Saudai-o agora à margem do caminho

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I


Saudai-o agora á margem do caminho
No marco extremo o viajor dormido!
Saudai-o!—d’este mundo apodrecido,
Vede-o, buscando a luz do excelso ninho! . . .
Cedro que o vento derrubou na poeira,
Tribuno que despiu purp’ra e arminho,
Soldado que morreu juncto á bandeira!

Do vulto gigantesco a sombra agora
Perdeu-se na infinita escuridade. . .
Na ampulheta de Deus—na eternidade
Não vale o tempo, não se conta uma hora!
Saudai a estrella que surgiu nos ceus,
O coração que ergueu á liberdade
Epinicios de amor, louvando a Deus.

No viço do poder— eil-o tombado
Como o cedro do viso da montanha;
Bateu-lhe o coração na dor tamanha
E o espirito exultou no ceu doirado!
Rico de inspirações no vôo ardente
Nas azas do prazer viram-no alado,
—Inda o mesmo ao morrer— inda mais crente !

Oh não manchou a tunica brilhante
No feio tremedal—na apostasia!
Não cuspiu a derrota. . . elle sorria
Vendo a face do sol no gyro ovante!
Não foi dos entes vis, que em praça impura
Vendem a alma à fortuna triumphante,
E perjuram ao pé da sepultura!

Elle não!—a bandeira immaculada
Guardou-a inteira no fervor da fè;
Na beira do sepulchro—a mesma—em pé,
Santa como ondeou—lá está cravada!
Grande no povo, no fulgor da crença,
Deixou de chofre a terrenal morada,
E banhou-se feliz na luz immensa!

II


Maldicto o ser desgraçado
Que do altar quebrou a imagem,
Que seu preito de homenagem
Viu por preço vil comprado!
Maldicto !—fique a lembrança
Como o symb'lo do peccado
No Calvario da esperança !

A estatua nua e sem côr
Ergam sobre um mausoleo ;

O braço que não tremeu
Trema agora de terror!
Seja ahi que o mundo o ponha,
Emblema triste da dòr
Na solidão da vergonha!

Lá nas fundas sepulturas
Os ossos hão de ranger;
Ha de a caveira dizer
D’aquelles sombras escuras:
—Judas, Judas, não te visto,
Vai teus serviços vender,
Tu que já vendeste a Christo!

Soldado da liberdade
Beijaste humilde a poeira,
Não renegaste a bandeira
Nas horas da tempestade
Viste os braços de uma cruz
E ás portas da eternidade
Inda avistaste essa luz!

Não foste, pobre mendigo,
Catando as flores da estrada
Mostrar a mão recheada
Pelos campos do inimigo;
Fechando o livro da historia,
Os puros louros do amigo
Altar ao Deus da victoria.

Sentinella no teu posto
Tiveste o mesmo logar,
—Nos degraus do mesmo altar,
—Do mesmo leito no encosto :
Hoje conservas no chão
A mesma luz no teu rosto,
A mesma fé na feição!

No Feio do teu partido
Pregador do povo-rei
Os mandamentos da lei
Soaram no labio ungido!
Oh dos tens na lucta immensa
Levaste, nobre vencido,
O sentir, a idéa, a crença!

III


Quantas vezes sincera a voz chorosa
Soltou os tristes psalmos da desgraça?!
Quantas vezes da dôr n'amarga taça
Viu o pranto ferver n’alma anciosa?!
Ai! que valem, meu Deus, pobres sorrisos ?!
Cresce do abysmo á borda a flor mimosa,
Si a lagrima nao cae choram os risos!

No tropel das paixões, que os homens leva,
Tranquilla a face á masc’ra que nos mata;
Vasando flores a fortuna ingrata
No meio do festim as furias ceva!
A noite surge... lá descamba o astro,
E a tempestade que no ar se eleva
Deixa-o morrer, si não lhe apaga o rastro !

Gloria, que vales tu?—prantos á flux;
Ergues junto da forca um capitolio,
Ao pé do cadafalso um rico solio
E em teus salões o pedestal da cruz!
Tens o aroma da flor, da flor o espinho,
Em teu seio o clarão de treda luz
Em teus jardins os cardos do caminho !

IV


Eil-o tão mudo ali!—voltou de novo!
Ao pó d’onde sahiu—juncto ao cypreste !

Morto como viveu—honras não veste,
Dorme como nasceu—homem do povo!
Ha grandezas ahi... saudai a cruz !
Surge sempre da campa algum renovo,
—Do sangue a vida, do supplicio a luz.

Da terrestre prisão, quebrando os laços,
Poiso foi procurar na eternidade,
Como no turbilhão da tempestade
Doideja a aguia perdida nos espaços !...
Viu dos livres o sol... viu o clarão
Da Providencia além.. . abriu seus braços,
Grande n’alma, fiel no coração!

Saudai-o ! da tribuna o heroico vulto
Baixou c'roado aos angulos de uma campa;
Ao sol grandioso que no mar se estampa
0 Novos preitos rendei, rendei-lhe culto !
Saudai o lidador sobre a poeira...
Vingue-se a gloria do terrestre insulto,
Cubra-lhe a campa liberal bandeira!

1858.