Página:Flores do Mal (1924).pdf/44

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Rembrandt, — triste hospital, trágica enfermaria
Onde os uivos da dôr vibram constantemente;
A luz d’um sol mortiço apenas o alumia,
E como adorno tem um Cristo unicamente;

Miguel Anjo, — lugar indefinido onde
Hércules e Jesus se encontram irmanados,
Fantasmas colossaes que, quando a luz se esconde,
Surgem dos mausoleus, como ressuscitados;

Ânsias de lutador; faunal, lascivo sonho;
Belezas, seduções da boémia miseravel,
Puget, – imperador dos forçados, bisonho,
Ó grande coração, orgulhoso indomavel;

Watteau, — um carnaval onde peitos ilustres,
Mariposas ideaes, rebrilhantes, adejam;
Iluminam a sala as velas de cem lustres,
Ao baile transmitindo o calor que dardejam;

Goya, — um sonho mau, um vivo pandemonio,
Em que ha profanações, um sàbá infernal,
E corpos juvenis a tentar o demónio
Com a ardente nudez da carne virginal;

Delacroix, — como um lago onde ha anjos perdidos
Nas ágoas de sangue, á sombra dos pihaes;
Sob um céu de tormenta, escutam-se os gemidos
Que Weber soluçou em notas musicaes.