Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/40

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nosso patrício se proponha a escrever um tratado qualquer de patologia e empregue a linguagem de João de Barros, mesclada com a do Padre Vieira, sem esquecer a de Alexandre Herculano. Eis aí em que consiste a literatura suculenta dos doutores javaneses; e todos de lá lhes admiram as obras escritas em tal patoá ininteligível. Darei um exemplo, servindo-me do nosso idioma.

Antes, porém, de dar essa mostra do modo de escrever dos esculápios de lá, dar-lhes-ei o de falar, com uma anedota que me contaram lá mesmo — porque lá há também irreverentes e observadores. Uma família média, tendo o chefe doente e vendo que a moléstia não dava volta com o modesto médico assistente, resolveu chamar uma das celebridades da medicina javanesa. A mulher do doente era quem mais queria isto, porque, embora possam ser excelentes, com todos os bons predicados, nenhuma mulher perde de todo a vaidade; e a visita de uma notabilidade hipocrática fazia falar a vizinhança. Foi chamado o homem, o doutor Lhovehy, um celebridade retumbante, professor, membro de várias academias, inclusive a de Letras e a de História e Geografia.

Ele foi de carro, com a visita paga adiantadamente: cento e cinquenta florins. Em chegando junto ao doente, com três jeitos de mau ator foi falando assim:

— Até agora quem o há tratado?

— O doutor Nepuchalyth.

— Mister é que tenhais sempre atilamento com esses físicos incautos. Eles são homens que não curam senão por experiência e costume; e é tão bom de enganar os néscios não afeitos ao bom parecer dos físicos de valia que dão cor a facilmente serem enganados por eles e o pior é que alguns clientes físicos, ou por contentar todos os do povo e não querer trabalhar ou especular as curas, vão-se com o parecer deles; e porque ser aprazível ao povo faz ao físico ganhar mais moedas, usam logo em princípio as suas mezinhas deles.

Depois de ter pronunciado esse exórdio com toda a solenidade teatral