Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/CXXIV
A vaidade de adquirir nome, é inseparável de todos os que seguem a ocupação das letras; e quanto maior é a vaidade de cada um, tanto é maior a sua aplicação: não estudam para saberem, mas para que se saiba que eles sabem; buscam a ciência para a mostrarem; o seu objecto principal é a ostentação, e assim não é a ciência que buscam, mas a reputação; esta é como as outras, em que o adquirir é mais fácil que o conservar; e verdadeiramente o conseguir-se um nome, pode ser obra de um dia, ou de uma hora; o conservá-lo é empresa de toda a vida. Do acaso de um sucesso pode resultar um nome grande, mas de um acaso, não pode resultar a conservação dele. Bem se pode ser feliz por acaso; mas não se pode por acaso ser sempre feliz. A fortuna não só governa as armas, mas também as letras; porque a memória, se uma vez se permite com abundância, nega-se mil. Em qualquer estado, se tem a reputação por felicidade; porém esta é difícil conservar-se à proporção que é grande. Algumas vezes pode depender de nós o buscar uma ocasião favorável, de que venha a proceder um grande nome; porém não está na nossa mão o fazê-lo durar. Um merecimento, ou um saber pequeno, pode fazer adquirir uma grande fama, e o maior merecimento junto ao maior saber, não basta para a conservar. Por mais bem fundada que seja uma grande reputação, nem por isso é possível o ter segura a opinião das gentes. Os homens cansam-se de admirar; passados os primeiros movimentos em que as cousas raras atraem, como por força, o nosso louvor, e aprovação, depois, a vaidade de quem admira, é a primeira que se desgosta; irrita-se contra tudo o que é superior. Uma qualidade eminente que vemos nos outros, fica-nos sendo como uma qualidade adversária, e oposta. A vaidade, ou a inveja, que ela produz, não só se dirige contra a opulência alheia, mas também contra a alheia sabedoria; a ciência não tem maior inimigo, que a ignorância: tudo o que está em lugar alto molesta-nos a vista e a atenção; só o que está no lugar em que nós estamos, não nos ofende. A igualdade, e uniformidade é natural em tudo; por isso os que se afastam desta lei universal, ficam sendo odiosos aos que se conservam nela. Há muitos meios para subir; a vaidade é a que guia a todos; e com efeito sem vaidade ninguém sobe, nem procura subir; estes sim ficam confundidos em uma vulgaridade escura, mas ninguém lhes examina se os passos com que sobem, são justos, ou injustos; as asas da vaidade também se derretem. Quem não tem vaidade não desperta a dos outros contra si.