Esta Causa das causas, revestida
Foi desta nossa carne miseranda.
Do amor e da justiça compellida,
Por os erros da gente, em mãos da gente
(Como se Deos não fôsse) deixa a vida.
Oh Christão descuidado e negligente!
Pondera-o com discurso repousado;
E ver-te-has advertido facilmente.
Ólha aquelle Deos alto e increado,
Senhor das cousas todas, que fundou
O ceo, a terra, o fogo, o mar irado;
Não do confuso caos, como cuidou
A falsa Theologia, e povo escuro,
Que nesta só verdade tanto errou;
Não dos atomos leves d’Epicuro;
Não do fundo Oceano, como Thales,
Mas só do pensamento casto e puro.
Ólha, animal humano, quanto vales,
Pois este immenso Deos por ti padece
Novo estylo de morte, novos males.
Ólha que o sol no Olympo s’escurece,
Não por opposição de outro Planeta;
Mas só porque virtude lhe fallece.
Não vês que a grande máchina inquieta
Do mundo se desfaz toda em tristeza,
E não por causa natural secreta?
Não vês como se perde a Natureza?
O ar se turba? o mar batendo geme,
Desfazendo das pedras a dureza?
Não vês que cahe o monte, a terra treme?
E que lá na remota e grande Athenas
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