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A cidade e as serras

ambiente da sua influencia, em breve a minha alma se contrahiria, se tornaria n’um duro calhau de Egoismo. Do ser que eu trouxera da Serra só restaria em pouco tempo esse calhau, e n’elle, vivos, os dous appetites da Cidade, — encher a bolsa, saciar a carne! E pouco a pouco as mesmas exagerações de Jacintho perante a Natureza me invadiam perante a Cidade. Aquelle Boulevard reçumava para mim um bafo mortal, extrahido dos seus milhões de microbios. De cada porta me parecia sahir um ardil para me roubar. Em cada face, avistada á portinhola d’um fiacre, suspeitava um bandido em manobra. Todas as mulheres me pareciam caiadas como sepulchros, tendo só podridão por dentro. E considerava d’uma melancolia funambulesca as fórmas de toda aquella Multidão, a sua pressa aspera e vã, a affectação das attitudes, as immensas plumas das chapeletas, as expressões postiças e falsas, a pompa dos peitos alteados, o dorso redondo dos velhos olhando as imagens obscenas das vitrines. Ah! tudo isto era pueril, quasi comico da minha parte, mas é o que eu sentia no Boulevard, pensando na necessidade de remergulhar na Serra, para que ao seu puro ar se me despegasse a crosta da Cidade, e eu resurgisse humano, e Zé-Fernandico!.