Que o amor há de ser descoberto

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Se brilha um fogo luzido,
(O mesmo no Amor é certo)
Arder não pode encoberto,
Luzir não pode escondido.

Se é raio Amor, rompa o medo,
Quando os sentidos inflama,
Patenteie a luz da chama,
Rasgue a nuvem do segredo.

Se quando a beleza adora,
Qual harmonia se estuda;
Nunca a harmonia foi muda,
Sempre a harmonia é sonora.

Atreva-se o Amor constante
A publicar o que sente;
Não desmaie, se é valente,
Não se encolha, se é gigante.

Se brilha qual perla, ou rosa,
Nunca estimações ordena,
No botão a rosa amena,
Na concha a perla fermosa.

Cupido n'afeição louca
Este intento há persuadido;
Os olhos cerra Cupido,
Não cerra Cupido a boca.

Se Amor de ave tem a empresa,
Quando o encerra algum desprezo
Por violência vive preso,
Porém não por natureza.

Quando Amor se mostra, é certo
Que, como se vê despido,
Não se encobre Amor vestido,
Mostra-se Amor descoberto.

Anarda pois, no Amor ledo,
Por mais que silêncios gozes,
Se o cala o medo das vozes,
Dizem-no as vozes do medo.