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Sangue limpo (1863)/Prologo

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Pateo do Collegio, com vista da igreja ao fundo, e á direita o Palacio do Governo, cujas janellas devem estar illuminadas e com gente. Ao subir o panno uma banda de musica toca no centro da praça o hymno constitucional de 1820, findo o qual, das ja- nellas de Palacio rompem vivas á Constituição, a el-rei Dom João 6.º, ao principe regente e aos briosos Paulistas : o povo corresponde enthusiasta, e cricúla pelo pateo ; n'este passeio prolongado tra- vam-se os dialogos seguintes.


SCENA I.


Dom JOSÉ E UM MILITAR.


Dom JOSÉ.


Vêde ! O principe não podia ser mais ardente- mente recebido e victoriado.


MILITAR.


E comtudo elle não quiz acceitar a guarda de honra que lhe preparavam !


Dom JOSÉ.


Auras populares, ovações ephemeras ao homem que representa um pensamento, e que durarão até que outro pensamento desça, como Moysés do monte, e faça em pedaços o idolo.


MILITAR.


Que importa o futuro ? Ninguem conta com elle. Antes que passe a monção, terá Sua Alteza chegado a seus fins ambiciosos.


Dom JOSÉ.


Culpa têem os que o impelliram em tal caminho. Não lhe sabiam da indole ? Dom Pedro de Alcantara não sabe receber ordens de quem quer que seja.


MILITAR.


Como vos enganais ! A desobediencia do principe nunca teve por motivo o pundonôr offendido. Há muito que elle vive sonhando com uma corôa ame- ricana, de ouro, cravada de diamantes.


Dom JOSÉ.


O que prova isso ? Que só elle sabe differençar o falso do verdadeiro, e considera o futuro com olhos perscrutadores.–E entretanto pareceia que a Providencia se propunha a renovar os destinos da velha Lusitania ! Amigo, a mudança da côrte para o Novo Mundo era talvez a realização do unico meio de salvar Portugal. Quando a bandeira de Ourique esvoaçasse n'este immenso paiz, por onde se derramaria a superabundancia de nossa popu- lação, cujos productos encheriam nossos cofres, cujas florestas forneceriam o material para nossos esta- leiros ; quando chamássemos a este grande mer- cado as noções industriosas do mundo, estaria sacudido para sempre o jugo pesado, que nos im- põe a Inglaterra, o cadaver da monarchia erguer- se-hia do túmulo em que dorme há tres seculos, e seriamos de novo senhores do Atlantico. E que murmurassem os filhos da Europa ! que nos im- portava o egoismo de uma provincia remota ? Lá só existiam as recordações gloriosas do passado ; aqui porém estava a grandeza do futuro. Aqui... estava uma epopéa, não a das luctas estereis do Oriente, mas a das lides pacificas e dos fructos sa- zonados da civilização.–Os portuguezes rejeitaram esse brilhante destino. Fazia-lhes falta o docel da realeza, o grupo matizado dos cortezãos ! Estavam tão ermos os paços de Belém ! Clamaram em altas vozes pelo seu monarcha esses vassallos zelosos : Dom João VI obedeceu-lhes e abandonou o Brazil. Desde esse dia está consummada irremissivelmente a separação. De hoje ávante o oceano rolará entre dous povos.


MILITAR.


Assim será, não duvido, mas o principe nem por isso deixa de ser.... (Hesitando)


Dom JOSÉ.


O que ?


MILITAR.


Não o direi alto, que muitos curiosos nos cer- cam (Afastam-se).

SCENA II.


1.º E 2.º DESCONHECIDOS.


1.º DESCONHECIDO.


(Em scena) E' um heróe o nosso defensor per- petuo.


2.º DITO.


(Idem) E um heróe popular, meu caro reverendo.


1.º DITO.


Os nosso partidarios das côrtes é que estão se mordendo, mas procuram fazer boa cara. Menos susto lhes causou a vinda do Candido do que ago- ra esta augusta visita.


2.º DITO.


Foi uma medida de politica bem perspicaz, e cu- ja utilidade já reconheceu o principe na sua via- gem a Minas. Pena será que elle não saiba apro- veita-la. Os fructos estão maduros, porque não há de colhê-los ?


1.º DITO.


E onde melhor que em São Paulo ? Mas o princi- pe que tome as suas medidas antes que chegue o sabio Mentor que deve conduzi-lo ás côrtes da Eu- ropa, afim de aprimorar a sua educação

2.º DITO.


Ah ! ah ! ah ! que vão esperando.


1.º DITO.


Olhem que a desconfiança torna bem tolos os ho- mens, ainda que sejam deputados. (Vão-se rindo)


SCENA III.


RAPHAEL, LUIZA E VICTORINO, DESCENDO.


VICTORINO.


Meu Deos, como está bonito isto ! Que alvoroto ! Desde os tempos do conde de Palma, ou do marquez de Alegrete, que não vejo o povo contente como está hoje.


RAPHAEL.


O que o povo quer é festa.


VICTORINO.


Mas festa em que haja liberdade e não arrogan- cia e bazofias de magnatas.


LUIZA.


Apreciem a variedade de gente que há. Aqui vê-se de tudo ; a baeta roça nas sedas, a farda das milicias encontra-se com o poncho dos caipiras ; olhem lá, ás direitas ! um negro esbarrando-se na batina de um padre. Nunca vi semelhante mistura de pobres e ricos, de velhos e crianças. A cidade toda está aqui.


RAPHAEL.


Signal certo de que a alegria é geral.


VICTORINO.


Não é tanto assim. Gente de outra banda não vejo muitos, salvo algum negociante de jaqueta, raça de judeus, a quem o almotacé tem multado vinte vezes, e que tem por timbre servir tanto a Deus como ao diabo.


RAPHAEL.


Que fim levou a tia Onistalda ?


VICTORINO.


Cansou-se de navegar por este mar bravo, e foi dar fundo á porta da casa de fundição.


LUIZA.


Psiu ! Deixem-me ouvir a musica (Intervallo de musica ; continúa o passeio e alguns vivas).


SCENA IV.


Dom JOSÉ E O MILITAR.


MILITAR, continuando.


Essa gloria era pura de mais para elle. Preferio revoltar-se contra a auctoridade paterna, e adular tendencias revolucionarias.

Dom JOSÉ.

Basta. Não vos posso seguir a esse terreno : sou servidor do principe...


MILITAR.


Primeiro que tudo sômos portuguezes, bem que degenerados filhos dos heróes da India. Abata-se quem quizer ; eu não hei de comer angú para agra- dar espiritos revoltosos.


MILITAR.


Sentido ! Estais provocando um povo inteiro...


MILITAR, desdenhoso.


Se ouvisseis o que por ahi dizem !..


SCENA V.


OS MESMOS E AYRES.


AYRES.


Até que os encontrei.


Dom JOSÉ.


És tu, Ayres ? Que andas fazendo ?


AYRES.


Passeio, meu pai, e divirto-me com o que vejo.


MILITAR, jovialmente.


E quaes são as bellezas que o encantam ?

AYRES, no mesmo tom.


As da natureza, meu coronel. São Paulo é um viveiro de moças bonitas, mas em compensação as velhas são horriveis.


Dom JOSÉ, rindo.


E' o effeito dos contrastes.


SCENA VI.


OS MESMOS, RAPHAEL, LUIZA, E VICTORINO, (EM ANGULOS OPPOSTOS DA SCENA).


LUIZA.


Que linda noite ! Até o céo pôz luminarias.


MILITAR, a Ayres.


Parece-me que sabe aproveitar os seus vinte an- nos. Ora, diga-me que tal lhe parece aquella tri- gueirinha, que alli vem acompanhada de dous fi- gurões, um delles sargento de linha ? Falle : Dom Jo- sé lhe permitte ser franco.


AYRES.


Essa de vestido branco, que está olhando agora para as janellas de palacio ?


MILITAR.


Essa mesma.


AYRES.


E' a segunda vez que a vejo...

MILITAR.


E que mais ?... (maliciosamente).


AYRES.


E pela segunda vez confesso que é de rara per- feição.


MILITAR.


Rara perfeição ! Isso é ser avarento de palavras. Olhe-a bem. Que corpo formoso e languido ! Que movimentos cheios de graça e de indolencia ! Como o brilho de seus olhos é adormecido ! parecem duas estrellas gemeas, em noite quente de verão.–Real- mente é a mistura mais deliciosa da raça branca com o typo indiano.


Dom JOSÉ.


Valha-nos Deus ! Está-me parecendo que ídes fa- zer um estudo sobre as bellezas paulistanas.


MILITAR.


Estudo superficial. Deixo ao vosso Ayres o cuida- do de aprofundal-o.


AYRES, rindo.


Ah ! ah ! ah ! Coronel, qual de nós é o rapaz ?


MILITAR.


O senhor, que duvida ! Mas eu já o fui tão- bem. Hoje o meu coração é cinza, mas cinza que ainda conserva calôr.

RAPHAEL, amuado.


Que nos quererão aquelles fidalgos, que tanto para nós olham ?


VICTORINO.


Para nós, não, para Dona Luiza.


LUIZA, com vaidade.


Deixa-los, não me hão de derreter.


AYRES.


Até já.


MILITAR.


Que vai fazer ?


AYRES.


Vou.... estudar. (Segue de longe a Luiza : Dom José e o Militar desapparecem por entre o povo).


SCENA VII.


RAPHAEL, LUIZA E VICTORINO.


RAPHAEL.


Sabem o que eu desejava agora ? Era ser o prin- cipe. Queria sahir a furto do palacio, acotovellar desconhecido esta multidão, respirar o incenso da popularidade, ouvir meu nome repetido mil vezes, e formar um livro agradavel de todas estas palavras entrecortadas, de todas estas perguntas indiscretas, de todos estes vivas incessantes.

VICTORINO.


Seria o livro mais mentiroso que se tem escripto.


LUIZA.


Quem sabe ! Já ouvi dizer que Sua Alteza gos- tava de passeiar incógnito como aquelle rei das Mil e uma noites.–Eu tãobem desejava, mas era saber se aquella condessa que lá vai coberta de seda e joias estará mais alegre e feliz que eu.


RAPHAEL.


Penso que não. A soberba é mãe da desgraça. O ouro é brilhante, mas não deixa de ser metal.


VICTORINO.


Pois eu, como já esto cansado do passeio, que- ria antes estar no theatro, ouvindo a Zacheli cantar algum duetto, ou assentado ao balcão de um bo- tequim, a comer pasteis e bolos de arroz.


RAPHAEL.


Se querem voltar para casa....


LUIZA.


Que pressa ! se ainda é tão cedo ! Demos outro gyro pelo pateo e depois voltaremos.


RAFAEL.


Pois bem ; fica passeiando com o Victorino, em quanto vou comprar alguns doces para ti. Eu logo volto.

LUIZA.


Procrure-nos aqui ; sim, mano ?


RAPHAEL.


Está dito. (Vai-se : Ayres e o militar no fundo).


VICTORINO.


Estou com medo que a tia Onistalda pegasse no somno ahi por algum canto.


LUIZA.


Lá começa a musica : vamos ouvil-a de mais per- to. (Afastam-se. Intervallo de musica).


SCENA VIII.


1.º e 2.º DESCONHECIDOS, O MILITAR E DEPOIS RAPHAEL.


1.º DESCONHECIDO.


Que noticias há de Lisboa ?


2.º DITO.


Más. Continúa a mesma obstinação dos portugue- zes na guerra que fazem á emancipação brasileira. Esperam-se novos decretos repressivos. Os deputa- dos paulistas têem-se assignalado na defeza dos nos- sos direitos. Antonio Carlos sobretudo faz lembrar os Regulos e Pompilios. Mas não é de qualquer d'esses nobres campeões que depende hoje a sorte do Brasil. A hora da independencia está a soar, bate agora talvez ; mas sem um nome prestigioso que conte- nha as ambições, sem uma aguia possante que em- punhe esse feixe de raios, tenho bem medo que a hydra da anarchia venha dilacerar-nos.


1.º DITO.


Assim é de temer. Não existem acaso as antipa- thias do provincialismo, origem de tantas dissen- sões ? Ficará o Brazil retalhado em republicas como está succedendo á America hespanhola : sem contar com os partidistas dedicados que Portugal conserva em algumas provincias.


2.º DITO.


Desses não me temo. Acho impossivel que o Bra- sil continúe unido á corôa portugueza. (Ao Militar) Não pensa assim, meu caro senhor ?


MILITAR.


Não vejo impossibilidade em uma união que exis- te há tão largo tempo.


RAPHAEL, procurando alguem.


Aonde foram elles ?


2.º DESCONHECIDO.


O estado actual é muito differente : lusos e bra- sileiros têem-se extremado.


MILITAR, com escarneo.


Sim... graças á vossa mistura de sangue.

RAPHAEL, voltando-se vivamente.


Chama-nos então.... mestiços ?


MILITAR.


Póde entender como quizer.


RAPHAEL.


Mestiços ! Ah ! meu bravo, a vós outros cabe metade da injuria. Tomai-a ! (Animando-se) Não vos envergonhais de lançar-nos em rosto consequencias do crime por vós praticado ? Por vós, que tendes feito da America um pelourinho? Por vós, que não podendo obrigar o indio a cultivar a terra de que o despojastes, ídes procurar além dos mares servos mais obedientes e mais vís?–Quaes serão os que, ainda não satisfeitos com a exploração infame dos sentimentos do amor e da paternidade, não desde- nham fecundar o leito da escravidão ? Somos nós, de certo.–Sois generosos em demasia : não o achais, senhores ?


MILITAR.


Bravo ! Está fallando como um lettrado.... mas não me admiro : parece-me interessado na causa que advoga com tanto calôr.


RAPHAEL, sério e contendo-se.


Basta de insolencias, senhor. Se o seu trajo não é um disfarce, dirijo-me a um militar ; eu trago tãobem uma espada que ganhei na Cisplatina. Quer dar-me a honra de vir commigo ?


2.º DESCONHECIDO.


Mestiços a nós.... que insulto !

MILITAR.


Nunca recusei um desafio. Se bem que proposto por um inferior.... Vamos !


RAPHAEL.


Tende a bondade de seguir-me. (Vão-se).


2.º DESCONHECIDO.


Que tal lhe parece esta ? (Para o 1.º).


1.º DITO.


As affrontas não me admiram. Estes lobos de boa vontade nos estrangulariam, se o seu poder chegasse a tanto.


UM HOMEM DO POVO.


Viva o nosso bravo sargento !


UMA MULHER.


Que fez elle ? Como se chama ?


O HOMEM.


Raphael Proença. E' meu conhecido, e acaba de desafiar um atrevido mata-mouros que estava a apouquentar-nos, á nós Brasileiros. Lá está se ba- tendo, Deus o ajude.


A MULHER.


Oh meu Deus ! Vou já correndo contar isto á minha chará. (Vai-se).

1.º DESCONHECIDO.


Verá como a noticia espalha-se em pouco tempo por todo este povo.


2.º DITO.


Basta que as mulheres entrem nisso. (Afastam-se. Vai-se levantando um borborinho no povo).


SCENA IX.


LUIZA E VICTORINO.


LUIZA.


Paremos aqui : o mano não póde tardar.


VICTORINO.


São dez horas, e o povo cresce cada vez mais e fica desassocegado. Dizem cada mentira ! Uns fallam em recrutamento ; outros em levante dos portuguezes, inimigos do nosso principe, que Deos conserve por muitos annos....


LUIZA.


Cousas sem pé nem cabeça.


VICTORINO.


As cousas sem pés são as que andam mais, e as que perderam a cabeça mais presumem de ter in- teirinho o miôlo.–Dona Luiza, está vendo aquelle su- jeito pimpão, que ali passa com chapéo amarro- tado e uma casaca do tempo de Martim Affonso ?

LUIZA.


Estou vendo. Quem é ?


VICTORINO.


Sem mais nem menos é aquelle a quem devo a honra de vir a este mundo, posto que por decen- cia chamem-me filho de pais incognitos. O que há muito nesta terra são pais de filhos incognitos, se- meadores que não colhem. Este bom velho creio que nunca pensou na minha existencia, e eu dei- xo ficar a cousa assim, porque não desejo herdar o seu chapéu amarrotado, nem a sua casaca decré- pita. (Redobra o tumuto na multlidão).


SCENA X.


OS MESMOS E A MULHER DE HA POUCO.


LUIZA.


Olhe, Victorino, como o povo está amotinado. O que será aquillo ?


A MULHER.


Não sabe então, minha flôr ? Eu lhe conto. E'|um desafio que houve entre um sargento....


VICTORINO.


Um sargento !


A MULHER.


Sim, é um guapo sargento, bravo como um leão.

Desafiou uma duzia de soldados, dos portuguezes, e lá estão malhando.


VICTORINO.


E como se chama elle ?


A MULHER.


Ora, deixe-me lembrar.... Raphael Proença.


LUIZA, atemorizada.


Meu irmão !


A MULHER.


Ah ! é seu irmão ? Pois saiba que é um valente homem. Até logo : vou correndo contar isto ao meu compadre. (Vai-se apressada).


VICTORINO, anciado.


Espere um pouco, mulher. Conte-me onde elles estão.... (segue-a correndo ; grande reboliço do povo).


LUIZA.


Victorino, aonde vai ? Não me deixe só, por pie- dade ! (Uuma onde de povo envolve-a, cáe). Me acudam ! (Musica).

SCENA XI.


LUIZA E AYRES.


Confusão. O povo afasta-se e deixa vêr Ayres, que traz Luiza desfallecida para o meio da scena. A agitação vai cessando gradualmente.


AYRES.


Oh meu Deos, quasi a suffocaram. Que linda ca- beça ! Vou conduzi-la para alguma casa, até que recobre os sentidos.


LUIZA, tornando a si.


És tu, Victorino ?


AYRES.


Não, mas creia que é um amigo. Sente-se melhor,|menina ?


LUIZA, confusa.


Sim, já estou boa : deixe-me ir procurar meu irmão.


AYRES, detendo-a.


Bem vê que isso agora é impossivel ; não se póde atravessar a praça. Diga-me aonde fica a sua casa ; para lá iremos, e em breve ter-se-há noticias.


LUIZA.


Mas deixa-lo em meio de tantos inimigos !

AYRES.


Está enganada ; eu estive presente ao desafio. O contrario de seu mano é um velho militar, um pouco teimoso, mas de excellente coração. Creio que se contentarão com cruzar as espadas.


LUIZA.


Ah ! senhor, Deus o encha de bençãos pelo que acaba de dizer-me ! já estou tranquilla. Deixe-me buscar uma pessoa conhecida com quem possa vol- tar á minha casa.


AYRES.


E porque não serei eu mesmo ?


LUIZA.


Não quero dar-lher mais esse incommodo.


AYRES.


Eu lhe chamo felicidade. Aonde mora ?


LUIZA.


Rua da Cruz preta, em uma esquina.


AYRES, batendo na testa.


Louco que sou ! Hoje é o primeiro dia que pas- so nesta cidade ; não conheço ainda as ruas. Tome a senhora mesma o caminho, e eu a acompanharei. Aqui o meu braço ; firme-se nelle.


VICTORINO, chegando.


Dona Luiza, aqui estou.

LUIZA.


Ah, Victorino, não pensava que fosse assim ! A não ser.... este senhor, ficava eu hoje pisada por todo esta gente.


VICTORINO.


Agradeço muito a elle os seus fovores, e peço perdão á senhora : mas quando ouvi fallar que o padrinho estava cercado de inimigos, não pude dei- xar de acudir.


LUIZA.


Encontrou-o?


VICTORINO.


Sim. Houve intervenção da policia e tudo aca- bou por duas cutiladas.


AYRES.


Senhora, vejo que já não necessita do meu pres- timo : bem a pezar meu, deixo a sua companhia. O que me consola é que, graças a esta noite, por algum tempo lembrar-se-há de mim.


LUIZA.


Como de um amigo generoso, a quem devo tal- vez a vida. Vamo-nos, Victorino. Deus o guarde, senhor, e o felicite pelo bem que me fez.


AYRES.


Felicitar-me !... ah ! bem o podia a senhora, sem recorrer a Deus ! (Pausa. Luiza e Victorino partem).

SCENA XII.


AYRES, só.


(Seguindo Luiza com os olhos). Rua da Cruz pre- ta, em uma esquina.... Heide vê-la ainda uma vez. (Pensativo). E' tão formosa ! (O movimento do povo tem cessado : a musica repete o hymno constitucional. Cáe o panno).


FIM DO PROLOGO.