Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/538

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que também ele possuía um grande luxo interior que era aquele amor infeliz. E quando enfim por um acaso obteve a certeza dum emprego no Brasil, o dinheiro da passagem, idealizava a sua aventura banal de emigrante, repetindo-se durante todo o dia que ia passar os mares, exilado do seu país por uma tirania combinada de padres e autoridades e por ter amado uma mulher!

Quem lhe diria então, ao emalar o seu fato no baú de lata, que daí a semanas estaria outra vez a meia légua desses padres e dessas autoridades, contemplando de olho temo a janela de Amélia! Fora aquele singular Morgadinho de Poiais - que não era nem Morgadinho nem de Poiais, e apenas um ricaço excêntrico de ao pé de Alcobaça que comprara aquela velha propriedade dos fidalgos de Poiais, e que, com a posse da terra, recebia do povo da freguesia a honra do título: fora esse santo cavalheiro que o livrara dos enjôos no paquete e dos acasos da emigração. Encontrara-o casualmente no cartório onde ele ainda trabalhava nas vésperas da viagem. O Morgadinho cliente do velho Nunes, conhecia-lhe a história, a façanha do Comunicado, o escândalo no Largo da Sé; e já de há muito concebera por ele uma simpatia ardente.

O Morgadinho tinha com efeito por padres um ódio maníaco, a ponto de não ler no jornal a notícia dum crime, sem decidir (ainda mesmo quando o culpado estava já sentenciado) que "no fundo devia de haver na história um sotaina". Dizia-se que este rancor provinha dos desgostos que lhe dera sua primeira mulher, devota célebre de Alcobaça. Apenas viu João Eduardo em Lisboa e