Poesias offerecidas ás senhoras Portuenses/O Escravo

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O escravo.
 

Que vida de pranto e dôr
Não arrasto sobre a terra!
Soffrera menos rigor
Por entre os riscos da guerra,
Ou caminhando na serra,
Entre as feras a viver,
As matas a percorrer,
Era livre, e a liberdade
Era a minha divindade,
Só me resta hoje morrer!..

Riquezas, honras da terra,
Avarento não invejo,
A minha ambição encerra
Apenas um só desejo...

Dos homens livres a sorte!
Embora depois a morte
M'arrebate de prazer!
Comtanto, que venturoso,
Eu diga um dia gostoso,
Já livre posso morrer!..

A ave de ramo em ramo,
Porque canta prazenteira?
Porque gosa o bem supremo
Da liberdade fagueira!
Se a escravisassem, gemera,
E de saudades morrera!..

Que direito tens, oh! homem,
P'ra teu 'scravo me tornar?!
Quem te dictou essa lei
Do meu amargo penar?
Não te accusa a consciencia ?
Não vez a minha innocencia ?

E não tenho como tu,
Uma alma, um coração?
Como tu não poderei
Sentir d'amor a paixão?
Até á gloria aspirar,
E no mundo fulgurar?

Como tu tenho paixões,
Sei pensar, e ter amor;
Sou escravo; mas sou homem,
Tenho saudades, e dor.
E choro na soledade
Pela minha liberdade!..

Torna-me livre, e serei
Teu amigo e defensor,
Destróe com a liberdade
O meu antigo rancor;
Escravo... não posso amar-te,
Terrivel hei-de odiar-te!..