Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CXIII
Em todo o tempo prevaleceu nos homens o poder; eles arrogaram a si toda a jurisdição legislativa; a sujeição em que ficaram as mulheres, foi a pena da sua primeira culpa. Aquela sujeição, que não devia exceder as regras da equidade, veio a degenerar em tirania, e a introduzir nelas uma espécie de escravidão. O ciúme dos homens fabricou os ferros, e a fermosura das mulheres foi o crime original, que nunca puderam expiar, nem remir: a mesma fermosura com que as dotou a natureza, lhes tirou a liberdade; alcançaram na beleza o maior favor, mas comprado por um custo imenso, isto é à custa da liberdade; ficaram sujeitas aos homens por força, e os homens a elas por vontade. Infeliz, e estudada consolação! O cativeiro costuma ser à medida da fermosura; quanto mais belas, mais presas: para terem alguma liberdade é preciso que não tenham nenhuma fermosura. Cruel situação! Quem há-de trocar uma cousa pela outra, ou quem sabe qual das duas é melhor? Ter liberdade, e fermosura juntamente, é muito; ter uma cousa, e perder a outra, é pouco. Quem há-de resolver-se a perder a liberdade, e também que mulher se não há-de afligir na falta de fermosura? As diferenças são, que a liberdade em quem a tem, dura sempre, a fermosura não; naquela não tem domínio o tempo; nesta até se conhecem os instantes; semelhante à gala de uma flor, que não tem mais duração que um dia; e assim se vê que nas mulheres, a injustiça dos homens lhes tira a liberdade assim que nascem, e pouco depois lhes tira a fermosura o tempo, e de tal sorte, que nem restos lhes ficam do que foram, para se consolarem do que são; nem pode deixar de ser: porque o tempo não só desconserta, mas destrói, e arruína; cada hora deixa o seu sinal; e os instantes que diminuem a vida à proporção que passam, também diminuem a fermosura, até que a gastam, e desfazem; semelhante a uma exalação, que em breve espaço se dissipa. Os anos sim deixam a regularidade das feições; mas de que serve uma regularidade usada? O que nela se vê é como um debuxo, que não foi feito para imagem, mas para semelhança. Uma representação do que foi sempre é triste; por mais, que a consideração se forme uma ideia agradável de um monumento destroçado, e antigo, sempre o que se admira é com lástima: a imaginação fervorosa, e forte, pode de algum modo fazer presente o que não é, mas não pode fingir tanto, que se não percebam as ruínas; os vestígios trazem à memória a grandeza do edifício, mas sempre o mostram desfeito. Isto sucede na beleza, acaba-se em se lhe acabando a graça: esta continuamente foge; passa insensivelmente, e o que fica, é uma estátua, uma sombra, uma figura.