Qual dos dois?/XXII

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Justamente no fim da quadrilha, entrou na sala Amélia Valadares, sem o marido.

Já sabemos que Amélia era bonita; sabia vestir-se, exagerando um pouco as modas, é verdade; naquela noite, vinha bem; não havia exageração e havia, portanto, elegância.

Poucas pessoas, duas outras, sabiam até então da resolução tomada entre ela e o marido para se separarem. Por isso, foi-lhe fácil responder aos que lhe perguntavam por Valadares:

— Foi a um jantar político. Virá logo.

Desculpem a leviandade da rapariga; ela não dava mais de si.

Quando Amélia entrou, viu Augusta pelo braço de Luiz, conversando amigavelmente com ele; pela noite adiante reparou nessa intimidade maior que a que até então existia.

— Será amor? perguntou ela consigo.

Na primeira ocasião que teve para conversar mais largamente com Augusta, aproveitou-a. Foram para uma pequena sala de descanso, e aí, enquanto se dançava uma valsa, sentaram-se as duas num sofá.

— Dou-lhe os meus parabéns, disse Amélia.

— Por quê?

— Está de namoro e casamento pronto.

— Nem namoro, nem casamento, respondeu Augusta.

— Mas há esperanças de união?

— Isso sim.

— Logo...

— Quer que lhe diga uma coisa? É natural que eu acabe casando com o Luiz, mas não é por amor dele...

Amélia, neste ponto, pensou em Valadares.

— Caso-me por duas razões: a primeira é para acabar com os pretendentes à minha mão, continuou Augusta.

— E os pretendentes ao coração?

— Oh! esses!

— A segunda razão qual é?

— A segunda razão, continuou Augusta, é que o melhor meio de esquecer...

A moça hesitou.

— Acaba! disse Amélia.

— Escute, minha amiga; é um segredo que só aqui ficará. Sabe a quem é que eu amava e amo deveras?

— Ao Daniel?

— Sim.

— Eu desconfiava.

— Só aquele orgulho misturado de indiferença podia domar a minha indiferença e o meu orgulho.

— Mas então?...

— Então, é que tendo recusado sempre o que ele pediu, que era a minha mão e meu coração, cheguei um dia a oferecer-lhos.

— E ele?

— Recusou.

— Pelintra!

— Não; era justo; a culpada fui eu. Mas agora é preciso carregar a minha cruz. Quero ir para o Norte já e ver se esqueço isto...

— O Luiz há de ajudá-la a esquecer o amor de Daniel.

— Qual! disse Augusta com um gesto de tanta indiferença que seria capaz de gelar o Vesúvio em horas de explosão.

— Acabou-se a valsa, vamos passear, disse Amélia.

E saíram da sala.

Apenas transpuseram a soleira, saiu de um gabinete contíguo um homem que ali se achava, algum tempo antes de lá entrarem as duas raparigas.

Era Luiz.

O gabinete era o lugar em que trabalhava ou lia o tio de Augusta. Precisando escrever um bilhete, Madalena o levou ali, onde se achava quando as duas moças chegaram.

Quando entrou na salinha, estava lívido.

Tinha ouvido a verdade mais cruel de todas; uma mulher que fingia gostar dele, sendo indiferente; que se casaria com ele para escapar aos pretendentes, e que, casando-se, levava no coração a lembrança e o amor de outro.

Luiz ficou atordoado com o que ouvira; a sua primeira idéia foi aparecer no meio das duas moças, quando elas confidenciavam; mas reconheceu que isso apenas o exporia ao ridículo.

Quando percebeu que elas tinham saído, fugiu do gabinete onde abafava. As duas moças, como disse, tinham já saído; Luiz ainda viu de longe a formosa cabeça de Augusta dominando as outras como a de uma rainha.

Deu alguns passos cambaleando; depois atravessou a sala grande, e, sem que ninguém o percebesse, foi-se embora.

Durante a primeira meia hora não se reparou na ausência dele. Mas, afinal, descobriu-se que Luís tinha saído.

— Sem dizer-mo! pensou Augusta. É singular!

No dia seguinte, Luiz amanheceu doente; uma febre grave se declarou que o prostrou de cama oito dias. Mas era robusto e o organismo resistiu triunfante ao mal.

Quando se levantou, escreveu o seguinte bilhete a Augusta:

“Minha senhora, Ouvi tudo por simples acaso; é-me impossível satisfazer-lhe o desejo de casar por esquecer. Adeus.

Luiz”.

A carta não produziu grande comoção em Augusta; mas esta sentiu-se. Pela primeira vez, achou-se humilhada; argüia-lhe a consciência.