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CARTA DE GUIA DE CASADOS

Andava um noivo sempre entre dous cunhados seus, que nem largava, nem o largavam. Passava às vezes por um seu amigo do tempo de solteiro, a quem tratava com estranheza. Êle queixoso lhe disse um dia : Peza-me, senhor fulano, que a senhora D. fulana tenha tam pouca confiança da fé de v. m. que o não deixe andar pela cidade sem familiares.

Também não será razão que nos passe por alto a prática de um acidente, não poucas vezes sucedido entre casados ; como agora digamos uns descontentamentos, ou arrufos, que passam com nome de escândalos entre a mulher, e seus parentes, agora sejam do marido, agora seus próprios.

Tudo isto costuma proceder de leves causas. E como ordináriamente as vinganças das mulheres não são grandes, por isso são mais as queixas, que dão causa a desconfianças, e ruins vontades, com grande cargo do primor, e às vezes da consciência ; porque debaixo de um, eu sou sua amiga, está enroscado um ódio como uma serpente.

Há homens que tem por grande siso o não terem parte nestas contendas. Tal não aprovo, porque, além de que ao marido por sua dignidade toca a justificação das acções de sua mulher, ou a emenda, também lhe pertence a direcção delas ; e mais na sua amizade, ou inimizade : assim como ao rei pertence a guerra, ou paz feita por seu vassalo. Fôra de parecer que nos casos miúdos (que êstes são os mais) um pouco se dissimulára. Porque, senhor N., aí há um desconcertar de braço, ou pé, com que é fôrça acudir ao algebrista, e outro que quanto mais bólem com êle mais o desmancham. É carne quebrada, que ela por si mesmo solda quando lhe parece.