Primeiro Tratado de Santo Ildefonso
TRATADO
PRELIMINAR
DE PAZ, E DE LIMITES
NA AMERICA MERIDIONAL,
RELATIVO AOS ESTADOS,
QUE NELLA POSSUEM
AS COROAS
DE PORTUGAL, E DE HESPANHA,
ASSINADO EM MADRID
PELOS PLENIPOTENCIARIOS
DE SUAS MAGESTADES
FIDELISSIMA, E CATHOLICA,
EM O PRIMEIRO DE OUTUBRO DE MDCCLXXVII,
E RATIFICADO FOR AMBAS AS MAGESTADES.
LISBOA
NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA.
ANNO MDCCLXXVII.
POR GRAÇA DE DEOS RAINHA de Portugal, e dos Algarves, d’aquém, e d’além Mar, em Africa Senhora de Guiné, e da Conquiſta, Navegação, e Commercio de Ethiopia, Arabia, Perſia, e da India, &c.
Faço ſaber a todos os que a preſente Carta de Confirmação, Approvação, e Ratificação virem, que em o primeiro do preſente mez, e anno ſe concluio, e aſſignou em Santo Ildefonſo hum Tratado Preliminar entre Mim, e o Muito Alto, e Poderoſo Principe D. Carlos III. Rei Catholico de Hefpanha, Meu Bom Irmão, e Tio, ſendo Plenipotenciarios para eſte effeito, da Minha parte, D. Franciſco Innocencio de Souſa Coutinho, do Meu Conſelho, e Meu Embaixador na dita Corte; e por parte de El-Rei Catholico, D. Joſeph Moñino, Conde de Florida Branca, Cavalleiro da Sua Real Ordem de Carlos III., do Seu Conſelho de Eſtado, Seu Primeiro Secretario de Eſtado, e do Deſpacho, e Superintendente Geral de
Correios Terreſtres, e Maritimos, e das Poſtas, e Renda de Eſtafetas em Hefpanha, e Indias: Do qual Tratado o theor he o ſeguinte.
HAVENDO a Divina Providencia excitado nos Auguſtos Corações de Suas Mageſtades Fideliſſima, e Catholica o fincero deſejo de extinguir as diſcordias, que tem havido entre as duas Coroas de Portugal, e Heſpanha, e ſeus reſpectivos Vaſſallos no eſpaço de quaſi tres Seculos, ſobre os Limites dos ſeus Dominios da America, e da Aſia: para lograr eſte importante fim, e eſtabelecer perpetuamente a harmonia, amizade, e boa intelligencia, que correſpondem ao eſtreito Parenteſco, e ſublimes qualidades de tão Altos Principes, ao amor reciproco que ſe proſeſsão, ao intereſſe das Nações, que felizmente governão: tem reſoluto, convindo, e ajuſtado o preſente Tratado Preliminar, que ſervirá de baſe, e fundamento ao Definitivo de Limites, que ſe ha de eſtender a ſeu tempo com a individuação, exacção, e noticias neceſſarias; mediante o qual ſe evitem, e acautelem para ſempre novas diſputas, e ſuas conſequencias. Para effeito pois de conſeguir tão importantes objectos, ſe nomeou por parte de Sua Mageſtade a Rainha Fideliſſima, por Seu Miniſtro Plenipotenciario, o Excellentiſſimo Senhor D. Franciſco Innocencio de Souſa Coutinho, Commendador na Ordem de Chriſto, do Conſelho de Sua Mageſtade Fideliſſima, e Seu Embaixador junto a Sua Mageſtade Catholica; e pela de Sua Mageſtade ElRei Catholico, por Seu Miniſtro Plenipotenciario, o Excellentiſſimo Senhor D. Joſeph Moñino, Conde de Florida Branca, Cavalleiro da Real Ordem de Carlos III., do Conſelho de Eſtado de Sua Mageſtade, Seu Primeiro Secretario de Eſtado, e do Deſpacho, Superintendente geral de Correios Terreſtres, e Maritimos, e das Poſtas, e Rendas de Eſtafetas em Heſpanha, e Indias: Os quaes depois de haver-ſe communicado os ſeus Plenos-poderes, e de havellos julgado expedidos em boa, e devida fórma, convierão nos Artigos ſeguintes, regulados pelas ordens, e intenções dos ſeus Soberanos.
ARTIGO I.
HAverá huma Paz perpétua, e conſtante, aſſim por mar, como por terra, em qualquer parte do Mundo entre as duas Nações Portugueza, e Heſpanhola, com eſquecimento total do paſſado, e de quanto houverem obrado as duas em offenſa reciproca; e com eſte fim ratificão os Tratados de paz de 13 de Fevereiro de 1668, de 6 de Fevereiro de 1715, e de 10 de Fevereiro de 1763, como ſe foſſem inſertos neſte palavra por palavra, em tudo aquillo que expreſſamente não ſe derogue pelos Artigos do preſente Tratado Preliminar, ou pelos que ſe hajão de ſeguir para a ſua execução.
ARTIGO II.
TOdos os prizioneiros, que ſe houverem feito no mar, ou na terra, ſerão poſtos logo em liberdade, ſem outra condição que a de ſegurar o pagamento das dividas, que tiverem contrahido no Paiz, em que ſe acharem. A Artilheria, e Munições, que deſde o Tratado de París de 10 de Fevereiro de 1763 ſe houverem occupado por alguma das duas Potencias á outra, e os Navios, aſſim mercantes, como de guerra, com ſuas carregações, artilheria, petrechos, e o mais que tambem ſe houverem occupado, ſerão mutuamente reſtituidos de boa fé no termo de quatro mezes ſeguintes á data da Ratificação deſte Tratado, ou antes ſe poſſivel for; ainda que as prezas, ou occupações procedão de algumas acções de guerra no mar, ou na terra, de que ao ſente não poſſa haver chegado noticia; pois ſem embargo deveráõ comprehender-ſe neſta reſtituição, igualmente que os bens, e effeitos tornados com os prizioneiros, e os territorios, cujo Dominio vier a ficar, ſegundo o preſente Tratado, dentro da demarcação do Soberano, a quem ſe hão de reſtituir.
ARTIGO III.
COmo hum dos principaes motivos das diſcordias occorridas entre as duas Coroas tem ſido o eſtabelecimento Portuguez da Colonia do Sacramento, Ilha de S. Gabriel, e outros Poſtos, e Territorios, que ſe tem pretendido por aquella Nação na margem Septentrional do Rio da Prata, fazendo commua com
os Heſpanhoes a navegação deſte, e ainda a
do Uruguay: Convierão os dous Altos Contratantes, pelo bem reciproco de ambas as Nações, e para ſegurar huma paz perpétua entre as duas, que a dita navegação dos Rios da Prata, e Uruguay, e os terrenos das ſuas duas margens Septentrional, e Meridional pertenção privativamente á Coroa de Hefpanha, e a ſeus Subditos, até o lugar, em que deſemboca no meſmo Uruguay pela margem Occidental o Rio Pequiri, ou Pepiri-guaçú, eſtendendo-ſe o Dominio de Heſpanha na referida margem Septentrional até á Linha diviſoria,
que ſe formará, principiando pela parte do mar no Arroyo de Chui, e Forte de S. Miguel incluſive, e ſeguindo as margens da lagoa Merim a tomar as cabeceiras, ou vertentes do Rio Negro, as quaes, como todas as outras dos Rios, que vão a deſembocar nos referidos da Prata, e Uruguay, até a entrada neſte ultimo Uruguay do dito Peperi-guaçú, ficaráõ privativas da meſma Coroa de Heſpanha, com todos os Territorios, que poſſue, e que comprehendem aquelles Paizes, incluſa a referida Colonia do Sacramento, e ſeu Territorio, a Ilha de S. Gabriel, e os demais eſtabelecimentos, que até agora tem poſſuido, ou pertendido poſſuir a Coroa de Portugal até á Linha, que ſe formará: a cujo ſim Sua Mageſtade Fideliſſima em ſeu Nome, e de ſeus Herdeiros, e Succeſſores, renuncía, e cede a Sua Mageſtade Catholica, e a ſeus Herdeiros, e Succeſſores qualquer acção, e direito, ou poſſe, que lhe tenhão pertencido, e pertenção aos ditos Territorios pelos Artigos V. e VI. do Tratado de Utrecht de 1715, ou em diſtincta fórma.
ARTIGO IV.
PAra evitar outro motivo de diſcordias entre as duas Monarquias, qual tem ſido a entrada da lagoa dos Patos, Rio Grande de S. Pedro, ſeguindo depois por ſuas vertentes até o Rio Jacuí, cujas duas margens, e navegação tem pertendido pertencer-lhes ambas as Coroas: Convierão agora em que a dita navegação, e entrada fiquem privativamente para a de Portugal, eſtendendo-ſe o ſeu Dominio pela margem Meridional até o Arroyo Tahim, ſeguindo pelas margens da lagoa da Mangueira em Linha recta até o mar; e pela parte do continente irá a Linha deſde as margens da dita lagoa de Merim, tomando a direcção pelo primeiro Arroyo Meridional, que entra no ſangradouro, ou deſaguadouro della, e que corre pelo mais immediato ao Forte Portuguez de S. Gonçalo; deſde o qual, ſem exceder o limite do dito Arroyo, continuará o Dominio de Portugal pelas cabeceiras dos Rios, que correm até o mencionado Rio Grande, e o Jacuí, até que paſſando por cima das do Rio Ararica, e Coyacuí, que ficaráõ da parte de Portugal, e as dos Rios Piratini, e Ibimini, que ficaráõ da parte de Heſpanha, ſe tirará huma Linha, que cubra os Eſtabelecimentos Portuguezes até o deſembocadouro do Rio Pepiri-guaçú no Uruguay: e aſſim meſmo ſalve, e cubra os Eſtabelecimentos, e Miſsões Heſpanholas do proprio Uruguay, que hão de ficar no actual eſtado, em que pertencem á Coroa de Heſpanha; recommendando-ſe aos Commiſſarios, que verificarem eſta Linha diviſoria, que ſigão em toda ella as direcções dos montes pelos cumes delles, ou dos Rios, aonde os houver a propoſito; e que as vertentes dos ditos Rios, e naſcentes delles ſirvão de marcos a hum, e a outro Dominio, aonde aſſim ſe puder executar, para que os Rios, que naſcerem em hum Dominio, e para elle correrem, fiquem deſde o naſcente delles para eſſe Dominio; o que melhor ſe póde executar na Linha, que correra deſde a lagoa Merim até o Rio Pepiri-guaçú, e em que não ha Rios grandes, que atraveſſem de hum terreno a outro; por quanto aonde os houver, ſe não poderá verificar eſte methodo, como he bem notorio; e ſe ſeguira o que nos ſeus reſpectivos caſos ſe eſpecifica em outros Artigos deſte Tratado para ſalvar os Dominios, e Poffeſsões principaes de ambas as Coroas. Sua Mageſtade Catholica em ſeu Nome, e de ſeus deiros e Succeſſores cede a favor de Sua Mageſtade Fideliſſima, de ſeus Herdeiros, e Succeſſores, todos, e quaeſquer direitos, que lhe poſsão pertencer aos Territorios, que, ſegundo vai explicado neſte Artigo, devem pertencer á Coroa de Portugal.
ARTIGO V.
COnforme ao eſtipulado nos Artigos antecedentes, ficarão reſervadas entre os Dominios de huma, e outra Coroa as lagoas de Merim, e da Mangueira, e as linguas de terra, que medeão entre ellas, e a coſta de mar, ſem que nenhuma das duas Nações as occupe, ſervindo ſó de ſeparação; de ſorte, que nem os Portuguezes paſſem o Arroyo de Tahym, linha recta ao mar até á parte Meridional, nem os Heſpanhoes o Arroyo de Chui, e de S. Miguel até á parte Septentrional: Cedendo Sua Mageſtade Fideliſſima em ſeu Nome, e de ſeus Herdeiros, e Succeſſores a favor da Coroa de Heſpanha, e deſta divisão, qualquer direito, que poſſa ter ás Guardas de Chui, e ſeu diſtricto, á Barra de Caſtilhos grandes, ao Forte de S. Miguel, e a tudo o mais que nella ſe comprehende.
ARTIGO VI.
Á Semelhança do eſtabelecido no Artigo antecedente, ficará tambem reſervado no reſtante da Linha diviſoria, tanto até a entrada no Uruguay do Rio Peperi-guaçú, quanto no progreſſo, que ſe eſpecificará nos ſeguintes Artigos, hum eſpaço ſufficiente entre os Limites de ambas as Nações, ainda que não ſeja de igual largura á das referidas lagoas, no qual não poſsão edificar-ſe Povoações por nenhuma das duas partes, nem conſtruir-ſe Fortalezas, Guardas, ou Póſtos de Tropas, de modo, que os taes eſpaços ſejão neutros, pondo-ſe marcos, e ſignaes ſeguros, que fação conſtar aos Vaſſallos de cada Nação o ſitio, de que não deveráõ paſſar, a cujo fim ſe buſcaráõ os lagos, e Rios, que poſsão ſervir de Limite fixo, e inalteravel, e em ſua falta os cumes dos montes mais ſinalados, ficando eſtes, e as ſuas faldas por termo neutral diviſorio, em que ſe não poſſa entrar, povoar, edificar, nem fortificar por alguma das duas Nações.
ARTIGO VII.
OS habitantes Portuguezes, que houver na Colonia do Sacramento, Ilha de S. Gabriel, e outros quaeſquer Eſtabelecimentos, que vão cedidos á Heſpanha pelo Artigo III., e todos os mais que deſde as primeiras Conteſtações do anno de 1762, ſe houverem conſervado em diverſo Dominio, terão a liberdade de retirar-ſe, ou permanecer alli com ſeus effeitos, e móveis; e aſſim elles, como o Governador, Officiaes, e Soldados da Guarnição da Colonia do Sacramento, que ſe deverão retirar, poderão vender os bens de raiz; entregando-ſe a Sua Mageſtade Fideliſſima a Artilheria, Armas, e Munições, que lhe houverem pertencido na dita Colonia, e Eſtabelecimentos. A meſma liberdade, e direitos gozarão os Habitantes, Officiaes, e Soldados Heſpanhoes, que exiſtirem em alguns dos Eſtabelecimentos cedidos, ou renunciados á Coroa de Portugal pelo Artigo IV., reſtituindo-ſe a Sua Mageſtade Catholica toda a Artilheria, e Munições, que ſe houverem achado ao tempo da ultima entrada dos Portuguezes no Rio Grande de S. Pedro, ſua Villa, Guardas, e Póſtos de huma, e outra margem, excepto aquella parte, que houveſſe ſido tomada, e pertenceſſe aos meſmos Portuguezes ao tempo da entrada dos Heſpanhoes naquelles Eſtabelecimentos no anno de 1762. Eſta regra ſe obſervará reciprocamente em todas as mais Ceſsões, que contém eſte Tratado, para eſtabelecer os Dominios de ambas as Coroas, e ſeus reſpectivos Limites.
ARTIGO VIII.
FIcando já ſinalados os Dominios de ambas as Coroas até á entrada do Rio Pequiri, ou Pepiri-guaçú no Uruguay, convierão os dous Altos Contratantes, em que a Linha diviſoria ſeguirá aguas aſſima do dito Pepiri-guaçú até á ſua origem principal; e deſde eſta, pelo mais alto do terreno, debaixo das regras dadas no Artigo VI., continuará a encontrar as correntes do Rio Santo Antonio, que deſemboca no grande de Curituba, por outro nome chamado Iguaçú, ſeguindo eſte aguas abaixo até á ſua entrada no Paraná pela ſua margem Oriental, e continuando então aguas aſſima do meſmo Paraná, até onde ſe lhe
ajunta o Rio Igurei pela ſua margem Occidental.
ARTIGO IX.
DEſde a boca, ou entrada do Igurei, ſeguirá a Raia aguas aſſima deſte até á ſua origem principal; e deſde ella ſe tirará huma linha recta pelo mais alto do terreno com attenção ao ajuſtado no referido Artigo VI., até achar a cabeceira, e vertente principal do Rio mais vizinho a dita Linha, que deſague no Paraguay pela ſua margem Oriental, que talvez ſera o que chamão Correntes; e então baixará a Raia pelas aguas deſte Rio até á ſua entrada no Paraguay, deſde cuja boca ſubirá pelo canal principal, que deixa eſte Rio em tempo ſecco, e ſeguirá pelas ſuas aguas até encontrar os pantanos, que fórma o Rio, chamados a Lagoa dos Xarayes, e atraveſſará eſta lagoa até á boca do Rio Jaurú.
ARTIGO X.
DEſde a boca do Jaurú pela parte Occidental ſeguirá a Fronteira em linha recta até á margem Auſtral do Rio Guaporé, ou Itenes defronte da boca do Rio Sararé, que entra no dito Guaporé pela ſua margem Septentrional; mas ſe os Commiſſarios encarregados de regular os confins, e execução deſtes Artigos, acharem ao tempo de reconhecer o Paiz, entre os Rios Jaurú, e Guaporé, outros Rios, ou balizas naturaes, por onde mais commodamente, e com maior certeza ſe poſſa aſſinalar a Raia naquella paragem, ſalvando ſempre a navegação do Jaurú, que deve ſer privativa dos Portuguezes, e o caminho, que coſtumão fazer do Cuyabá até o Mato groſſo: Os dous Altos Contratantes conſentem, e approvão, que aſſim ſe eſtabeleça, ſem attender a alguma porção mais, ou menos de terreno, que poſſa ficar a huma, ou outra parte. Deſde o lugar que na margem Auſtral do Guaporé for aſſinalado para termo da Raia, como fica explicado, baixará a Fronteira por toda a corrente do Rio Guaporé, até mais abaixo da ſua união com o Rio Mamoré, que naſce na Provincia de Santa Cruz da Serra, e atraveſſa a Miſsão dos Moxos, formando juntos o Rio, que chamão da Madeira, o qual entra no Maranhão, ou Amazonas pela ſua margem Auſtral.
ARTIGO XI.
BAixará a Linha pelas aguas deſtes dous Rios Guaporé, e Mamoré, já unidos com o nome da Madeira, até á paragem ſituada em igual diſtancia do Rio Maranhão, ou Amazonas, e da boca do dito Mamoré, e deſde aquella paragem continuará por huma Linha Leſte Oeſte até encontrar com a margem Oriental do Rio Jabari, que entra no Maranhão pela ſua margem Auſtral; e baixando pelo alveo do meſmo Jabari até onde deſemboca no Maranhão, ou Amazonas, proſeguirá aguas abaixo deſte Rio, a que os Heſpanhoes coſtumão chamar Orellana, e os Indios Guiena, até a boca mais Occidental do Japurá, que deſagua nelle pela margem Septentrional.
ARTIGO XII.
COntinuará a Fronteira, ſubindo aguas aſſima da dita boca, mais Occidental do Japurá e pelo meio deſte Rio até aquelle ponto, em que poſsão ficar cubertos os Eſtabelecimentos Portuguezes das margens do dito Rio Japurá, e do Negro, como tambem a Communicação, ou Canal, de que ſe ſervião os meſmos Portuguezes, entre eſtes dous Rios, ao tempo de celebrar-ſe o Tratado de Limites de 13 de Janeiro de 1750, conforme ao ſentido literal delle, e do ſeu Artigo IX, que inteiramente ſe executará, ſegundo o eſtado, que então tinhão as couſas, ſem prejudicar tão pouco as Poſſeſsões Heſpanholas, nem aos ſeus reſpectivos Dominios, e Communicações com elles, e com o Rio Orinoco: de modo, que nem os Heſpanhoes poſsão introduzir-ſe nos referidos Eſtabelecimentos, e Communicação Portugueza, nem paſſar aguas abaixo da dita boca Occidental do Japurá, nem do ponto da Linha, que ſe formar no Rio Negro, e nos demais, que nelle ſe introduzem; nem os Portuguezes ſubir aguas aſſima dos meſmos, nem outros Rios, que ſe lhes unão, para paſſar do referido ponto da Linha aos Eſtabelecimentos Heſpanhoes, e as ſuas Communicações; nem ſubir para o Rio Orinoco, nem eſtender-ſe para as Provincias povoadas por Heſpanha, nem para os deſpovoados, que lhe hão de pertencer, conforme os preſentes Artigos: para o qual effeito as peſſoas, que ſe nomearem para a execução deſte Tratado, aſſinalaráõ aquelles Limites, buſcando as Lagoas, e Rios, que ſe juntem ao Japurá, e Negro, e ſe avizinhem mais ao rumo do Norte, e nelles fixaráõ o ponto, de que não deverá paſſar a navegação, e uſo de huma, nem de outra Nação, quando apartando-ſe dos Rios haja de continuar a Fronteira pelos montes, que medêão entre o Orinoco, e Maranhão, ou Amazonas, endireitando tambem a Linha da Raia, quanto puder ſer, para a parte do Norte, ſem reparar no pouco mais, ou menos de terreno, que fique a huma, ou a outra Coroa; com tanto, que ſe logrem os fins já explicados, até concluir a dita Linha, onde findão os Dominios de ambas as Monarquias.
ARTIGO XIII.
A Navegação dos Rios, por onde paſſar a Fronteira, ou Raia, ſera commua as duas Nações até aquelle ponto, em que pertencerem a ambas reſpectivamente as ſuas duas margens; e ficará privativa a dita navegação, e uſo dos Rios áquella Nação, a quem pertencerem privativamente as ſuas duas margens deſde o ponto, em que principiar eſte Dominio; de modo, que em todo, ou em parte ſerá privativa, ou commua a navegação, ſegundo o forem as Ribeiras, ou margens do Rio: e para que os ſuditos de huma, e de outra Coroa não poſsão ignorar eſta regra, ſe porão marcos, ou balizas nos lugares, em que a Linha diviſoria ſe una a alguns Rios, ou ſe ſepare delles, com Inſcripções, que expliquem ſer commum, ou privativa o uſo, e navegação daquelle Rio de ambas, ou de huma Nação ſó, com expreſsão da que poſſa, ou não paſſar daquelle ponto, debaixo das penas, que ſe eſtabelecem neſte Tratado.
ARTIGO XIV.
TOdas as Ilhas, que ſe acharem em qualquer dos Rios, por onde ha de paſſar a Raia, ſegundo o convindo nos preſentes Artigos Preliminares, pertenceráõ ao Dominio, a que eſtiverem mais proximas em tempo, e eſtação mais ſecca; e ſe eſtiverem ſituadas a igual diſtancia de ambas as margens, ficarão neutraes, excepto quando forem de grande extensão, e aproveitamento, pois então ſe dividiráõ por metade, formando a correſpondente Linha de ſeparação para determinar os Limites de ambas as Nações.
ARTIGO XV.
PAra que ſe determinem tambem com a maior exacção os Limites inſinuados nos Artigos deſte Tratado, e ſe eſpecifiquem, ſem que tenha lugar a mais leve dúvida no futuro, todos os pontos, por onde deva paſſar a Linha diviſoria, de modo que ſe poſſa eſtender hum Tratado definitivo com expreſsão individual de todos elles: ſe nomearão rios por Suas Mageſtades Fideliſſima, e Catholica, ou ſe dará faculdade aos Governadores das Provincias, para que elles, ou as peſſoas, que ſe elegerem, as quaes ſejão de conhecida probidade, intelligencia, e conhecimento do Paiz, juntando-ſe nas paragens da Demarcação, aſſinalem os ditos pontos, regulando-ſe pelos Artigos deſte Tratado, outorgando os Inſtrumentos correſpondentes, e formando hum Mappa individual de toda a Fronteira, que reconhecerem, e aſſinalarem; cujas Cópias authorizadas, e formadas de huns, e outros, ſe communicarão, e remetterão as duas Cortes, pondo deſde logo em execução tudo aquillo, em que eſtiverem conformes, e reduzindo a hum ajuſte, e expediente interino os pontos, em que houver alguma diſcordia, até que pelas ſuas Cortes, a quem darão parte, ſe reſolva de commum acordo o que julgarem conveniente. Para que ſe conſiga a maior brevidade no dito reconhecimento, e Demarcação da Linha, e execução dos Artigos deſte Tratado, ſe nomearáõ os Commiſſarios praticos de huma, e outra Corte por Provincias, ou Territorios; de modo que a hum meſmo tempo ſe poſſa executar por partes todo o ajuſtado, e convindo; communicando-ſe reciprocamente, e com anticipação os Governadores de ambas as Nações naquellas Provincias a extensão de Territorio, que comprehenda a commiſsão, e faculdades do Commiſſario pratico nomeado por cada parte.
ARTIGO XVI.
OS Commiſſarios, ou peſſoas nomeadas nos termos, que explica o Artigo precedente, além das regras eſtabelecidas neſte Tratado, terão preſente para o que nelle não eſtiver eſpecificado, que os ſeus objectos na Demarcação da Linha diviſoria devem ſer a reciproca segurança, e perpetua paz, e tranquillidade de ambas as Nações, e o total exterminio dos Contrabandos, que os ſubditos de huma poſsão fazer nos Dominios, ou com os Vaſſalos da outra: pelo que com attenção a eſtes dous objectos ſe lhes darão as correſpondentes Ordens, para que evitem diſputas, que não prejudiquem directamente as actuaes poſſeſsões de ambos os Soberanos, á navegação commua, ou privativa dos ſeus Rios, ou Canaes, ſegundo o ajuſtado no Artigo XIII, ou aos Cultivos, Minas, ou Paſtos, que actualmente poſſuão, e não ſejão cedidos por este Tratado em beneficio da Linha diviſoria; ſendo a intenção dos dous Auguſtos Soberanos; que ao ſim de conſeguir a verdadeira paz, e amizade, a cuja perpetuidade, e eſtreiteza aſpirao para o ſocego reciproco, e bem de ſeus Vaſſallos; ſómente ſe attenda naquellas vaſtiſſimas Regiões, por onde ha de eſtabelecer-ſe a Linha diviſoria, a conſervação do que cada hum fica poſſuindo em virtude deſte Tratado, e do definitivo de Limites, e a ſegurar eſtes de modo, que em nenhum tempo ſe poſsão offerecer dúvidas, nem diſcordias.
ARTIGO XVII.
QUalquer individuo das duas Nações, que ſe apprehender fazendo o commercio de Contrabando com os individuos da outra, ſera caſtigado na ſua peſſoa, e bens com as penas impoſtas pelas Leis da Nação, que o houver apprehendido; e nas meſmas penas incorreráõ os ſubditos de hum a Nação, pelo unico facto de entrar no Territorio da outra, oi nos Rios, ou parte delles, que não ſejão privativos da ſua Nação, ou communs a ambas; exceptuando-ſe ſó o caſo, em que alguns arribem a Porto, e Terreno alheio por indiſpenſavel, e urgente neceſſidade, que hão de fazer conſtar em toda a fórma, ou que paſſarem ao Territorio alheio por commiſsão do Governador, ou Superior do ſeu recpectivo Paiz para communicar algum Officio, ou Aviſo, em cujo caſo deverão levar Paſſaporte, que expreſſe o motivo.
ARTIGO XVIII.
NOs Rios, cuja navegação for commua as duas Nações em tudo, ou em parte, não ſe poderá levantar, ou conſtruir por alguma dellas, Forte, Guarda, ou Regiſto; nem obrigar aos ſubditos de ambas as Potencias, que navegarem, a ſoffrer viſitas, levar licenças, nem ſujeitar-ſe a outras formalidades; e ſomente ſerão caſtigados com as penas expreſſadas no Artigo antecedente, quando entrarem em Porto, ou Terreno alheio, ou paſſarem daquelle ponto até onde a dita navegação ſeja commua, para introduzir-ſe na parte do Rio, que já for privativa dos ſubditos da outra Potencia.
ARTIGO XIX.
NO caſo de occorrerem algumas dúvidas entre os Vaſſallos Portuguezes, e Heſpanhoes, ou entre os Governadores, e Commandantes das Fronteiras das duas Coroas ſobre exceſſo dos Limites aſſinalados, ou intelligencia de algum delles, não ſe procederá de modo do algum por vias de facto a occupar terreno, nem a tomar ſatisfação do que houver occorrido, e ſó poderáõ, e deveráõ communicar-ſe reciprocamente as duvidas, e concordar interinamente algum meio de ajuſte, até que dando parte as ſuas reſpectivas Cortes, ſe lhes participem por eſtas, de commum acordo, as reſoluções neceſſarias e os que contravierem ao diſpoſto neſte Artigo, ſerão caſtigados a arbitrio da Potencia offendida, a cujo fim ſe farão notorias aos Governadores, e Commandantes as diſpoſições delle. O meſmo caſtigo padeceráõ os que intentarem povoar, aproveitar, ou entrar na faxa, Linha, ou eſpaço de Territorio, que deva ſer neutro entre os Limites de ambas as Nações. E aſſim para iſto, como para que no dito eſpaço por toda a Fronteira ſe evite o aſylo de ladrões, ou aſſaſſinos, os Governadores fronteiros tomaráõ tambem de commum acordo as providencias neceſſarias, concordando o meio de apprehendellos, e de extinguillos, impondo-lhes ſeveriſſimos caſtigos. Aſſim meſmo, conſiſtindo as riquezas daquelle Paiz nos Eſcravos, que trabalhão na ſua agricultura, conviráõ os proprios Governadores no modo de entregallos mutuamente no caſo de fuga, ſem que por paſſar a diverſo Dominio conſigão a liberdade, e ſó fim a protecção, para que não padeção caſtigo violento, ſe o não tiverem merecido por outro crime.
ARTIGO XX.
PAra a perfeita execução do preſente Tratado, e ſua perpetua firmeza, os dous Auguſtos Monarcas Contratantes, animados dos principios de união, paz, e amizade, que deſejão eſtabelecer ſolidamente: cedem, renuncião, e traſpaſsão hum ao outro em ſeu Nome, e de ſeus Herdeiros, e Succeſſores, toda a poſſe, e direito, que poſsão ter, ou allegar a quaeſquer terrenos, ou navegações dos Rios, que pela Linha diviſoria aſſinalada nos Artigos deſte Tratado para toda a America Meridional, ficarem a favor de qualquer das duas Coroas; como, por exemplo, o que ſe acha occupado, e fica para á Coroa de Portugal nas duas margens do Rio Maranhão, ou das Amazonas, na parte, em que lhe hão de ſer privativas; e o que occupa no diſtricto do Matto-groſſo, e delle para a parte do Oriente; como igualmente o que ſe referva a Coroa de Heſpanha na parte do meſmo Rio Maranhão deſde a entrada do Javari, em que o referido, Maranhão ha de dividir o Dominio de ambas as Coroas até á boca mais Occidental do Japurá, e em qualquer outra parte, que pela Linha aſſinalada neſte Tratado ficarem terrenos a huma, ou a outra Coroa, evacuando-ſe os ditos terrenos na parte, em que eſtiverem occupados, dentro do termo de quatro mezes, ou antes, ſe for poſſivel, debaixo daquella liberdade de ſahirem os habitantes individuos da Nação, que os evacuaſſe com os ſeus bens, e effeitos, e de vender os de raiz, que já fica capitulada no Artigo VII.
ARTIGO XXI.
COm o fim de conſolidar a dita união, paz, e amizade entre as duas Monarquias, e de extinguir todo o motivo de diſcordia, ainda pelo que reſpeita aos Dominios da Aſia: Sua Mageſtade Fideliſſima em ſeu Nome, e no de ſeus Herdeiros, e Succeſſores, cede a favor de Sua Mageſtade Catholica, ſeus Herdeiros, e Succeſſores, todo o direito, que poſſa ter, ou allegar ao Dominio das Ilhas Filippinas, Marianas, e o mais que poſſue naquellas partes a Coroa de Heſpanha; renunciando a de Portugal qualquer acção, ou direito, que poſſa ter, ou promover pelo Tratado de Tordeſſillas de 7 de junho de 1494, e pelas Condições da Eſcritura celebrada em Saragoça a 22 de Abril de 1529, ſem que poſſa repetir couſa alguma do preço, que pagou pela venda capitulada na dita Eſcritura, nem valer-ſe de outro qualquer motivo, ou fundamento contra a Ceſsão convinda neſte Artigo.
ARTIGO XXII.
EM prova da meſma união, e amizade, que tão efficazmente ſe deſeja pelos dous Auguſtos Contratantes, Sua Mageſtade Catholica offerece reſtituir, e evacuar dentro de quatro mezes ſeguintes a Ratificação deſte Tratado a Ilha de Santa Catharina, e a parte do Continente immediato a ella, que houveſſem occupado as Armas Heſpanholas, com a Artilheria, Munições, e mais effeitos, que ſe houveſſem achado ao tempo da occupação. E Sua Mageſtade Fideliſſima em correſpondencia deſta reſtituição promette que em tempo algum, ſeja de paz, ou de guerra, em que a Coroa de Portugal não tenha parte, como ſe eſpera, e deſeja, não conſentirá que alguma Eſquadra, ou Embarcação de guerra, ou de Commercio Eſtrangeiras, entrem no dito Porto de Santa Catharina, ou nos da ſua Coſta immediata, nem que nelles ſe abriguem, ou detenhão, pecialmente ſendo Embarcações de Potencia, que ſe ache em guerra com a Coroa de Heſpanha, ou que poſſa haver alguma ſuſpeita de ſerem deſtinadas a fazer o Contrabando. Suas Mageſtades Fideliſſima, e Catholica farão promptamente expedir as Ordens convenientes para a execução, e pontual obſervancia de quanto ſe eſtipula neſte Artigo, e ſe trocará mutuamente hum duplicado dellas, a fim de que não fique a menor dúvida ſobre o exacto cumprimento dos objectos, que inclue.
ARTIGO XXIII.
AS Eſquadras, e Tropas Portuguezas, e Heſpanholas, que ſe achão nos Mares, ou Portos da America Meridional, ſe retirarão dalli a ſeus reſpectivos deſtinos, ficando ſó as regulares em tempo de paz, de que ſe darão aviſos reciprocos aos Generaes, e Governadores de ambas as Coroas, para que a evacuação ſe faça com a poſſivel igualdade, e correſpondente boa fé no breve termo de quatro mezes.
ARTIGO XXIV.
AE para cumprimento, e maior explicação deſte Tratado ſe neceſſitar de eſtender, e eſtenderem algum, ou alguns Artigos mais dos referidos, ſe terão como parte deſte meſmo Tratado; e os Altos Contratantes ſerão igualmente obrigados á ſua inviolavel obſervancia, e a ratificallos no meſmo termo, que ſe aſſinará neſte.
ARTIGO XXV.
O Preſente Tratado Preliminar ſe ratificará no preciſo termo de quinze dias, depois de firmado, ou antes, ſe for poſſivel.
Em fé do que Nós-outros os infraeſcritos Miniſtros Plenipotenciarios aſſinámos de noſſo punho, em Nome de Noſſos Auguſtos Amos, e em virtude das Plenipotencias, com que para iſſo nos authorizárão, o preſente Tratado Preliminar de Limites, e o fizemos ſellar com os Sellos de noſſas Armas. Feito em Santo Ildefonſo ao primeiro de Outubro de mil ſetecentos ſetenta e ſete.
L. S. D. Franciſco Innocencio de Souſa Coutinho.
L. S. El Conde de Florida Blanca.
E Sendo-me preſente o meſmo Tratado, cujo theor fica aſſima inferido, e bem viſto, conſiderado, e examinado por Mim tudo o que nelle ſe contém, o approvo, ratifico, e confirmo, aſſim no todo, como em cada huma das ſuas clauſulas, e eſtipulações; e pela preſente o dou por firme, e válido para ſempre: promettendo em fé, e palavra Real obſervallo, e cumprillo inviolavelmente, e fazello cumprir, e obſervar, ſem permittir que ſe faça couſa alguma em contrario, por qualquer modo que poſſa ſer; renunciando a qualquer outro Tratado, ou Determinação, que haja, ou poſſa haver em contrario. E em teſtemunho, e firmeza do ſobredito, fiz paſſar a preſente Carta por Mim aſſinada, ſellada com o Sello grande das Minhas Armas, e referendada pelo Meu Secretario de Eſtado abaixo aſſinado. Dada no Palacio de Quéluz aos dez de Outubro do Anno do Naſcimento de Noſſo Senhor Jesus Chriſto de mil ſetecentos ſetenta e ſete.