Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XLVII
Mil preceitos há que nos ensinam, o quão pouco são estimáveis em si, esses mesmos objectos, que buscamos com fadiga: o conhecermos a vaidade das cousas, não basta para as não querermos; porque o conhecimento de um mal, que se apetece, é um meio muito débil para o deixar. No mesmo retiro temos todo o mundo no coração, e neste vivem as paixões então mais concentradas, e por isso mais vigorosas, e mais fortes: o ser o lugar mais apertado não nos livra do combate, antes o faz mais arriscado; a vaidade é como o amor, este quando o deixamos, sempre nos fica uma saudade lenta, que insensivelmente nos devora; porque é um mal, cuja privação se sente como outro mal maior; ainda depois de passados muitos anos, a lembrança, que às vezes nos ocorre de um amor, que parece que acabou, sempre nos vem com sobressalto; o coração nunca fica indiferente, e sempre recebe com alvoroço a ideia de um ardor amortecido, e como que o reclama. Verdadeiramente, perdida a vaidade, e perdido o amor, que nos fica?