Página:Ao correr da pena.djvu/278

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Estou, portanto, convencido que as janelas d'alma são em tudo e por tudo semelhantes às janelas das casas, com a única diferença do arquiteto.

Assim, há olhos de sacada, de peitoril, de persianas, de empanadas, de cortinas, da mesma maneira que há janelas azuis, pretas, verdes, de forma chinesa ou de estilo gótico.

Essas janelas d'alma são de todo o tamanho.

Umas excedem a medida da Câmara Municipal, e deviam ser multadas porque afetam a ordem e o sossego público; são os olhos grandes de mulher bonita.

Outras não passam de pequenas frestas ou seteiras, como certos olhos pequeninos e buliçosos que, quando olham, fazem cócegas dentro do coração.

O que, porém, dava matéria a um estudo muito interessante é o modo por que a alma costuma chegar à janela.

A alma é mulher, e como tal padece do mal de Eva, da curiosidade; por isso, apenas há o menor barulho nas ruas, faz o mesmo que qualquer menina janeleira, atira a costura ao lado e corre à varanda.

Entretanto cada um tem o seu sistema diferente.

As almas francas e leais debruçam-se inteiramente na sacada, sorriem ao amigo que passa, cumprimentam os conhecidos, e às vezes oferecem a casa a algum dos seus íntimos.

Outras, ao contrário, nunca se reclinam à janela, ficam sempre por detrás da cortina, e olham o que se passa por uma pequena fresta. Deste número são as almas dos diplomatas, dos jesuítas e dos ministros de Estado.

Em compensação, há também algumas almas que, quando pilham um espírito descuidado, saltam pela janela como um estudante vadio, e vão flanar pelas estrelas, abandonando por um instante o corpo, seu hóspede e companheiro.

Animula vagula, blandula,
Hospescomesque corporis.

As almas andaluzitas, e de algumas mulheres coquettes que eu conheço, têm um costume mui lindo de chegar à janela.