada:

Já fui amante querida,
Já fui outrora feliz;
Mas que morresse ditosa
A minha estrella não quiz!..

Lá no templo do Senhor,
Já refulgião brandões,
E no meu nobre castello
Ordenavam-se funcções;

Para ser d'Affonso esposa
Tudo estava preparado;
Mas ah! elle não chegava...
As horas tinham passado!

Esperou-se uma, e mais outra,
E elle sem apparecer,
E já meu coração triste
Começava a esmorecer!

Partiram pagens, amigos,
Em toda a parte o procuram,
E de m'o trazerem breve
Todos elles me asseguram.

Trouxeram-m'o... mas sem vida !....
O vil conde o assassinou,
Porque sempre o seu
A minh'alma recusou;

Dos seus infames projectos
Inda o monstro não desiste,
Não cessa de perseguir-me,
Em sua paixão persiste!

Oh Ceos! (a misera exclama)
Eis o meu perseguidor;
E eu, aqui, só, indefeza,
Que tormento; oh! Deus, que horror!

N'isto o Conde se aproxima,
E junto d'ella chegou,
E affectando ternura,
Por est'arte lhe fallou:

«Bella Arminda, meus amores,
Só por ti sinto paixão;
Só por ti sinto no peito
Abrazar-se o coração.

«Vem commigo desfructar
Meus castellos grandiosos,
Onde falta só o brilho
D'esses teus olhos formosos!

«N'esta lugubre morada,
Não murches tua belleza;
Deixa esse, véo luctuoso,
Que te occulta a genlilleza.»

A donzella desditosa,
Não pode mais escutar,
E erguendo o rosto altiva,
Assim começa a fallar:

«Não 'speres, seductor vil,
Que por ti eu sinta amor;
Tu só podes inspirar-me
O desprezo, o odio, o horror!

A vida que envenenaste,
Deixa-a em paz aqui findar,
E das campas o sagrado
Não venhas tu profanar!»

«Insensata; tu não sabes,
Que da força posso usar?
Que posso com braço forte
Teu debil corpo levar?»

E já o barbaro Conde
Ia Arminda arrebatar;
Mas recua horrorisado
Ao ouvil-a exclamar: —

«Oh! Sombra do meu Affonso!
Roga a Deos em meu favor,
Ergue-te desse teu tumulo,
Fulmina o teu matador!...»

Isto disse: — e apóz instantes
A sombra se levantou,
E o Conde já agarrando
P'ra a sua campa o levou!!

Arminda cáe de joelhos,
Ora a Deus agradecida;
E passando um breve instante,
Era um corpo já sem vida!