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Rufina (III)

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Hoje de manhã, ao tomar o bonde, lobriguei lá dentro um vulto de mulher e, com a instantaneidade do raio, enxerguei a imagem de Rufina. Trêmulo, sentei-me, e verifiquei: o vulto era uma velha gorda e tostada. Fechei os olhos, procurei esquecer-me da velha e de Rufina - ejusdem farínae, afinal de contas! - e comecei a resolver o seguinte problema: qual seria a renda bruta da companhia, supondo-se que tinha em tráfego quatrocentos bondes, cada bonde transportando em média vinte e cinco passageiros? A questão me interessava, porque estou tratando de redigir uma reclamação para a imprensa contra certas irregularidades do serviço.

- Vejamos. 25 x 200 = vinte por duzentos, que são 4.000, mais... Ru-fi-na... cinco por duzentos, que são mil... Erre, um = Ru.... Quatro mil mais mil, cinco mil; cinco mil que? Ora, o diabo da velha! Cinco mil contos... - Desisti das contas. A matemática é inconciliável com o coração. É inconciliável com a vida.

Como é que Newton pôde ser pai de família, ter uma esposa, ter filhos, ter afetos, preocupações, desejos, e calcular continuamente? Eu, quando alguma vespa me pica, faço até as máquinas de cálculo errar uma adição. Tudo aquilo em que ponho as mãos desconcerta, extravaga. Até o Melquíades, meu servente, que em matéria de calma e paciência e um urso de bazar, fica esparavonado, entorta, arrebita e disparata!

Preciso esforçar-me para me corrigir. Não tanto, porém, que me torne apto a maquinar friamente com a cabeça no meio das tormentas e das delícias da vida. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Eu prefiro sonhar com Rufina a cavar uma celebridade em cálculo diferencial.