Retrato de um sabichão
Telas despreso,
Liso marfim,
Rubro carmim,
Para a cara pintar do estulto Creso.
Só quero, Apeles,
Lapis grosseiro,
Negro tinteiro,
Que o lorpa que retrato é muito réles.
Em roto esquife
Traço o desenho,
Com tal empenho
Que esculpo de improviso o tal patife
Ventas de mono,
Olhar sizudo,
Altivo e mudo,
Como de quem pensar perdera o somno!
Fronte quadrada,
Tendo de espeque
Um curvo beque,
Pendente caraça mal chanfrada.
Nariz de vara,
E companhia,
Que em pleno dia
Conserva noite escura em toda cara.
Franzida a testa,
Longas beiçolas
Tem o tal bolas,
Que os lares de Minerva horrendo impesta.
Grandes orelhas
De burro velho,
E um chavelho
Sobre a colmeia de aticas abelhas.
Hirsuto o pello;
De porco-espinho,
Lato o focinho,
Que de vacca nao é, nem de camello.
Olhos vidrados
Entre altaneira
Negra viseira,
Que dous montes parecem recurvados.
Rubras bochechas,
Engorduradas,
E tam inchadas
Que parecem de mero amplas ventrechas !
Rotunda a pansa,
Azambumbada,
Que em trovoada
Traz o gordo cetaceo—em contradança.
Pernas de croque,
Atesouradas,
E tam vergadas
Que dous arcos parecem de bodoque.
Fofo beocio,
Com ar de nico;
Grosseiro mico
Entre os sabios mettido a capadocio,
Toma juizo.
Deixa a luneta,
Torto cambeta,
Que essa tosca figura causa riso.
Não toma esturro,
Bruto eiviçon;
Larga o Rogron,
Que eu já vi de pensar morrer um burro.
Toma o conselho,
Que te hei dado;
Marcha, tapado,
Vai mirar essa cara n’um espelho.