Página:Dentro da noite.djvu/67

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de o trancar cada vez mais no castigo. Está desesperado.

Com efeito, Godard desesperava. No camarote, deitado de barriga para o ar, a barba crescida, o cabelo pelas orelhas, falava alto para se ensurdecer, para enganar os ouvidos, para iludir aos próprios sentidos. Era trágico, mudando de voz, imitando vozes de mulheres, vozes de bichos.

— Oh! oh! Madame engana-se! Qual, é impossível que o Sr. Arsênio aguentasse tamanha crueldade. Setenta dias, minha senhora! Eram uns castrados. Oh! perdão! Um patife! Ah! ah! Cocoricó! Bum! Vamos cantar um dueto? Valeu. Yes! Essa miss é deliciosa...

Os marinheiros incultos estavam receosos de que a razão de Godard tivesse afinal sido estrangulada pelo círculo do silêncio. Olhavam-no receosos. E Godard então pulava da cama, em ceroulas, desguedelhado:

— Não me falam, não? Decidido! Afinal eu os desprezo, covardes, vencidos. Mas também não preciso. Estou conversando, estou ouvindo outras vozes responderem às minhas perguntas. Ah! ah! O homem inteligente escapa aos maiores tormentos dos patetas!

Ao cabo do sexagésimo nono dia, porém, Godard foi à mesa silencioso e sério, pediu um cigarro, passeou pelo tombadilho, dormiu direito e logo pela manhã seguinte, deitado, chamou o guarda.

— Dá-me um fósforo?

O guarda aproximou-se, estendendo a caixa.