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Rio amargo

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A meu irmão, Julio de Castro Feijó

A pouco e pouco a Dor, no coração do Homem,
Vae como um rio amargo escavando o seu leito,
E dia a dia, o sulco em que as mágoas se somem
Mais profundo se faz, mais escarpado e estreito.

A principio trasborda e alastra: é uma torrente!
Nada a pode conter--nem diques, nem escolhos;
Submerge o coração num tumultuar plangente,
E onda a onda rebenta em lagrimas dos olhos.

Mas o tempo transforma em profunda ravina
O leito onde mais viva a torrente passou;
A onda continua a correr nessa ruina,
Mas, de funda que vae, aos olhos se occultou.

Desde então não se escuta o bramir da tormenta,
Mas da face tranquilla e dos olhos enxutos
Ninguem inveje a paz que essa calma apparenta:
Vae cheio o coração de lagrimas e lutos!

Ditoso o Homem a quem, na primeira investida,
A Dor, como uma vaga, envolveu na ressaca,
Em vez de o arremessar, como «épave» perdida,
De soffrer em soffrer, mas que nunca se aplaca!

A Dor que mata, a Dor que d'um golpe redime,
É compassiva; o mal, que cessa, não é grande...
Mas a Dor que não pára, a Dor que nos opprime
Sem esp'rança de ver que o seu martyrio abrande,

Essa Dor, não ha som, na palavra que chora,
Para a exprimir; é a Dor que mil dores condensa:
Trazer a Morte em nós, senti-la a toda a hora,
E viver! E viver no horror d'essa presença!

Onde o peito de heroe, onde o animo forte
Para uma dor egual sem revolta afrontar,
Tendo a pesar sobre elle a mão fria da Morte?
E sem poder fugir! e sem poder luctar!

Só o Homem que espera em Deus, martyr ou santo,
Pode um supplicio tal resignado soffrer,
Com o labio a sorrir, com os olhos sem pranto,
Mas a angustia no olhar, mas a boca a gemer...

Só esse a quem a Graça illuminou, na etherea
Luz immortal d'estrella ignota alvorecida,
Pressente da Alma Humana o Infinito e a Miseria
Na eterna expiação d'este peccado--a Vida!