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Saudades do escravo

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Escravo—não, não morri
Nos ferros da escravidão;
Lá nos palmares vivi,
Tenho livre o coração !
Nas faces ensanguentadas
Sinto as torturas de cá;
D'este corpo desgraçado
Meu espirito soltado
Não partiu—ficou-me lá !...

N’aquellas quentes areias
N’aquella terra de fogo,
Onde livre de cadeias
Eu corria em desafogo. . .
Lá nos confins do horisonte
Lá nas planicies. . . nos montes. . .
Lá nas alturas do ceo. . .

De sobre a matta florida
Esta minh’alma perdida
Não veio— só parti eu.

A liberdade que eu tive
Por escravo não perdi-a;
Minh’alma que lá só vive
Tomou-me a face sombria,
O zunir de fero açoite
Por estas sombras da noite
Não chega, não, aos palmares!
Lá tenho terras e flores. . .
Minha mãe... os meus amores. . .
Nuvens e céus. . . os meus lares!

Não perdi-a—que é mentira
Qu’eu viva aqui onde estou;
A' toda hora suspira
Meu coração—p'ra lá vou!
Oiço as féras da floresta,
Em feia noite como esta
Enchendo o ar de pavor!
Oiço, oh! oiço entre os meus prantos
Além dos mares os cantos
Das minhas aves de amor!

Oh nuvem da madrugada,
Oh viração do arrebol,
Leva meu corpo á morada
D'aquella terra do sol!
Morto embora nas cadeias
Vai poisal-o nas areias
D’aquelles plainos d’alem,
Onde me chorem gemidos,
Pobres ais, prantos sentidos,
Na sepultura que tem!

Escravo—não, ainda vivo,
Inda espero a morte ali:
Sou livre embora captivo,
Sou livre, inda não morri!
Meu coração bate ainda
N’esse bater que não finda;
Sou homem—Deus o dirá!
D'este corpo desgraçado
Meu espirito soltado
Não partiu—ficou-me lá!

São Paulo—1850.