Revista do Brasil/Volume 5/Número 17/Cartas Inéditas
4 de Fevereiro de 1905.
Meu caro José Verissimo.
Hontem depois que nos separámos recebi o livro e a carta que V. me deixou no Garnier. Quando abri o pacote, vi o livro e li a carta, recebi naturalmente a impressão que me dão letras suas, — maior desta vez pelo assumpto. Obrigado, meu amigo, pelas palavras de carinho e conforto que me mandou e pelo sentimento de piedade que o levou á devolução do livro. Foi certamente o ultimo volume que a minha companheira folheou e leu a trechos, esperando fazel-o mais tarde, como aos outros que ella me viu escrever. Cá vae o volume para o pequeno movel onde guardo uma parte das lembranças della. Esta outra lembrança traz a nota particular de amigo.
Apezar da exhortação que me faz e da fé que ainda põe na possibilidade de algum trabalho, não sei se este seu triste amigo poderá metter hombros a um livro, que seria effectivamente o ultimo. Pelo que é viver comigo, ella vive e viverá, mas a força que me dá isto é empregada na resistencia á dôr que ella me deixou. Emfim, póde ser que a necessidade do trabalho me traga esse effeito que V. tão carinhosamente afiança. Eu quizera que assim fosse.
Quanto á minha visão das cousas, meu amigo, estou ainda muito perto de uma grande injustiça para descrêr do mal. Nabuco, animando-me como V., escreveu-me que a mim coube a melhor parte — "o soffrimento". A visão delle é outra, mas em verdade o soffrimento é ainda a melhor parte da vida.
Adeus, obrigado, não esqueça este seu velho
MACHADO DE ASSIS.
Rio de Janeiro, 6 de Dezembro de 1904.
Meu caro Nabuco.
Quando ia responder a sua carta de 8 de Outubro, aqui chegada depois da morte da minha querida Carolina, trouxe-me o correio outra de 17 de Novembro, a respeito desta catastrophe. A nova carta veiu com palavras de animação, quaes poderiam ser ditas por V. São ellas cabaes e verdadeiras. Ha só um ponto, meu grande amigo: é que as lê e relê um velho homem sem forças, radicalmente enfermo. Farei o que puder para obedecer ao preceito da amizade e da bondade. Ainda uma vez obrigado!
Indo a carta anterior dir-lhe-ei que a inscripção para a academia terminou a trinta de novembro e os candidatos são o Osorio Duque Estrada, o Vicente de Carvalho e o Souza Bandeira. A candidatura do Jaceguay não appareceu; tive mesmo occasião de ouvir a este que se não apresentaria. Quanto ao Quintino não fallou a ninguém. A sua theoria das supeioridades é boa; os nomes citados são dignos, elles é que parecem recuar. Estou de accôrdo com o que V. me escreve ácerca do Assis Brazil, mas também este não se apresentou. A eleição entre os inscriptos, tem de ser feita na primeira quinzena de fevereiro. Estou prompto a servir a V. como guarda da consciência litteraria, por mais bisonho que possa ser. Ha tempo para receber as suas ordens e a sua cédula.
Adeus, meu caro amigo. Tenho estado com o nosso Graça Aranha, que trata de estabelecer casa em Petropolis, onde vae trabalhar official e litterariamente; ouvi falar de outro livro, que, para ser bello, não precisa mais que a filiação de Chanaan. O Verissimo está de ha muito restaurado. Eu, se viver do grande golpe, não o deverei menos a V. e ás suas bellas palavras, para o unico fim de resistir; não é que a vida em si me valha muito.
Releve-me a insistencia, e receba um abraço amantissimo do amigo velho
MACHADO DE ASSIS.
Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1907.
Meu caro dr. Alfredo Pujol.
O nosso Euclydes da Cunha trouxe-me a sua carta com o seu benevolo pedido. Não tendo nenhum retrato moderno, e não valendo dois ou tres antigos e moços que me restam, mandei fazer esse, que lhe envio pelo correio. Deste modo satisfaço com muito gosto um desejo que me honra e commove. Não ha como a boa vontade dos moços para restituir á vida o que os velhos já não acham nella. Tenho tido dessas restituições que me consolam e a sua fica entre as melhores pela expressão do sentimento e pelo valor da pessoa, que é grande.
Releve a demora, e acceite os agradecimentos de um admirador velho,
MACHADO DE ASSIS.
Rio de Janeiro 1 de março de 1907.
Meu prezado confrade dr. Alfredo Pujol.
Aqui tenho e agradeço o seu retrato e a amavel carta que o acompanhou. O meu era-lhe devido pela razão que lá digo na carta que lhe escrevi, quando o nosso Euclydes me fez ver de palavra e com o proprio texto de V. Exa. o desejo que nutria de guardar alguma lembrança de um pobre velho solitario.
Já uma vez nos vimos, como recorda agora, na Camara dos Deputados, ainda que de passagem. A vida e o tempo nos separaram logo. Cá estou ainda agora no meu Cosme Velho, casa numero 18, onde terei o gosto de o receber e de o servir, como admirador e amigo,
MACHADO DE ASSIS.
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