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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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lhores duas peças que tinha em sua casa ; quais eram, sua filha por mulher, e com ela tudo quanto tinha. Respondeu-lhe o genro, que não seria razão que a quem tanto lhe queria, e a quem êle devia tanto, despojasse de todos os seus bens em uma só hora ; que a filha receberia por espôsa, com condição que lhe não havia de dar mais da ametade do que lhe prometia.

Bem vejo que êstes exemplos são muito bons para escritos, mas não são tais para praticados ; e disso mesmo é a minha queixa. Enfim eu satisfaço a minha obrigação, mostrando como não é impossível esta devida amizade. Malditos sejam os interesses ! Que êles tem a culpa de que ela não prevaleça ; porque de ordinário acontece que aqueles queixumes de sogros, e genros, tudo funda em — sim me deu, não me deu. Grande descanso viera ao mundo, se todos nos contentáramos com o possível ; mas isto é querer outro mundo.

Tenho por bôa a amizade, e a companhia dos cunhados, quando êles sejam para amigos, e companheiros ; quando o não sejam, nem por isso os excluo do trato, e conversação. Deve-se neste caso fazer distinção dos maus aos ignorantes. Ainda que o cunhado não seja águia, se deve admitir ; e antes a êstes com maior causa, porque os outros se lhes não atrevam. Mas ainda que seja águia aquele que mal procede, se deve desviar com todo o cuidado ; se quer porque não pareça que em suas obras se consente.

Já ouvi murmurar, e não sei certo se murmurarei eu também, de alguns que casando se apartam dos amigos que tinham antes, e de todo se entregam à parentela de suas mulheres. Isto é condenável ; e se vê mais certamente naqueles que a elas cegamente se lhes entregam.