Projeto de resposta a carta de V. I. Zasulich
A presente carta é o primeiro esboço da resposta de Marx à carta de V. I. Zasúlich datada o 16
de fevereiro de 1881.
Na sua carta, Zasúlich, ao informar a Marx sobre o papel que tinha desempenhado "O Capital" nas discussões dos socialistas russos
aproxima dos destinos do capitalismo na Rússia, lhe pedia em nome dos camaradas, os «socialistas revolucionários» russos, que
expusesse seus pontos de vista sobre esta questão e, em particular, sobre a questão da comunidade.
Quando recebeu a missiva (assim como outra de Petersburgo, do Comitê Executivo da «Liberdade do Povo», com análoga petição),
Marx, trabalhando no tomo III de "O Capital", já tinha dedicado muito esforço ao estudo das relações socioeconômicas na Rússia, do
regime interior e o estado da comunidade camponesa russa.
Por causa das mencionadas cartas realizou um grande trabalho suplementário para sintetizar o material das fontes estudadas e chegou na
conclusão que só uma revolução popular russa, apoiada pela revolução proletária na Europa Ocidental podia superar as ;influências perniciosas» que acossavam por todos os lados à comunidade russa.
A revolução russa criaria uma situação favorável para a vitória do proletariado europeoucidental, e este ajudaria, por sua vez, à Rússia a
esquivar a via capitalista de
desenvolvimento
1) Ao tratar da gêneses da produção capitalista, eu disse que seu segredo consiste em que tem por base ;a separação radical entre o produtor e os meios de produção» (pág. 315, coluna 1 da edição francesa de "O Capital") e que «a base de toda esta evolução é a expropriação dos agricultores . Esta não se efetuou radicalmente por enquanto mais que na Inglaterra... Mas todos os demais países da Europa Ocidental seguem o mesmo caminho» (lugar citado, couve. 2)Ver a presente edição, [Marx & Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Editorial Progresso, Moscú, 1974] t. 2, págs. 103-104. (N. da Edit.).
Portanto, restringi expressamente a «fatalidade histórica» deste movimento aos países da Europa Ocidental . E por que? Tenha a bondade de comparar o capítulo XXXII, no qual se diz: «O movimento de eliminação, a transformação dos meios de produção individuais e dispersos em meios de produção concentrados socialmente, a conversão da propriedade anã de muitos em propriedade colossal de uns quantos, esta dolorosa e torturante expropriação do povo trabalhador é a origem, é a gênese do capital... A propriedade privada, baseada no trabalho pessoal..., está sendo suplantada pela propriedade privada capitalista, baseada na exploração do trabalho alheio, no trabalho assalariado» (pág. 341, couve. 2)Ver a presente edição, [Marx & Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Editorial Progresso, Moscú, 1974] 2, págs. 149-150. (N. da Edit.).
Portanto, em resumo, temos a mudança de uma forma da propriedade privada em outra forma de propriedade privada. Tendo sido jamais a terra propriedade privada dos camponeses russos, como pode aplicar este planejamento?
2) Desde o ponto de vista histórico, o único argumento sério que se expõe em favor da dissolução fatal da comunidade dos camponeses russos é o seguinte:
Remontando o passado remoto, achamos em todas partes da Europa Ocidental a propriedade comunal de tipo mais ou menos arcaico; há desaparecido por doquier com o progresso social. Por que há de escapar à mesma sorte somente na Rússia?
Respondo: Porque na Rússia, graças a uma combinação única das circunstâncias, a comunidade rural, que existe ainda a escala nacional, pode desfazer-se gradualmente de seus caráteres primitivos e desenvolver-se diretamente como elemento da produção coletiva a escala nacional. Precisamente graças a que é contemporânea da produção capitalista, pode apropriar-se todas as realizações positivas desta, sem passar por todos seus terríveis peripécias. A Rússia não vive isolada do mundo moderno; também não é presa de nenhum conquistador estrangeiro, como ocorre com as Indianas Orientais.
Se os torcedores russos ao sistema capitalista negassem a possibilidade teórica de tal evolução, eu lhes perguntaria: talvez teve a Rússia que passar, o mesmo que o Ocidente, por um longo período de incubação da indústria mecânica, para empregar as máquinas, os navios de vapor, os ferrovias, etc.? Que me expliquem, ao mesmo tempo, como se as regularam para introduzir, num piscar de olhos, todo o mecanismo de mudança (bancos, sociedades de crédito, etc.), cuja elaboração custou séculos ao Ocidente?
Se no momento da emancipação as comunidades rurais se vissem em umas condições de prosperidade normal, se, depois, a imensa dívida pública, pagada na sua maior parte a conta dos camponeses, ao par que outras máximas enormes, concedidas por mediação do Estado (sempre a litoral dos camponeses) aos «novos pilares da sociedade» transformados em capitalistas, se todas estas despesas se empregassem no fomento ulterior da comunidade rural, a ninguém lhe ocorreria agora a idéia da «fatalidade histórica» da aniquilação da comunidade: todos reconheceriam nela o elemento da regeneração da sociedade russa e um elemento de superioridade sobre os países que se acham ainda subjugados pelo regime capitalista. Outra circunstância favorável à conservação da comunidade russa (por via do desenvolvimento) consiste em que não é somente contemporânea da produção capitalista, mas sobreviveu à época em que este sistema social se achava ainda intacto; agora, ao contrário, tanto na Europa Ocidental, como nos Estados Unidos, o encontra em luta contra a ciência, contra os volumes populares e contra as mesmas forças produtivas que engendra. Em uma palavra, frente a ela se encontra o capitalismo em crises que só se acabará com a eliminação do mesmo, com o retorno das sociedades modernas ao tipo «arcaico» da propriedade comum ou, como diz um autor americano L. Morgan. (N. da Edit.), livre de toda suspeita de tendências revolucionárias, que goza nas suas investigações do apoio do Governo de Washington, «o novo sistema» ao que tende a sociedade moderna, «será um renascimento (a revival), em uma forma superior (in a superior form), de um tipo social arcaico»L. H. Morgan, "Ancient Society or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery, through Barbarism to Civilization" («Sociedade antiga ou Investigações das linhas de progresso humano da barbárie à civilização 187;), London, 1877, p. 552.. Por tanto não se deve temer muito a palavra «arcaico».
Mas, então, seria preciso conhecer, pelo menos, essas vicissitudes. E nós não sabemos nada.
A história da decadência das comunidades primitivas (seria errôneo colocá-las todas em um mesmo plano; da mesma forma que nas formações geológicas, nas históricas existe toda uma série de tipos primários, secundários, terciários, etc.) está ainda por inscrever-se. Até agora não tivemos mais que uns pobres esboços. Em todo caso, a exploração avançou bastante para que possamos afirmar:
1)a vitalidade das comunidades primitivas era incomparablemente superior à das sociedades semitas, gregas, romanas, etc. e tanto mais à das sociedades capitalistas modernas;
2)as causas de sua decadência se desprendem de dados econômicos que lhes impediam passar por um certo grau de desenvolvimento, do ambiente histórico, longe de ser análogo ao da comunidade russa de nossos dias.
Ao ler a história das comunidades primitivas, escritas por burgueses, é preciso andar sobre aviso. Esses autores não se pairam sequer ante a falsidade. Por exemplo, sir Henry Maine, que foi colaborador ciumento do Governo inglês na destruição violenta das comunidades indianas, nos assegura hipocritamente que todos os nobles esforços do governo feitos com vistas a sustentar essas comunidades se estrelaram contra a força espontânea das leis econômicasH. S. Maine, "Village-Communities in the East and West" («Comunidades rurais no Oriente e Ocidente»), London, 1871..
Seja como for, essa comunidade sucumbiu no meio de guerras incessantes, exteriores e internas; é provável que tenha perecido de morte violenta. Quando as tribos germânicas se apoderaram da Itália, Espanha, Gália, etc., a comunidade de tipo arcaico ya não existia. Não obstante, seu vitalidade natural vem provada por dois feitos. Existem exemplares soltos que sobreviveram a todas as peripécias da Idade Meia e se conservaram até nossos dias, por exemplo, em minha terra natal, no distrito de Tréveris. Mas, e isso é o mais importante, imprimiu tão claramente suas próprias características à comunidade que a veio a suplantar -- comunidade na qual a terra de trabalho se transformou em propriedade privada, enquanto as florestas, as pastarias, os eriales, etc. seguem ainda sendo propriedade comunal--, que Maurer, ao investigar esta comunidade de formação secundária, pôde reconstituir o protótipo arcaico. Graças aos rasgos característicos tomados deste último, a comunidade nova instaurada pelos germânicos em todos os países conquistados sucedeu ao longo de toda a Idade Meia o único foco de liberdade e de vida popular.
Se depois da época de Tácito não sabemos nada da vida da comunidade, nem do modo e tempo de seu desaparecimento, conhecemos, pelo menos, o ponto de partida, merced ao relato de Julho César. No seu tempo, a terra já se redistribuía anualmente entre as gens e as tribos de confederações germânicas, mas ainda não entre os membros individuais de uma comunidade. Portanto, a comunidade rural nasceu na Germânia das entranhas de mais um tipo arcaico, foi produto de um desenvolvimento espontâneo em lugar de ser importada já feita da Ásia. Ali, nas Indianas Orientais, a encontramos também, e sempre como último termo ou último período da formação arcaica.
Para julgar dos possíveis destinos da «comunidade rural» desde um ponto de vista puramente teórico, isto é, pressupondo sempre condições de vida normais, tenho que assinalar agora certos rasgos característicos que distinguem a «comunidade agrícola» dos tipos mais arcaicos.
Em primeiro lugar, todas as comunidades primitivas anteriores se assintam no parentesco natural de seus membros; ao romper este vínculo forte, mas estreito, a comunidade agrícola resulta mais capaz de estender-se e de manter o contato com os estrangeiros.
Depois, dentro dela, a casa e seu complemento --o pátio-- são já propriedade privada do agricultor, enquanto, muito tempo antes da aparição mesma da agricultura, a casa comum era uma das bases materiais das comunidades precedentes.
Finalmente, mesmo que a terra de trabalho siga sendo propriedade comunal, se redistribuye periodicamente entre os membros da comunidade agrícola, de modo que cada agricultor cultiva pela sua conta os campos que se lhe atribuem e se apropria individualmente os frutos desse cultivo, enquanto nas comunidades mais arcaicas a produção se pratica em comum e se reparte só o produto. Este tipo primitivo da produção cooperativa ou coletiva foi, como é lógico, o resultado da debilidade do indivíduo isolado, e não da socialização dos meios de produção.
Se compreende com facilidade que o dualismo inerente à «comunidade agrícola» pode servir-lhe de fonte de uma vida vigorosa, já que, de uma parte, a propriedade comum e todas as relações sociais que se desprendem dela lhe dão maior firmeza, enquanto que a casa privada, o cultivo parcelario da terra de trabalho e a apropriação privada dos frutos admitem um desenvolvimento da individualidade incompatível com as condições das comunidades mais primitivas.
Mas não é menos evidente que este mesmo dualismo pode, com o tempo, converter-se em fonte de decomposição. Deixando de lado todas as influências do ambiente hostil, a só acumulação gradual da riqueza mobiliária, que começa pela acumulação de ganho (admitindo inclusive a riqueza em forma de servos), o papel cada vez maior que o elemento mobília desempenha na agricultura mesma e uma multidão de outras circunstâncias inseparáveis de essa acumulação, mas cuja exposição me levaria muito longe, atuarão como um dissolvente da igualdade econômica e social e farão nascer em a comunidade mesma um conflito de interesses que traz aparelhada a conversão da terra de trabalho em propriedade privada e que termina com a apropriação privada das florestas, as pastarias, os eriales, etc., transformados já em anexos comunais da propriedade privada. Por esta razão, a «comunidade agrícola» representa por doquier o tipo mais recente da formação arcaica das sociedades, e no movimento histórico da Europa Ocidental, antiga e moderna, o período da comunidade agrícola aparece como período de transição da formação primária à secundária. Mas, ¿quer isso dizer que, em quaisquer circunstâncias, o desenvolvimento da «comunidade agrícola» deva seguir este caminho? Em absoluto. Sua forma constitutiva admite a seguinte alternativa: o elemento de propriedade privada que implica se imporá ao elemento coletivo ou este se imporá àquele. Tudo depende do ambiente histórico em que se acha... Estas duas soluções são possíveis a priori, mas, tanto a uma como a outra requerem sem dúvida você ambiente históricos muito diferentes.
3) a Rússia é o único país europeu no qual a «comunidade agrícola» se mantém a escala nacional até hoje dia. Não é uma presa de um conquistador estrangeiro, como ocorre com as Indianas Orientais. Não vive isolada do mundo moderno. Por uma parte, a propriedade comum sobre a terra lhe permite transformar direta e gradualmente a agricultura parcelaria e individualista em agricultura coletiva, e os camponeses russos a praticam já nos prados indivisos; a configuração física do solo russo propicia o emprego de máquinas em vasta escala; a familiaridade do camponês com as relações de artel lhe facilita o trânsito do trabalho parcelario ao cooperativos e, finalmente, a sociedade russa, que há vivido tanto tempo a sua conta, lhe deve apresentar os avanços necessários para esse trânsito. Por outra parte, a existência simultânea da produção ocidental, dominante no mercado mundial, lhe permite à Rússia incorporar à comunidade todos os adiantamentos positivos conseguidos pelo sistema capitalista sem passar por seus Forcas Caudinas No ano 321 a. de n. e. nas Forcas Caudinas, perto da antiga cidade romana de Caudio, os samnitas (tribos que povoavam uma região montanhosa nos Apeninos Médios) derrotaram às legiões romanas e as obrigaram a passar baixo o jugo, o que se considerava o mais humilhante para o exército vencido. Daí a expressão «passar sob as Forcas Caudinas», ou seja sofrer humilhação suprema..
Se os representantes dos «novos pilares sociais» negassem a possibilidade teórica da evolução da comunidade rural moderna, se poderia perguntar-lhes: ¿devia a Rússia, o mesmo que o Ocidente, passar por um longo período de incubação da indústria mecânica para chegar nas máquinas, a os navios de vapor, aos ferrovias, etc.? Se poderia perguntar-lhes, além disso, ¿como se as regularam para introduzir num piscar de olhos todo o mecanismo de mudança (bancos, sociedades por ações, etc.), cuja elaboração lhe custou séculos ao Ocidente?
Existe uma característica da «comunidade agrícola» russa que serve de fonte de sua debilidade e lhe é hostil em todos os sentidos. É seu isolamento, a ausência de ligação entre a vida de uma comunidade e a de outras, esse microcosmos localizado que não se encontra por doquier como caráter imanente desse tipo, mas que onde se encontre fez com que sobre as comunidades surja um despotismo mais ou menos central. A federação das repúblicas russas do Norte prova que este isolamento, que parece haver sido imposto primitivamente pela vasta extensão do território, foi consolidado em grande parte pelos destinos políticos da Rússia desde a invasão mongol. Hoje é um obstáculo muito fácil de eliminar. Haveria simplesmente que substituir a vólost Vólost: Subdistrito, unidade administrativa territorial mínima em à Rússia prerrevolucionaria., instituição governamental, com uma assembléia de camponeses apoderados escolhidos pelas comunidades, que serviriam de órgão econômico e administrativo defensor de seus interesses. Uma circunstância muito favorável, desde o ponto de vista histórico, para a conservação da «comunidade agrícola» por via de seu ulterior desenvolvimento, consiste em que não só é contemporânea da produção capitalista ocidental e pode, portanto, apropriar-se os frutos sem sujeitar-se a seu modus operandi Modo de proceder. (N. da Edit.) , mas sobreviveu à época em que o sistema capitalista se achava ainda intacto, que o encontra, ao invés, na Europa Ocidental, o mesmo que nos Estados Unidos, em luta tanto contra as volumes trabalhadoras como contra a ciência e contra as mesmas forças produtivas que engendra, em uma palavra, o encontra em uma crise que terminará com a eliminação do mesmo, com um retorno das sociedades modernas a uma forma superior de um tipo «arcaico» de a propriedade e da produção coletivas.
Certamente, a evolução da comunidade seria gradual e o primeiro passo seria o de colocá-la em umas condições normais sobre seu base atual.
Mas lhe há frente a propriedade sobre a terra, que tem nas suas mãos quase a metade, e, além disso, a melhor parte do solo, sem falar já dos domínios do Estado. Precisamente por isso, a conservação da «comunidade rural» por via de sua evolução ulterior coincide com o movimento geral da sociedade russa, cuja regeneração só é possível a esse preço.
Inclusive desde o ponto de vista puramente econômico, a Rússia pode sair de seu atoleiro agrícola mediante a evolução de sua comunidade rural; seriam vãos as tentativas de sair dessa situação com ajuda do arrendamento capitalizado ao estilo inglês, sistema contrário a todas as condições rurais do país.
De fazer abstração de todas as calamidades que deprimem no presente a «comunidade rural» russa e de tomar em consideração mais nada que sua forma constitutiva e seu ambiente histórico, se verá com toda evidência, desde o primeiro olhar, que um de seus caráteres fundamentais --a propriedade comunal sobre a terra-- forma a base natural da produção e a apropriação coletivas. Além disso a familiaridade do camponês russo com as relações de artel lhe facilitaria o trânsito do trabalho parcelario ao coletivo, que pratica já em certo grau nos prados indivisos, nos trabalhos de avenamiento e outras empresas de interesse geral. Mas, para que o trabalho coletivo possa substituir na agricultura propriamente dita o trabalho parcelario, fonte de apropriação privada, fazem falta duas coisas: a necessidade econômica de tal transformação e as condições materiais para levá-la a cabo.
Quanto à necessidade econômica, a «comunidade rural» a sentirá tão logo como se veja colocada em condições normais, é dizer, tão logo como se lhe estorvo o peso que gravita sobre ela e tão logo como receba uma extensão normal de terra para o cultivo. Passaram já os tempos em que a agricultura russa não necessitava mais que terra e agricultor parcelario apetrechado com aperos mais ou menos primitivos. Estes tempos passaram com tanta mais rapidez porque a opressão do agricultor contagia e esteriliza seu campo. Lhe faz falta agora o trabalho coletivo organizado em grande escala. Além disso, ¿talvez o camponês, que carece das coisas indispensáveis para o cultivo de 2 oh 3 desiatinas de terra, se verá em uma situação melhor quando o número de seus desiatinas se decuplique?
Mas, ¿como conseguir as equipes, os fertilizantes, os métodos agronômicos, etc., todos os meios imprescindíveis para o trabalho coletivo? Precisamente aqui ressalta a grande superioridade da «comunidade rural» russa em comparação com as comunidades arcaicas do mesmo tipo. É a única que se conservou na Europa em grande escala, a escala nacional. Assim se acha em um ambiente histórico no qual a produção capitalista contemporânea lhe oferece todas as condições de trabalho coletivo. Tem a possibilidade de incorporar-se aos adiantamentos positivos conseguidos pelo sistema capitalista sem passar por seus Forcas Caudinas. A configuração física da terra russa favorece o emprego das máquinas na agricultura organizada em vasta escala e praticada por meio do trabalho cooperativos. Quanto às primeiras despesas de estabelecimento --intelectuais e materiais--, a sociedade russa deve facilitá-los à «comunidade rural», a conta do qual viveu tanto tempo e na qual deve buscar seu «elemento regenerador».
A melhor prova que este desenvolvimento da «comunidade rural» responde ao rumo histórico de nossa época é a crise fatal que experimenta a produção capitalista nos países europeus e americanos, nas quais se desenvolveu mais, crises que terminará com a eliminação do mesmo, com o retorno da sociedade moderna a uma forma superior do tipo mais arcaico: a produção e a apropriação coletivas.
4) Para poder desenvolver-se, é preciso, antes de tudo, viver, e ninguém ignorará que, no momento presente, a vida da «comunidade rural» se encontra em perigo.
Com o fim de expropriar aos agricultores não é preciso jogá-los de suas terras, como se há na Inglaterra e outros países; também não há necessidade de abolir a propriedade comum mediante um ukase. Que prove um arrancar aos camponeses o produto do trabalho destes acima de certa medida. A despeito da gendarmaria e do exército, ¡não haverá maneira de aferrá-los a seus campos! Nos últimos anos do Império romano, os decuriones estaduais, não os camponeses, mas proprietários de terras, fugiam de suas casas, abandonavam suas terras, se vendiam como escravos, com a única finalidade de ver-se livre de uma propriedade que não era mais que um pretexto oficial para estrujarlos sem piedade.
Desde a chamada emancipação dos camponeses, a comunidade russa se viu colocada pelo Estado em umas condições econômicas anormais, e desde então este não tem cessado de oprimirla com ajuda das forças sociais concentradas nas suas mãos. Extenuada pelas exações fiscais, se transformou em uma matéria inerte de fácil exploração pelo comércio, a propriedade de terras e a usura. Esta opressão desde fora desencadeou no seio da comunidade mesma o conflito de interesses já existente e desenvolveu rapidamente seus germes de decomposição. Mas, isso não é tudo. A conta dos camponeses, o Estado impulsionou os galhos do sistema capitalista ocidental que, sem desenvolver o mais mínimo as potências produtivas da agricultura, são as mais apropriadas para facilitar e precipitar o roubo de seus frutos pelos intermediários improdutivos. Deste modo coadjuvou ao enriquecimento de um novo parasita capitalista que chupa o sangue, já de por si pouca, da &# 171;comunidade rural».
...Em uma palavra, o Estado emprestou seu concurso ao desenvolvimento precoce dos meios técnicos e econômicos mais apropriados para facilitar e precipitar a exploração do agricultor, isto é, a maior força produtiva da Rússia, e para enriquecer os «novos pilares da sociedade».
5) Este concurso de influências destrutivas, a menos que não se veja aniquilado por uma poderosa reação, deve levar naturalmente à morte da comunidade rural.
Mas um se pergunta: ¿por que todos estes interesses (incluídas as grandes indústrias colocadas baixo a tutela do governo), às que convem tanto o estado atual da comunidade rural, por que se afanarían em matar a galinha que lhes põe ovos de ouro? Precisamente porque se dão conta que «este estado atual» não pode continuar, que, por conseqüência, o modo atual de exploração está já fora de moda. A miséria do agricultor contagiou a terra, a qual se volta estéril. As boas colheitas se alternam com os anos de fome. A média dos dez anos últimos revela uma produção agrícola não somente estagnada, mas, além disso, retrógrada. Enfim, pela primeira vez, a Rússia se vê forçada a importar cereais, em lugar de exportá-los. Portanto, não é preciso perder tempo. É preciso colocar fim a isso. É preciso constituir em classe média rural a minoria mais ou menos acomodada dos camponeses e transformar a maioria simplesmente em proletários. A tal efeito, os porta-vozes dos «novos pilares da sociedade» põem ao descoberto as feridas causadas à comunidade, apresentando-as como sintomas naturais da decrepitud desta.
Visto que a tantos interesses diversos e, sobretudo aos dos «novos pilares da sociedade», florescidos sob o reinado benévolo de Alejandro II, lhes convinha o estado atual da «comunidade rural», ¿por que iriam conscientemente a buscar a morte da mesma? ¿Por que seus porta-vozes põem ao descoberto as feridas que lhe causaram à comunidade como se fossem uma prova da decrepitud natural desta? ¿Por que querem matar a galinha que lhes põe ovos de ouro?
Simplesmente porque os fatos econômicos, cujo análise me levaria muito longe, tiraram o véu do segredo que o estado atual da comunidade não pode continuar e que, em virtude da necessidade mesma das coisas, o modo atual de explodir aos volumes populares está já fora de moda. Por conseguinte, faz falta algo novo, e este elemento novo, insinuado sob as mais diversas você forma, se reduz sempre ao seguinte: abolir a propriedade comunal, deixar que a minoria mais ou menos acomodada dos camponeses se constitua em classe média rural, convertendo-se a grande maioria simplesmente em proletários. Por uma parte, a «comunidade rural» foi levada quase ao último extremo e, por outra, a espreita uma poderosa conspiração com o fim de assestar-lhe o golpe de gracia. Para salvar a comunidade russa faz falta uma revolução russa. Quanto ao mais, os que têm nas suas mãos as forças políticas e sociais fazem o que podem preparando os volumes para semelhante catástrofe.
E, ao mesmo tempo que desangran e torturam a comunidade, esterilizam e esgotam sua terra, os lacaios literários dos «novos pilares da sociedade» assinalam ironicamente as feridas que lhe causaram à comunidade, apresentando-as como sintomas da decrepitud espontânea desta. Asseveram que se morre de morte natural e que seria um bem o abreviar sua agonia. Não trata-se já, portanto, de um problema que é preciso resolver; trátase simplesmente de um inimigo ao que é preciso enrolar. Para salvar a comunidade russa faz falta uma revolução russa. Quanto ao mais, o Governo russo e os «novos pilares da sociedade» fazem o que podem preparando os volumes para semelhante catástrofe. Se a revolução se produz no seu tempo oportuno, se concentra todas suas forças para assegurar o livre desenvolvimento da comunidade rural, esta se erigirá em breve em elemento regenerador da sociedade russa e em elemento de superioridade sobre os países subjugados pelo regime capitalista.