Queda que as mulheres têm para os tolos/VII
O homem de espirito, assustado com o vacuo immenso, que deixa no coração uma affeição que se perde, só rompe o laço que o prende á causa de dilacerações interiores.
Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar.
Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapellinho de sol, não o faz recahir no seu antigo captiveiro!
De resto, a mulher, a quem elle tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para elle como sêr aparte. Não a esquece nunca.
Morta, ou separado, nutre por aquella que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que della conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têem o merito de se parecerem com ella. Dá-se elle então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fóra de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu fallar, alguma cousa que lhe recorde o seu implacavel ideal.
E se é elle o abandonado, que de torturas que soffre!
Viver sem ser amado parece-lhe intoleravel. Nada póde consolal-o ou distrahil-o.
No caso de tornar a ver os sitios que foram testemunhas da sua felicidade, evoca á sua memoria mil circunstancias perseverantes e crueis. Alli está a cerca cheirosa , cujos espinhos rasgaram o véo da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja arêa fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janella as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flôr, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outr'ora se sentaram.
E' possivel que ella tenha mudado tão de repente? Pois não foi ainda hontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se prendia em doce e extranho amplexo?... Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ebrias em que todo o passado ficava esquecido! Elle está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delyrio do desespero.
O tolo está ácima dessas miserias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação aflictiva. Sempre acobertado pela bandeira de inconstancia, desfaz-se de uma amante sem luta, nem remorso; utilisa uma traição para voar a novas aventuras. Para elle nada ha de terrivel em uma separação, porque nunca suppõe que se possa collocar a vida n'uma vida alheia, e que fazendo-se um habito dessa communidade de existencia, faz-se pouco novamente soffrer, quando ella tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, elle só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o ao numero das suas campanhas.