Saltar para o conteúdo

Recolta de Estrelas

Wikisource, a biblioteca livre

RECÓLTA D’ESTRELLAS

 
(A Tiburcio de Freitas)
 

Filho meu, de nome escripto
Da minh’alma no Infinito.

Escripto a estrellas e sangue
No pharol da lua langue...

Das tuas azas serenas
Faz manto para estas penas.

Dá-me a esmola de um carinho
Como a luz de um claro vinho.


Com tua mão pequenina
Caminhos em flôr me ensina.

Com teu riso fresco e suave
Oh! dá-me do encanto a chave.

Do teu florão d’Innocencia
Dá-me as rosas da Clemencia.

Como outro Jesús bambino,
Esclarece-me o Destino.

Traz luz ao mundano pégo
Onde sigo, mudo e cégo...

Com teus enleios e graça
Nos meus cuidados perpassa.

Este peito accênde, inflamma
Na mais sacrosanta chamma.

Faz brotar nevados lyrios
Das cruzes dos meus martyrios.

Dá-me um sol de estranho brilho,
Flôr das lagrimas, meu filho.

Rebento triste, orvalhado
Com tanto pranto chorado.

Filho das ancias, das ancias,
Das mysteriosas fragrancias.


Filho de aromas secrétos
E de desejos inquietos.

De suspiros anhelantes
E impaciencias clamantes.

Filho meu, thesouro mago
De todo este affecto vago...

Filho meu, torre mais alta
De onde o meu amôr exalta.

Amphora azul, de onde o incenso
Dos sonhos se eléva denso

Contellação flammejada
De toda esta vida anciada.

Crysol onde lento, lento
Purifico o Sentimento.

Iris curioso onde gyro
E allucinado deliro.

Signo dos signos extremos
Destes tormentos supremos.

Orbita de astros onde pairo
E em febre de luz desvairo.

Vertigem, vertigem viva
Da paixão mais convulsva.


Traz-me uncção, traz-me concórdia
E paz e misericórdia.

Do teu sorriso a frescura
Rios de ouro abra, na Altura.

Abra, accenda labarédas,
Illuminando-me as quédas.

Flôr nocturna da luxuria
Brotada de haste purpurea.

Dos teus olhos dadivosos
Escorram óleos preciosos...

Oleos candidos, dos mundos
Maravilhosos, profundos.

Óleos virgens se derramem
E o meu viver embalsamem.

Embalsamem de eloquentes,
Celestes dons prefulgentes.

Para que eu possa com calma
Erguer os castellos da alma.

Para que eu durma tranquillo
Lá no sepulchral Sigillo.

Ó meu Filho, ó meu eleito
Deslumbramento, perfeito.


Traz novo esplendor ao facho
Com que altos Mysterios acho.

Meu Filho, frágil e térno,
Soccórre-me do atro Inferno.

Onde vibram gladios duros
Por ergástulos escuros.

E cruzam flammineas, fortes,
Negras vidas, negras mortes.

Onde técem Satanazes
Sete circulos vorazes...


1.º de Outubro de 1895.