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LXIX

Diogo então, que dentro em si media
Da cruel gente a condição danosa,
Não sossega de noite nem de dia,
Antevendo a desgraça lastimosa;
E, vendo rir os mais com alegria,
Pela ação do selvagem graciosa,
Estranhou-lhe o prazer mal concebido,
Arrancando do peito este gemido:

LXX

"Oh triste condição da humana vida,
Que tanto em breve do seu mal se esquece!
Pois vendo a liberdade enfim perdida,
Sentimos menos quando a dor mais cresce!
Vemos desde a água às praias despedida
A Infeliz gente que no mar perece,
E que o brutal gentio na mesm’hora,
Ainda bem os não vê, logo os devora.

LXXI

Quem sabe se o cuidado que destina
Pôr-nos assim mimosos de sustento
Não é por ter de nós grata chacina
Nesse horrível, barbárico alimento?
Tanta atenção que têm mal se combina,
Sem mostrar-se o maligno pensamento;
Que quem os próprios mortos brutal come
Como é crível que aos vivos mate à fome?