Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/83

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qual não esmaeceu em nada ao seu olhar feroz de cupidez...

Resolveu-se Soares a escrever sobre mineralogia: Rochas metamórficas do Brasil ou O veio de petro-sílex do Corcovado; mas isto, considerava, não é novo e muito menos é meu. O jovem sábio foi dormir, julgando ter perdido a menina rica, a importância de genro do desembargador Monteiro, e a sua entrada na Academia dos Esquecidos.

Buffon afirmou alhures que alguns volumes da sua monumental História natural, ele os devia ao seu criado. Soares deveu a sua “memória” e a sua felicidade ao seu criado José. Despertou-o este bem cedo, muito a contragosto dele. Leu os jornais, de princípio a fim; leu a notícia dos rolos que houvera no Teatro Lírico, tomou outra xícara de café, fumou e, de súbito, sentou-se à mesa e escreveu em bastardo:

Agaricus auditæ

Mais embaixo, ao lado direito, pôs à guisa de epígrafe:

Memória apresentada à Academia dos Esquecidos, secular e vetusta como as demais congêneres, pelo bacharel em ciências físicas e naturais da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Alexandre Ventura Soares.

E então começou:

“Senhores Acadêmicos. Seduziu-me desde moço a doutrina darwiniana; e eu, com Lyell, a sorvi em grandes haustos na sua aplicação à geologia. Concordei que o mundo atual era resultante e resultado de várias, lentas, pequeninas transformações seriadas cujos termos não têm origem; com Huxley, depois daquela sua célebre demonstração por que tem passado o cavalo através das idades (T. Huxley — L’évolution et l’origine des espèces — tradução francesa, 1892, págs. 232 e seguintes) —