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CARTA DE GUIA DE CASADOS

é, sendo Mordomo mór de El-Rei de Castela : Si dos dias estoy sin venir a Palacio, al tercero ya tropieço en las esteras, o ellas se burlan de mi.

Parece-me que depois de vindo até casar êstes filhos, se não deve fazer ausência ; e que, casados êles, se faça para descansar a velhice, ou maior idade ; e dar um cristão intervalo entre os negócios, e a morte : que é o mais importante negócio para os vivos.

Esta observação só compreende aquele que vive só para si, e consigo ; porque para o ministro, para o soldado, e para o criado do príncipe, que vai de uns empregos subindo a outros, e merecendo cada dia mais, não é meu ânimo dar por conselho que sem causa deixe cada um sua profissão, e aumentos. Com causa não lho negára ; nem, quando o fôsse, fôra tam indiscreta a minha confiança que esperasse dêsses tais se governariam pelas regras de um homem que tam mal se governou.

Estas ausências trazem grandes, e muitos proveitos à vida, à saúde, à fazenda, à salvação. À vida, porque no campo se vive mais ; à saúde, porque seus exercícios a conservam ; à fazenda, porque se gasta menos ; à salvação, porque faltam as ocasiões que a arriscam, e anda o ânimo mais livre para cuidar em Deus, e em si mesmo.

Não falece contudo quem tudo isto contradiga, porque, como dizia um discreto, todo o homem põe outro nome à sua vontade. Assim é notável a controvérsia, que houve sempre sôbre êste modo de vida retirada. Um fidalgo nosso antigo se gabava que só de « não no há aí » poupava no campo a metade de sua fazenda. Mas não fazia isso assim outro castelhano, que quando se viu alcançado, fingia que se retirava, e não saía da côrte, e dizia que : Para descançar cada uno a su casa,