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Quinhentos contos/I

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Conheceis Antônio Alves das Antas? É um homem de cinqüenta anos, viúvo, senhor de uma fortuna de oitenta contos, e pai de um filho de vinte e dois anos e cerca de trinta vícios e defeitos.

Tendo liqüidado os seus negócios em 1855, Alves recolheu-se à vida privada, sem todavia deixar de ir uma ou outra vez furtivamente à praça do comércio, onde fazia alguns negócios seguros que lhe aumentavam a renda da fortuna.

Se um Rothschild ou um Westminster lesse estas linhas perguntar-me-ia se eu chamo fortuna a uns oitenta contos, que, na opinião daqueles dois nababos, nem chegam para a cova de um dente.

Dispenso-me de dar resposta a essa pergunta provável; mas acrescentarei, por amor da fidelidade histórica, que Antônio Alves das Antas também pensava como pensaria Westminster, e era por isso que meditava uma grande e famosa operação econômica, que seria a coroa da sua vida.

A operação era casar o filho.

Resultava-lhe daí nada menos de quinhentos contos em boa moeda e excelentes prédios.

Conhecendo o caráter do rapaz, que era tíbio e sem iniciativa, o pai tencionava sacrificar os últimos anos da sua vida, tomando a direção da fortuna para aumentá-la e multiplicá-la, e estava tão certo nos seus cálculos, que contava ficar ele próprio, no fim de cinco anos, com uma conta redonda de duzentos contos.

Ninguém conhecia, nem esse projeto, nem os meios de que ele dispunha para produzir a operação comercial.

Se já sabemos a fortuna que o filho trazia para casa, é porque conhecemos a noiva. A noiva era uma viuvinha de vinte e três anos, bela como todas as viúvas dessa idade que não são feias, inteligente, amável, perfeitamente educada, e largamente instruída.

Chamava-se Helena, e era neta de um coronel reformado, homem de coração e de brios, que adorava a neta, e era um servo dos seus menores desejos.

Alves tratou de instruir o filho no que dizia respeito às pretensões dele, dizendo-lhe apenas que era um prazer para um pai ver casar-se o filho com uma moça estimável e rica. Luís ouvia as prédicas do pai, e procurava conscienciosamente realizar aquele projeto; mas na época em que começa esta narração ainda o rapaz não havia dado um passo útil, e as coisas estavam no mesmo pé que ao princípio.

Uma manhã de abril de 1859, achava-se o pai no gabinete revendo uns papéis que ninguém suporá serem romances nem poemas, quando lhe entrou repentinamente o filho alvoroçado e alegre.

— Alvíssaras, meu pai, alvíssaras!

— Que temos? disse Alves voltando-se para o rapaz.

— Vai ter uma visita; adivinhe!

— O coronel Veloso, disse o pai sorrindo.

— E a neta. Encontrei-os há meia hora. Vêem repreendê-lo. D. Helena chegou mesmo a dizer... perdão, meu pai, chegou a dizer que lhe puxaria as orelhas.

— Por quê?

— Acho que tem razão. Meu pai não vai lá há tantos dias.

— Há três dias apenas; mas bem sabes que tenho que fazer. Além de que, não sou eu o candidato ao coração dela: és tu.

Luís arrancou do peito um profundo suspiro, e disse atirando-se a uma cadeira:

— Sou eu!

Alves franziu a testa.

— Por que suspiras?

— Não sei, respondeu Luís.

— Abre-te comigo, meu rapaz. O acaso levou-me um dia a falar contigo deste assunto. Nestas ocasiões desaparece o pai, fica apenas o amigo. Que aconteceu?

Luís hesitou; mas instado pelo pai, disse estas palavras sem ousar encarar o autor dos seus dias:

— Eu creio que D. Helena não quer casar-se.

— Sim? disse Alves.

— É verdade.

— Mas é um bom casamento, disse o pai firmando bem as palavras.

— Não contesto; é um casamento magnífico: bela, espirituosa, elegante...

— E rica como uma Califórnia...

— Mas indiferente como...

— Como tu! disse Alves.

Luís estremeceu e olhou para o pai.

Alves continuou tomando calor:

— Como tu, repito. Tens um grande defeito, meu rapaz, que é o defeito da mocidade de hoje. No meu tempo cada moço começava a sua carreira convencido de que a perseverança era a virtude máxima, a qualidade suprema, o grande traço das organizações superiores. A que deves tu os regalos da vida, senão a esta virtude que nunca me desamparou? Quando alguma crise perturbava a minha vida e fazia estorvo ao resultado dos meus negócios, cuidas que eu me resignava à desgraça? Nunca! O exemplo de Jó não me seduzia: o velho filósofo gastou mais tempo em lamentar-se do que eu gastaria em readquirir uma nova fortuna. Os rapazes de hoje são da escola do filósofo. Não foram esses os conselhos que te dei.

Depois desta preleção sobre a virtude da perseverança, Alves olhou fixamente para Luís pedindo com o olhar uma resposta ao discurso que acabava de pronunciar, e que eu, por amor da brevidade, resumi.

O filho respondeu:

— Não me julgues tão sumariamente, meu pai. Creia ao menos que eu terei penetração bastante para conhecer a situação das coisas. Torno a afirmar que D. Helena não quer casar-se.

— Não creias nisso, respondeu o pai. Viúva moça com horror ao casamento é a fênix, é o milagre dos milagres. O casamento para as mulheres é como o governo para os homens de Estado; não se pode estar muito tempo sem pasta. Não é isso, meu rapaz, é outra coisa.

— Que será então?

Alves levantou-se, e foi a uma caixa de charutos, tirou dois, deu um ao filho, e acendeu o outro.

— Que marca é esta? perguntou Luís olhando para o charuto.

— Partagas.

— Eu fumo Concha flor.

— Mas este é bom. Experimenta.

Luís acendeu o charuto, e depois de duas fumaças, perguntou ao pai:

— Mas, vamos, que me ia dizendo?

— Ouve; que te falta? Tens tudo: fortuna, liberdade, reputação, boa casa, boa cama, boa mesa...

— E bons charutos.

— Gostas destes?

— São excelentes.

— Nada precisas, nada ambicionas, continuou o pai. Ora, que tinha eu na época do meu casamento? Tudo carecia, ambicionava tudo. Era-me preciso encetar então, lá no fundo da minha província, a vida política que mais tarde interrompi, e que pretendo começar agora de novo. Apareceu-me um amigo que possuía três qualidades preciosas: era rico, professava as minhas idéias e tinha uma filha formosíssima. Levantei os olhos para a filha; a ambição ajudou o amor, ou amor a ambição, e eis aí como me uni à tua mãe.

— Conheço a valentia dos seus argumentos, mas desanimo. Que hei de fazer?

— Que hás de fazer? disse o pai tomando um tom de augure. Insistir e resistir. Até porque podem algumas ilusões da juventude levar-te a contrair uma dessas alianças disparatadas e desonrosas... Vamos lá, tu não és seguro!

— Oh! disse Luís.

— Amas a moça; ela é bonita e rica; casa-te. Um moço, como tu, não pode deixar ir por água abaixo uma destas fortunas. Os nossos capitais reunidos farão uma conta redonda. Demais, não queres tentar a vida política? Eu sempre te achei vocação para homem de Estado; vocação e fortuna, é quanto basta para fazer tremer o governo.

— Não tenho opinião feita, disse Luís levantando-se.

— Faz-se depois. O essencial é servir à pátria. Grava na memória tudo quanto te disse... e casa-te.

— Farei o que puder, meu pai.

Neste momento apareceu à porta do gabinete um moleque. Vinha dizer que o dr. Máximo estava na sala à espera deles.

O dr. Máximo era uma das pessoas que freqüentavam a casa do coronel Veloso, e Alves conhecia-o de lá. Era um moço que gozava de boa reputação e tinha a estima do coronel e de Helena.

Alves e o filho saíram para a sala de visitas, e acharam aí o referido doutor, que apenas os viu levantou-se, dizendo:

— Venho por dois motivos: o primeiro é um recado do coronel Veloso. Pediu-me que lhe viesse lembrar o número da casa dele... Queria mesmo que eu o curasse da moléstia da ingratidão...

— Quando esteve com ele? perguntou Alves.

— Ontem à noite.

— Há notícias mais frescas, disse Luís. O coronel não tarda aí com a neta.

— Desculpe nesse caso a demora.

Alves ofereceu cadeira e sentaram-se todos.

— O segundo motivo? disse Alves.

— O segundo motivo é de negócio. Venho dizer-lhe que não posso pagar-lhe aquela letra no dia do vencimento. Quer esperar mais um mês?

— Dois meses... três meses... disse Alves. O doutor faz-me até uma injúria. Na amizade não há vencimentos, nem protestos; há um auxílio mútuo. Pague quando quiser, e como quiser. Veja em mim um amigo leal; um credor, nunca.

— Não sabe como lhe agradeço as suas palavras...

— Não me tire a virtude com esses agradecimentos.

— Vai ao jantar de terça-feira em casa do coronel? perguntou Máximo.

— Vou, disse Alves. Que excelente família é aquela! O coronel é um perfeito cavalheiro, e a neta uma senhora de aprimorados dotes e grandes espíritos. E sempre alegre; exceto... exceto quando lhe falam no pai; sabe, não?

— Não sei de nada. Conheço-os há tão pouco tempo!

— É uma história triste. O pai de D. Helena entrou nos movimentos políticos de 1842, em Minas. Tinha um adversário de longos anos, adversário por causas políticas e particulares, que aproveitou a situação para tirar uma dupla vingança. É pelo menos o que se conta, porque a história da revolução não conservou o fato. O pai de D. Helena foi assassinado uma noite em que voltava para a fazenda; o assassino fugiu. Ninguém mais soube dele. D. Helena era então criança, mas amava loucamente o pai, e ainda derrama lágrimas de saudade quando se lhe recorda aquele sinistro acontecimento.

— Pobre moça! disse Máximo, que ouvira a narração atentamente, enquanto Luís, aspirando o fumo do partagas, deliciava-se em vê-lo subir em caracóis até o teto.

Alves continuou:

— O coronel, que fez tudo quanto era possível para descobrir o autor da morte do filho, jura ainda hoje que se o encontrasse matá-lo-ia. Convém, portanto, que estando em casa dele não se refira nunca à revolução de 1842...

— Descanse.

A conversa continuou sem interesse para o romance. No fim de um quarto de hora, Máximo levantou-se para sair, e Alves, tendo ocasião de falar baixinho ao filho, disse-lhe rapidamente:

— Faze-lhe festas; este sujeito pode servir para alguma coisa.

Com efeito, Luís que até ali mostrara um ar de indiferença e aborrecimento ao pé de Máximo, não por causa dele, mas porque era o fundo daquela natureza morna e sem caráter, tomou o conselho do pai e entrou em amabilidades que o doutor agradeceu modestamente.

Quando este ia a sair ouviu-se uma voz na escada:

— Bem! eu subo!

— Conheço esta voz! exclamou Alves. É do Batista.

Poucos minutos depois entraram na sala dois indivíduos: um velho e um rapaz.

— Meu amigo!

— Meu amigo!

E os dois velhos caíram nos braços um do outro, ao tempo em que Luís apertava a mão do mancebo recém-chegado.

— Vejo-te enfim! Estás mais nutrido! mais corado! dizia Alves contemplando Batista. Desculpe, doutor, acrescentou ele voltando-se para Máximo; é um amigo! E tu, Carlos, como estás?

O moço que acabava de entrar com Batista, e que era filho dele, respondeu:

— Contente por vê-lo.

— Estás um rapagão!

— Como este! acrescentou Batista apontando para Luís. São dois magníficos produtos! O que é preciso é não envergonharem as barbas da gente. Ah! que ânsia tinha eu de ver-te!

Vendo esta efusão entre os dois amigos, Máximo calculou que se demoraria muito caso quisesse esperar o fim da cena. Pediu licença e retirou-se.

Em duas palavras direi quem eram os novos personagens; e quais eram as relações entre Batista e Alves.

Tinham ambos nascido na mesma província, e foram educados juntos, porque as famílias mantinham entre si antigas relações. Aconteceu que, para que a identidade entre os dois fosse completa, morreram-lhe os pais com pequeno intervalo, e eles ficaram órfãos na adolescência. Resolveram, porém, fazer-se homens, e entraram na vida com grande atividade e indomável perseverança. Alves, abandonando a política, onde começou apenas teve dezoito anos, entrou na carreira comercial onde estava Batista, e ambos em pouco tempo adquiriram uma fortuna mais ou menos igual.

Ultimamente, fora Batista à Europa, aonde o chamavam interesses de uma companhia fundada no Rio de Janeiro. Lá esteve algum tempo, até que volta agora com o filho, sendo a primeira casa que procurou a do seu caro Pílades.

Sentaram-se os dois velhos, enquanto Luís levou Carlos para cima a fim de conversarem mais à liberdade.

Batista e Alves entraram na exposição dos acontecimentos da vida de cada um deles. Como eram ambos viúvos, a primeira coisa que indagaram um do outro foi se não estavam casados, ao que ambos responderam negativamente.

— Declinei da honra em favor do pequeno, disse Batista.

— Casa-se o Carlos?

— Espera. Devo dizer-te que tive um susto.

— Ah!

— É verdade. Namoricou lá em Madri uma rapariga, e eu já estava com medo de vê-lo contrair alguma triste aliança. Felizmente aquilo não foi mais do que a pedra de toque do ânimo do rapaz.

— Dou-te os meus parabéns, disse Alves suspirando.

— Por que suspiras?

— Não tem juízo de sobra o meu Luís. Gosta aí de uma senhora viúva, bonita, moça e rica... Quatro virtudes! Que excelente casamento para ele e para mim! Pois o rapaz não faz nada; é de uma tibieza... A viúva é arisca, confesso. Tem a cabeça cheia de umas filosofias altas, de uns vapores, umas imaginações. Mas tudo isso vence-se... em havendo perseverança. Mas o Luís não compreende que para as grandes conquistas são necessárias as grandes armadas: embarca-se em canoas e admira-se de naufragar!

— Por esse lado estou contente. O Carlos não se distingue por essas tolices; é um rapaz como se quer. Para ele não há impossíveis, nem mesmo dificuldades. Tem axiomas de grande verdade. Pergunta-lhe o que é a vontade. É a alavanca do mundo, responderá ele. Se quiseres saber o que é a imaginação, diz-te logo que é um fardo para as cabeças ocas. Enfim, é um primor. Agora mesmo, apesar de chegar da Europa, já trago em vista um projeto que vou comunicar ao rapaz, e a ti também.

— O que é?

— Um casamento: trata-se de um casamento para o rapaz, coisa muito sólida e boa. O rapaz não conhece a noiva (eu já lhe chamo noiva), mas há de achá-la linda antes de vê-la, por causa deste axioma que ele não cessa de repetir-me: A beleza é amarela.

Estavam nisto os dois quando parou um carro à porta. Era o coronel Veloso e a neta que chegavam para visitar o ex-comerciante.

Helena era, como dizia Alves, uma mulher formosa. Era alta, de olhos e cabelos negros, mão delicadíssima, formas cortadas em mármore... adivinhava-se ao menos. Trazia um vestido cinzento pérola, muito sério e muito elegante. Penteava-se à Maria Stuart, sem curar de saber se a moda passara ou não.

O coronel era um velho de setenta anos como há poucos, robusto e corado.

Esperados com ânsia por Alves, foram recebidos com alvoroço, o que faria crer da parte do dono da casa uma amizade mais profunda que a real, se alguma havia.

Alves apresentou o amigo às duas visitas. O coronel e Batista conheciam-se apenas de vista; mas à declaração feita por Alves de que Batista era o seu mais antigo amigo, o coronel deu-lhe logo maiores testemunhos de apreço. Era um bom velho o coronel!

A visita durou pouco; apenas um quarto de hora; mas nem Helena nem o avô saíram sem que Alves prometesse que lá iria aquela noite.

Alves prometeu.

— E o senhor também, disse Helena voltando-se para Batista.

— Hoje? disse este.

— Está cansado, não é? acudiu o coronel. Pois bem, amanhã.

— Sim, amanhã.

Enfim, despediram-se. Apenas as portas fecharam-se sobre os dois, Alves voltou-se para Batista, e perguntou-lhe:

— Viste-a?

— Vi, respondeu Batista. E nem de propósito. É esta a mulher de quem te falei há pouco.

— De quem falaste? o quê?

— É o casamento que eu tenho em vista para meu filho, respondeu Batista.

— É singular, é também esta...

— A do Luís?

— Sim!

Batista e Alves olharam-se algum tempo.

Afinal Batista rompeu o silêncio.

— Poucas vezes se dará coisa semelhante, disse ele. Dois homens separados pelo oceano terem a um tempo a mesma pretensão.

— É incrível, mas é verdade!

— O que nos vale é que esta circunstância em nada pode alterar a afeição de dois amigos velhos.

— De modo nenhum! É coisa que não pode pesar na balança da amizade!

— Está dito!

E como se ambos estivessem cheios da mesma idéia, voltaram-se um para o outro, e ao mesmo tempo soltaram estas duas terríveis palavras:

— Tu cedes!

— Quem? disse Alves.

— Eu? disse Batista.

— Ceder! tomou o primeiro. Em nome de quê? por que motivo?

— Não somos amigos? Que é a amizade senão o afeto mútuo e o concurso recíproco?

— Mas, meu caro, disse Alves, isso tudo é verdade; mas se é verdade é a meu favor, porque o sacrifício deve partir de ti e não de mim... porque há longo tempo que eu cá estou na luta, e não vejo razão para que te ceda o campo, a ti, que vens de fora, e apenas tens na cabeça a sombra de um projeto.

Batista sorriu ouvindo as palavras de Alves, e replicou:

— Se a prioridade é razão, é razão a meu favor; o meu projeto é anterior ao teu.

— Mas se ela enviuvou há oito meses, e nesse tempo ainda estavas na Europa!

— Quando lhe deitei os olhos ela ainda estava casada.

— Contavas com a morte do marido?

— Não tinha certeza matemática; mas era uma espécie de loteria; comprei bilhete e esperei que andasse a roda. Desgraçadamente para o defunto a roda correu e eu tirei a sorte grande. Nem era necessário grande tino para ver que entre o marido já idoso, e a mulher na flor da idade, era ele quem devia despedir-se primeiro deste mundo de enganos e de lágrimas. Pensei mal?

Já a este tempo Alves tinha-se levantado e passeava pela sala, agitado e fumando em dois sentidos. Quando Batista acabou de falar, Alves parou e disse-lhe:

— Mas enfim, é dever de lealdade...

— Adeus! temos agora lealdade; mas quem fala em lealdade? Tu não farias o mesmo no meu lugar?

— Queres então brigar comigo?

— Qual brigar! exclamou Batista. Não há briga possível entre dois amigos. Pode haver conflitos de interesses; mas o interesse não fica empenhado nos pactos do coração; é por sua natureza uma restrição mental. Queres casar teu filho com a viúva; és lógico e mostras ser homem de juízo; mas eu também quero ter juízo e mostrar-me lógico.

— Mas logo esta! disse Alves.

— Ave rara, meu amigo. Só vejo um meio de conciliar tudo.

Alves, que passeava agitado, parou, e disse:

— Qual é?

— Era cederes tu, e deixar que o meu rapaz...

— Ora!

— Não serve? perguntou Batista levantando-se. Nesse caso lutaremos ambos. Vença quem for mais hábil ou mais feliz. Agüenta-te nos estribos, porque eu vou a toda a desfilada.

— Farei por ser bom cavaleiro.

Nesse momento entravam na sala os dois rapazes que eram a causa, sem o saberem, daquele conflito.

Batista já tinha o chapéu na mão, e apenas avistou Carlos disse-lhe que saísse com ele, acrescentando baixinho que aquilo ali era território inimigo.

Carlos compreendeu que havia alguma coisa, e modelou a sua atitude na despedida pela do pai.

Apenas saíram os dois, Alves, que nem respondera ao frio cumprimento de Batista, voltou-se para Luís, que lhe perguntou:

— Que é isto, meu pai?

— Nada. Aqueles dois são inimigos nossos.

— Por quê?

— Pretendem a mão da nossa Helena.

— Ah!

— Serás capaz de vencê-los?

— Espero!

— Se venceres terás coroado os meus dias. Agora é a nossa honra que está em jogo.