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CARTA DE GUIA DE CASADOS

providência nô-lo deu a natureza a todo o mundo por exemplo ; entra invisível, começa entretenimento, passa a ser moléstia, chega a ser doença, e acontece que pode ser perigo. A honra da mulher comparo eu à conta do algarismo ; tanto erra quem errou em um, como quem errou em mil. Façarn as honradas bôas contas, acharão esta conta certa.

De umas que se prezam de formosas, não há para que nos descuidemos. Que a mulher se conheça não é vicio ; antes antiga opinião minha que em muitas partes tenho escrito. Devemos tanto conhecer o bem, se o há em nós, como o mal quando o haja. Aquele para que se guarde, e não perca ; êste para que se emende, e não vá adiante. Desejo que da formosura se use como da nobreza: folgue cada um de a ter, mas não que a amostre. Levar da espada a cada passo, argüe pouca prudência. O marido que vir sua mulher inclinar a esta vanglória, viva por ela mesmo avisado, e saiba que tem perigosa mercadoria, sendo esta das mulheres ao revés que as outras, pois quando mais cobiçada é, menos e para cobiçar. E por esta razão não faltou já quem duvidasse se a formosura se dava por prémio, se por castigo.

Passado havemos êste enfadonho labirinto, ou por êstes monstruosos mêdos, que o guardam. Tudo há no mundo, donde em nada perigará a pessoa advertida. Verá v. m. nos mapas, porque se governam os mareantes, notados com tanta diligência os baixos de que se hão-de guardar, como os portos aonde devem de ir a surgir.