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Quatro regras de diplomacia/Appendice/V

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§ V
Discursos[1]

A menos que não seja por occasião de audiencias de recepção ou de despedida, é raro ver-se um Ministro Estrangeiro no caso de fazer um discurso, verificando-se aliás a excepção quando por alguma circumstancia extraordinaria, como por exemplo o casamento do Soberano do paiz da residencia, aquelle fôr incumbido de uma missão especial para representar o seu proprio Soberano n'esse acto e transmittir as suas felicitações; ou, em caso de morte, para dar os pesames ao Successor.

Quando o acontecimento é menos solemne, o Representante encarregado pela sua Côrte de felicitações ou de pesames, desempenha de ordinario estas commissões por ensejo das audiencias geraes dadas, em certos dias, ao Corpo Diplomatico; são comprimentos que não têem a fórma de um discurso.

Em algumas Côrtes, porém, é costume fazer o Corpo Diplomatico os seus comprimentos collectivamente na solemnisação do Anno Bom, ou de outro anniversario; em taes casos o discurso é proferido pelo respectivo Decano.

Quanto ao acto da apresentação das Credenciaes ou das Recredenciaes[2], a audiencia dada para esse fim a um Embaixador ou Ministro Estrangeiro, é solemne, ou particular, conforme o ceremonial da Côrte. Na de Lisboa, o uso seguido é que a audiencia de recepção, para a entrega da Credencial, seja solemne ; e a de despedida, para a entrega da Recredencial, seja particular.

É sómente em audiencias solemnes que ha discursos formaes. Quando aquellas são particulares, a entrega do documento é acompanhada de algumas palavras, ou, como se diz, de um comprimento, que porém abrangerá as ideas que se enunciariam aliás n'um discurso. A este proposito, reflectiremos que não foi a unica irregularidade commettida na audiencia a que alludimos a paginas 15, dando conta de uma anecdota, aliás perfeitamente authentica, ter aquelle chefe de Missão feito a leitura de um discurso d’antemão preparado; porque a audiencia era particular, e não solemne.

Não se faz menção de negocios em taes discursos, excepto, às vezes, quando a missão é especial, e restricta a um fim determinado. Em semelhantes casos uma allusão ao objecto da incumbencia virá a proposito, podendo mesmo ser necessaria (modelo N.° 54); mas deve ser em sentido geral, evitando-se pormenores e qualquer prolixidade. O mesmo succede quando a missão, embora permanente, se faz em circumstancias extraordinarias (modelo N.º 53). Em missões especiaes de mero ceremonial, o seu objecto, já se vê, não deixará de ser mencionado.

Em qualquer hypothese, um discurso de audiencia é apenas uma formalidade. Isto de per si está indicando que a brevidade é uma das suas condições mais recommendaveis. Em vista, porém, da extensão desmesurada que alguns d'esses discursos têem por vezes apresentado, preferidos com mais frequencia, digamol-o de passagem, por Diplomatas novos em diplomacia, não será fóra de logar reproduzirmos aqui um trecho de Wicquefort, citado pelo Barão Charles de Martens: «O respeito devido aos Soberanos, exige que o Ministro falle nas suas audiencias de um modo intelligivel, mas em voz baixa; não deve fazer discursos compridos, massadores (tuans) e inuteis. É uma incivilidade abusar da paciencia de um particular, mas abusar da de um Soberano é da uma imprudencia que se não pode desculpar».

Na verdade, a replica dirigida a Sir Robert Brakenbury: «Mais vale ser breve do que enfadonho,» segundo a fiel e ao mesmo tempo bellissima traducção de uma das obras primas de Shakespeare, feita ha pouco por Sua Magestade El-Rei, constitue uma boa regra seguramente applicavel a situações diversas, embora a formulasse um personagem de sinistra vocação[3].

O texto dos discursos quer de recepção, quer de despedida, divide-se naturalmente em duas partes. Na primeira refere-se o Enviado ao seu Soberano, e á Credencial ou Recredencial, que entregará antes de encetar a segunda parte do seu discurso, na qual falla de si proprio[4].

Não obstante as variantes de que o texto é susceptível, basta que na primeira parte formulemos a segurança dos sentimentos do nosso Soberano para com aquelle a quem nos dirigimos, e, reportando-nos à Carta que se apresenta, podemos accrescentar que esses sentimentos se acharão exprimidos n'ella melhor do que o saberiamos fazer (modelo N.º 52). A menção formal da Carta, todavia, com quanto seja mais usual, nem sempre é observada (modelos N.º 49 e 53). As expressões de que nos servimos, modificam-se conforme as attenções exigidas pela ordem e pelos interesses dos dous Governos, ou pelas relações de parentesco das duas Côrtes.

A segunda parte, quando a audiencia é de recepção, consta de protestos de respeito e de dedicação para com o Soberano a quem se falla; de satisfação pela honra de ter sido escolhido para a missão; do desejo de contribuir para manter e estreitar cada vez mais as relações existentes entre as duas Corôas, e de merecer a benevolencia do Soberano, assim como a estima ou confiança do seu Governo. Se por ventura já tivessemos occupado uma posição official na mesma Côrte, consignariamos o facto por meio de algumas palavras de cortezia (modelo N.º 51, no fim). Quando a audiencia é de despedida, manifesta o Enviado o seu respeitoso reconhecimento pela bondade de que tiver sido objecto, e o pezar com que se separa da Côrte.

Tal é substancialmente o theor que em regra se observa, sujeito aliás a accessorios em casos mais ou menos excepcionaes.

O estylo d'esses discursos deve ser nobre, grave, respeitoso e conciso, ligando-se os periodos naturalmente e sem ar de preparo; a affectação e os requintes da lisonja seriam ali sobremaneira deslocados.

Os comprimentos dirigidos ao Soberano nas audiencias particulares, são susceptiveis da mesma divisão quanto á materia; se a brevidade é recommendação muito para observar nos discursos, tem não menos, ou ainda melhor cabida n'estas occasiões, em que é dispensado o apparato da solemnidade.

Os exemplos que damos em seguida vão na lingua original.


MODELOS
Discursos de audiencia
(Á RECEPÇÃO)
N.º 48
Discurso dirigido ao Imperador José II pelo Barão de Breteuil, Embaixador de França em Vienna, aos 19 de fevereiro 1775.


N.º 49
Discurso dirigido ao Rei de França pelo Embaixador de Inglaterra

[5].


N.º 50
Discurso dirigido a Sua Magestade El-Rei aos 29 de dezembro do 1864, pelo Conselheiro Privado de Koudriaffsky, Ministro da Russia em Lisboa.

[6].

N.º 51
Discurso dirigido a Sua Magestade El-Rei, aos 12 de setembro de 1863, por Don Juan Thomaz Comyn, Ministro de Hespanha em Lisboa.

[7].

N.º 52
Discurso dirigido ao Imperador de ... pelo Ministro de ...
N.º 53
Discurso dirigido ao Presidente do Governo Central de Hespanha (Junta Suprema de Sevilha, durante o captiveiro do Rei Fernando VII), em 2 de agosto de 1809, por D. Pedro de Sousa e Holstein, depois Duque de Palmella, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Portugal junto do mesmo Governo.

Senhor — O Principe Regente de Portugal, meu Amo, não se tendo nunca separado da estreita alliança e amizade de Sua Magestade Catholica senão quando a Côrte de Madrid (então illudida pela França) o forçou a esse extremo partido, achou que devia, em prova da sinceridade dos seus sentimentos, não perder hum só instante, apenas soube da gloriosa restauração de Hespanha, em dar aos Governadores Hespanhoes dos Estados limitrophes do Brazil, as seguranças do restabelecimento da mais perfeita amizade. He consequentemente, pois, ás mesmas ideas que Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal se apressa em procurar todos os meios de restabelecer a boa correspondencia e harmonia que deve existir entre as duas Monarchias, para felicidade de ambas. O mesmo Senhor declara por meio do seu Plenipotenciario, que elle manda residir junto ao Governo Hespanhol, a firme intenção em que está de fazer causa commum com a Hespanha para segurar a sua defeza; na certeza que a Peninsula nunca poderá conservar a sua independencia senão mantendo-se toda ella livre da perfida influencia do Governo Francez, e ligada á alliança de Sua Magestade Britannica, á qual Sua Alteza Real adhere firmemente, considerando esta alliança como o objecto o mais essencial da politica dos seus Estados, até pela sua grande duração, pois se conserva ha seculos e sempre debaixo dos mesmos principios.

O Principe Regente do Portugal, meu Amo, ve com huma inexplicavel satisfação o Governo de Hespanha adoptar e professar estes mesmos principios. E espera que esta epocha assignalada decida para sempre a sincera união e amizade de duas Potencias tão vizinhas, e ligadas pelos vinculos de hum commum interesse e bem entendida politica[8].

N.º 54
Discurso dirigido a El-Rei D. José, em 21 de março de 1760, por Lord Kinnoull, Embaixador Extraordinario e Plenipotenciario de Inglaterra em missão especial junto da Corte de Lisboa, para offerecer a reparação do attentado commettido pelo Almirante Ingles na costa do Algarve.

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  1. Vide ante, da pag. 26 a 28, o que a este respeito se disse em sentido geral.
  2. Recredencial tambem se chama a Carta que o Soberano, junto do qual se acha acreditado um Agente Diplomatico, dirige ao Soberano d'este, quando o mesmo Agente se despede, por ter sido exonerado do cargo, ou ter-se findado a sua missão.
  3. William Shakespeare — Ricardo III, Drama historico em cinco actos, Lisboa, Imprensa Nacional, 1880, 8.º grande; vide pag. 43.
  4. Tal é a regra; mas em certos casos póde ser opportuno omittir esta parte (modelo N.º 54; veja-se tambem o N.º 53).
  5. Id., ibid.
  6. Diario do Governo, do dia immediato.
  7. Diario do Governo, do dia immediato.
  8. Sr. Biker, Supplem. á Coll. de Tratados, T. 17 p. 81.