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Scientiae Studia/Volume 11/Número 3/As biografias históricas de Santos Dumont

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As biografias históricas de Santos Dumont

Valdir Ramalho

Introdução

Sobre muitos vultos da história brasileira escreveram-se de três a cinco livros biográficos, senão menos. Todavia, há mais de três dezenas a respeito de Alberto Santos Dumont. Evidentemente, há curiosidade maior, ou mesmo fascinação, por quem foi e o que fez esse pequeno grande homem brasileiro (ele era notado por ser baixo e franzino). O objetivo deste trabalho é auxiliar pesquisadores e professores de ciências sociais e história que pretendem se aprofundar no estudo de Santos Dumont e de um episódio da história da tecnologia. Para servir de guia aos interessados, apresenta-se aqui o resultado de uma pesquisa das biografias históricas do grande aeronauta. São clássicas no sentido de que foram as primeiras, tendo servido de roteiro e fonte para as posteriores. Listam-se por ordem cronológica e comentam-se essas obras, abordando brevemente virtudes e deficiências. Para o leitor sem familiaridade com o assunto, a próxima seção deste artigo dá indicações de bons livros recentes.

O principal período de interesse, o das primeiras biografias, é 1935-1953; contudo, anos anteriores e posteriores também são abordados seletivamente, cobrindo-se possivelmente quase todos os primeiros livros biográficos sobre Dumont, além de material correlato. Foram deixadas de lado várias obras sem qualquer promessa de conteúdo original. Algumas são textos de palestras solenes por ocupantes de altos cargos governamentais no momento, ou por obscuros professores, proferidas quase sempre em alguma data comemorativa. Outras são obras para o público juvenil, ou textos para escola de grau fundamental ou médio, e têm seu valor estritamente dentro desse contexto. Estão fora do escopo deste trabalho porque não costumam ter novidade, limitando-se a recontar — ainda que com valor literário, educativo ou cerimonial — o material de umas poucas biografias conhecidas. Também deixou-se de lado o que não aborda vida ou obra do grande patrício dos ares — como histórias da aeronáutica em geral, livros e periódicos franceses das primeiras décadas do século XX, textos de controvérsia sobre prioridade de voo e relatos ficcionais. Apenas de passagem há breves menções de uns poucos casos.

1 Alguns livros recentes

Para conveniência do leitor que não tenha intimidade com o assunto, citemos alguns bons livros recentes, sem pretensão de levantamento completo. Uma introdução sólida é Santos-Dumont: o homem voa, de Henrique Lins de Barros (2000). Também é valiosa Alberto Santos-Dumont: o pai da aviação, de Fernando Hippólyto da Costa (2006), que reorganiza, em formato com maior beleza gráfica, material de seu livro mais antigo de 1982 e 1990.

Note-se que alguns títulos põem hífen no nome do aeronauta (ausente na forma legal do nome). Eles seguem a prática do próprio aeronauta (aparentemente para não ser chamado, na França, só de Dumont, um nome muito comum). Neste artigo é posto o hífen somente quando aparece no título de alguma obra. Também se mantém a grafia do português da época nos títulos de obras antigas.

Entre as obras com mais conteúdo, e mesmo assim agradáveis de ler, destacam-se Alberto Santos-Dumont: novas revelações, de Cosme Degenar Drumond (2009); Santos-Dumont e a invenção do vôo, obra ricamente ilustrada de Henrique Lins de Barros (2003); a nova edição do livro do escritor Fernando Jorge (2003; 2007) As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont; e o livro de Paul Hoffman (2003a) Wings of madness, lançado entre nós como Asas da loucura (2003b).

É gratificante constatar que esses autores se esforçaram para localizar material histórico e, na medida do possível, melhorar a visão que temos de Santos Dumont. Sobre ele e sobre sua família, fornecem dados e detalhes que não constavam nas obras tradicionais. Cosme Degenar Drumond estudou minuciosamente arquivos em mãos de descendentes do aviador. Lins de Barros foi buscar documentos franceses da época crucial no início do século XX. Fernando Jorge — que é veterano, sendo de 1973 a primeira edição de seu livro — levantou livros de memórias e biografias de pessoas que conheceram o aviador no período final da vida. Hoffman recorreu a jornais e revistas em inglês da época, como o New York Herald, a Century Magazine, a McClure's Magazine, explorando fontes esquecidas até então.

Vale a pena apreciar a excelente coleção de fotos, recuperadas com técnicas recentes de informática, organizada e apresentada por João Luiz Musa, Marcelo Breda Mourão e Ricardo Tilkian (2001) em Santos-Dumont: eu naveguei pelo ar. As fotos são nítidas como se tivessem sido tiradas hoje.

Uma das lendas sobre Santos Dumont é que, em 1910, ele teria recebido o diagnóstico de esclerose múltipla. Biografias recentes tendem a repudiá-la, interpretando a maturidade do aviador como sujeita a frequentes crises de depressão. É o que faz Cosme Degenar Drumond (2009). Entre os primeiros a fazê-lo estão dois atraentes livros de 2006: Santos Dumont, bandeirante dos ares e das eras, por Paulo Urban e Homero Pimentel, e Santos-Dumont: um herói brasileiro, por Antonio Sodré.

Um livro por Nancy Winters (2000), O homem voa! A vida de Santos-Dumont, o conquistador do ar, primeiramente lançado em Londres em 1997, segue as biografias tradicionais. Todavia, dedica certo espaço ao tema do relógio de pulso, que teria sido criado por Louis Cartier e presenteado ao amigo Dumont. Não menciona evidência histórica. Tem aspecto agradável porque as fotos e desenhos acompanham o texto.

A obra de Cosme Degenar Drumond de 2004, Asas do Brasil, não visa biografar o grande aviador, embora tenha um capítulo com bom resumo de sua vida e obra; é uma excelente história da aeronáutica brasileira, com ênfase na aviação militar e na indústria. Lins de Barros, em seu livro de 2006, Desafio de voar, que conta a história dos pioneiros brasileiros da aeronáutica anteriores a Santos Dumont, inclui um resumo da vida dele. O livro é abundantemente ilustrado e tem belas fotos históricas muito bem recuperadas.

Não é uma biografia o livro Santos-Dumont o inovador, de 2006, por Adriano Batista Dias, que discorre sobre que inventos pode-se atribuir ao aeronauta. Como até agora, ao que se saiba, historiadores brasileiros da tecnologia não fizeram estudos da evidência tecnológica relativa às origens daqueles inventos, Dias recorreu ao material das biografias clássicas de Dumont e de textos recentes na Internet.

Sobre o aviador há também várias novelas. Elas combinam nomes reais e dados históricos com elementos fictícios, desde personagens secundários a encontros, falas e eventos. As mais conhecidas são a de Márcio Souza de 1986 (O brasileiro voador) e a de Alcy Cheuiche de 1998 (Nos céus de Paris). Elas têm seus próprios atrativos, embora o leitor não possa distinguir o que é fato do que é invenção do escritor. Apreciá-las foge ao escopo deste artigo, todavia, por sua peculiaridade, merece menção o livro de 2006 por Salvador Nogueira, Conexão Wright — Santos-Dumont. A perspectiva de seu texto é bem diferente. Vai além do aviador, abordando os 13 a 20 pioneiros da aviação na década crucial em começo do século XX. Isso é uma tentativa rara no Brasil, fruto de pesquisa mais extensa que a usual nos biógrafos.

2 Biografias clássicas

As biografias clássicas fornecem importante material informativo para os trabalhos biográficos posteriores. Estes derivam daquelas o roteiro geral da vida do nosso aeronauta, bem como aproveitam os principais dados, com os acréscimos de pesquisa pessoal de cada autor. Quem quer que tenha convivido com o aeronauta em sua época de realizações, ao mesmo tempo gozando de sua inteira confiança, foi, com o passar do tempo, perdendo chances de expor informações. A última oportunidade aproveitada foi o livro Quem deu asas ao homem, por Henrique Dumont Villares, sobrinho do aeronauta. Assim, parece razoável especificá-lo como a última biografia clássica. Fazia então 43 anos que o grande aviador abandonara as atividades aeronáuticas e 21 anos que falecera. As biografias bem pesquisadas que vieram logo em seguida são de 1962 (a de Peter Wykeham) e 1973 (a de Fernando Jorge), quase dez e vinte anos depois de Villares.

Pouco se conhece sobre o que foi publicado por revistas e jornais brasileiros antes do falecimento de Dumont em 1932. Mereceram destaque o artigo de Ernesto Sena "Santos Dumont íntimo" na revista A Avenida de 10 de outubro de 1903 e o relato sobre o voo do 14-bis no Almanaque Brasileiro Garnier para o anno de 1908 (grafia original). Sena traça um bom perfil do aeronauta, com uma descrição física de sua pessoa, como se vestia, como se sentava ou caminhava, tiques nervosos, modo de sorrir, pequenos hábitos, e assim por diante. O acesso mais fácil a seu texto é a transcrição feita pela quarta edição do livro de Gondin da Fonseca (1967); Fernando Jorge (2003) cita os principais trechos. Da época anterior a 1932, há 6 livros brasileiros ou franco-brasileiros que são referidos por biógrafos. Um livrinho ou folheto anônimo, dois livros de autoria de Santos Dumont e os livros publicados por Horácio de Carvalho, por Ribas Cadaval e pelo capitão-tenente Jorge Moller. Não são livros biográficos, embora sejam documentos importantes para biógrafos e historiadores.

O folheto de autor anônimo (1901) A conquista do ar pelo aeronauta brasileiro Santos-Dumont aborda dois temas: primeiro, um pouco da história do pai de Santos Dumont; depois, os dirigíveis possuídos e pilotados pelo aeronauta até sua entrada na competição pelo prêmio Deutsch (para voo de balão dirigível em torno da Torre Eiffel). Tem uns poucos dados da história pessoal de Santos Dumont, embora com erros. Henrique Lins de Barros (2003) beneficiou enormemente os leitores do seu Santos-Dumont e a invenção do voo, ao reproduzir aquele histórico folheto.

Ninguém procurou descobrir quem escreveu o folheto, com que motivação, e em que circunstâncias. O título é propositalmente ambíguo (aparece quebrado em mais de uma linha, com "pelo Aeronauta" abaixo em letras bem menores, e "Santos-Dumont" no lugar que seria do nome do autor), induzindo a pensar que o próprio aviador narra sua conquista do ar. Por isso, o livro é às vezes referido como de autoria de Dumont. Contudo, o texto interno dá indicações de que ele não seria o autor: refere-se ao aviador na terceira pessoa; faz contínua louvação a sua pessoa; e a certa altura o autor não identificado diz que foi recebido pelo aeronauta.

O livro de Horácio de Carvalho (1901) Navegação aérea concentra-se nos episódios (recentes para quando foi escrito) do período desde o início das atividades do aeronauta até sua conquista do prêmio Deutsch. É bom documento quanto a isso, embora apenas repita o que se encontra em muitas publicações francesas da época. Há pouco sobre a pessoa e sobre o passado de Dumont.

Na primeira década do século XX havia um efervescente interesse da população francesa por esporte aéreo e aeronáutica, publicando-se muitos livros e revistas sobre eventos, personalidades, aparelhos aéreos e técnicas. A existência desse mercado permitiu a Dumont, que era um desportista famoso e amado, lançar em 1904 em Paris um livro intitulado Dans l'air (Dentro do ar). Houve edições em inglês, também de 1904, em Londres (My airships: the story of my life) e em Nova Iorque (My air-ships, com hifen e sem subtítulo); e edição alemã de 1905 (Im Reich der Lüfte). Em 1938 foi feita entre nós uma edição em português, com o título Os meus balões. A prestigiada editora Dover republicou o livro em inglês em 1973, com prefácio do biógrafo Peter Wykeham.

Não narra a vida do aeronauta, embora às vezes seja referida como autobiografia. Tem poucas e vagas menções à infância e juventude. Concentra-se em sua experiência aérea entre 1898 e 1903, dedicada à aerostação (voos em balões) na França, vivida dos seus 25 aos 30 anos. Dada a época, muito do que diz poderia ser colhido nos livros e periódicos franceses, com a exceção importante de breves indicações da imagem que o aeronauta fazia de si mesmo. Essas indicações, bem como o sumário de realizações, formaram a parte principal do roteiro das biografias clássicas.

O livro de 1911 Tratado de aeronáutica: navegação aérea, do aeronauta (isto é, balonista) José Ribas Cadaval, nascido em 1863, é uma obra técnica; contudo, tem fotos e diversas menções a balões e aeroplanos (isto é, aviões primitivos) da época, bem como a seus pilotos e idealizadores. Dedica aos aeroplanos de Santos Dumont três páginas sobre o 14-bis (p. 245-247) e uma sobre o Demoiselle (p. 272). Nelas nada informa que não apareça melhor em diversas outras obras. Além disso, há alguns erros sérios. O livro Aeronáutica militar — aerostação, publicado em 1912 pelo capitão-tenente Jorge Moller, aviador da marinha brasileira, também é uma obra técnica. Faz menção a Dumont de passagem.

Tendo-se aposentado de atividades aeronáuticas e vindo residir no Brasil, Dumont publicou em 1918 um segundo livro, O que eu vi, o que nós veremos. Nele há algumas notas autobiográficas e reflexões sobre aeronáutica. Contudo, as notas quase sempre recontam (e de forma igualmente curta e vaga) eventos já narrados no primeiro livro. Como este, é útil pelas indicações da imagem que o aeronauta fazia de si mesmo.

Não se conhece biografia de Dumont que tenha surgido antes de sua morte. Manoel Ferreira de Almeida publicou em 1929, no número 93 da Revista Polytechnica de São Paulo, um texto de 19 páginas intitulado "Uma glória mundial: Alberto Santos Dumont", do qual existem separatas (folhetos). Nele não há informações biográficas, nem análise técnica de obras de Dumont, apesar de o autor ser engenheiro civil. O texto visa louvar a pessoa do aeronauta e além de elogiá-la empregando as mais diversas combinações de adjetivos, conclama os leitores a promover a glorificação nacional por meio de um culto patriótico de Dumont.

3 Biografias dos anos 1930

Poucos meses após o falecimento de Dumont, surgiu em 1932 o folheto de Fausto de Almeida Penteado, Santos Dumont. Sua vida, seus feitos, sua glória. Apesar do título, não deve ser considerado uma das biografias clássicas, pois informa muito pouco sobre a vida de Dumont. Reproduz uma conferência pronunciada no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 25 de outubro de 1932. O texto é curto, impreciso, repleto de frases altissonantes, mas com poucos dados, vários errados; talvez seja útil, para pesquisadores, somente por mencionar nomes de alguns parentes de Dumont, uma vez que é difícil resenhar a família do aeronauta.

Tudo indica que o primeiro livro biográfico a surgir foi Vida de Santos Dumont (1935), por Ofélia Fontes e Narbal Fontes. Os escritores Ofélia (nascida em 1902, falecida em 1986) e Narbal (nascido em 1899 e falecido em 1960) escreviam livros infantis e didáticos para o ensino primário, tendo deixado uma vasta obra. A biografia, porém, é um texto para o grande público. No que concerne a suas fontes de informações, não apresenta referências a documentos, artigos, obras ou pessoas informantes, exceto menções aos livros do próprio aviador. Frequentemente romanceia, atribuindo a Santos Dumont pensamentos e diálogos que não se encontram nos livros dele, nem parece que haja fontes de informação para os mesmos. Na verdade, romanceia para suprir a falta de informações, sobretudo da infância do aeronauta. Não menciona locais e datas de muitos dos eventos que narra; nisso é evidentemente prejudicada pelos livros de Santos Dumont, os quais lhe servem de roteiro básico. Contudo, não se limita a estes, obtendo algumas informações adicionais, especialmente para compor a vida do biografado antes dos 25 anos e depois dos 40 (período não coberto pelos livros de Dumont).

Tem a qualidade de fornecer um panorama geral da vida de Santos Dumont, abrangendo as três grandes fases: infância e juventude, época de realizações no ar, aposentadoria do ar. Todavia, o texto dedica-se sobretudo a tecer louvação a uma figura idealizada, em vez de expor um retrato de pessoa real, com defeitos e frustrações. Isto se casa com o estilo rebuscado, verborrágico e povoado de imagens, em vez de ser descritivo e literal. Uma reimpressão feita em 1956 corrige alguns erros; porém, como o texto de 1932, ainda insinua que Dumont morreu do coração (apesar da informação de suicídio já ter sido dada em um livro sério, o de Gondin da Fonseca de 1940).

Também em 1935 surgiu Vencendo o azul, de José de Oliveira Orlandi, que posteriormente ficou conhecido como historiador da aeronáutica. Não é uma biografia, mas um texto infanto-juvenil que resume a história da aeronáutica e apresenta um breve retrospecto dos feitos de Dumont na fase de sua vida em Paris (sem novidades, comparado aos outros livros). Para um pesquisador hoje, quase nada tem de valor, excetuando-se breve bibliografia da história da aeronáutica e referências a reportagens de jornais brasileiros sobre visitas de Dumont ao Brasil.

No final deste mesmo ano de 1935, o Touring Club do Brasil promoveu um concurso de escritos sobre aeronáutica a serem lidos em escolas de crianças e adolescentes. Os textos premiados nesse pomposa e imerecidamente chamado "Concurso de theses" foram publicados em folhetos de 1936. Entre eles está (grafia da época) O pae da aviação, de 6 páginas, por Arthur de Miranda Bastos, que fornece poucos dados biográficos (hoje muito conhecidos) e contém alguns erros. O alvo de público infantil talvez explique seu estilo indigente. Outros títulos chamativos, mas também textos pobres de espírito, são A aviação e o Brasil, de Abel Pereira Leite (4 páginas) e A conquista do ar, de Lia de Lourdes Portella (6,5 páginas). Fora uns poucos dados banais, nada se encontra neles de relevante sobre Dumont ou a história da aviação.

O livro de Lysias Rodrigues (1937) História da conquista do ar faz um levantamento geral de fatos e pessoas na história dos balões e dirigíveis. Não é uma biografia de Santos Dumont; apenas contém um trecho sobre ele, mencionando os principais fatos já conhecidos.

Em 1938 foi publicado Os meus balões, tradução para o português de Dans l'air, o primeiro livro de Dumont. Arthur de Miranda Bastos, o tradutor, escreveu uma curta biografia do famoso aviador na introdução, além de ter acrescentado notas de pé de página biográficas. Não é fácil encontrar a edição de 1938, sendo mais facilmente disponível o texto reimpresso em 1973; neste, a introdução foi alterada e ampliada, passando a fazer referências identificáveis como posteriores a 1938. Bastos (1938, p. 19-20) teve a oportunidade de conversar com Virgínia, uma irmã do aviador, com os filhos dela, Arnaldo, Margarida e Jorge, bem como com Ricardo Severo, um cunhado do aeronauta. Pouquíssimos biógrafos estiveram em condições tais que permitiriam fazer um apanhado da infância e juventude do grande Alberto, sem falar de outros dados. Porém, Miranda Bastos não aproveitou a oportunidade e não se interessou em obter mais informações. Na prática, seu trabalho também se baseou sobretudo nos livros do famoso aviador. No pouco que sua biografia acrescentou em relação a Fontes e Fontes (1935), destaca-se a divulgação dos nomes corretos dos irmãos e irmãs do aeronauta (bem como suas datas de nascimento).

João Luiz Job, que é mencionado por outros autores como historiador da aeronáutica, lançou Vôo sem motor em 1939. Mas este, embora mencione Dumont em algumas passagens, é um livro de técnica de voo.

4 Biografias dos anos 1940

Em Aeronáutica brasileira, de Domingos Barros (1940), há um capítulo biográfico de Santos Dumont, mas de má qualidade. O mérito deste livro é ser um dos pouquíssimos que dão informações sobre o pioneiro brasileiro dos balões Augusto Severo de Albuquerque Maranhão (nascido em 1864, falecido em 1902).

Dos livros biográficos clássicos, Santos Dumont, escrito por Gondin da Fonseca (1940), é de longe o melhor. Resultou de um esforço sério de pesquisa (todavia por alguém, ao que parece, sem qualquer formação acadêmica ou científica de pesquisador). Fonseca (nascido em 1899, falecido em 1970) recorreu a livros do início do século, a alguns jornais, e parece ter conversado com pessoas que conviveram com o aviador. Talvez como resultado dessas conversas, e possivelmente também devido à perspicácia e maturidade do escritor, foi-lhe possível traçar um perfil psicológico de Santos Dumont. Posteriormente não se conseguiu acrescentar grande coisa ao retrato da personalidade de Santos Dumont pintado por Fonseca – embora não se deixe de aprender alguma coisa em trechos interessantes nas biografias por Pollilo (1950) e por Jorge (2003).

A segunda edição de Fonseca (1940), surgida no mesmo ano, é praticamente uma reimpressão da primeira, exceto por pequeno e irrelevante prefácio adicional. O corpo da terceira edição (1956) difere da primeira por um novo prefácio; pela ampliação do trecho em que contesta (e, sobretudo, xinga) os irmãos Wright; e pelo surgimento de dezenas de notas ao final (antes só havia três), em troca da supressão de um índice onomástico. A quarta edição (1967) difere da terceira por eliminar os diversos prefácios, exceto aquele intitulado "Desabafo"; e por acrescentar, no final, reprodução do artigo de Ernesto Sena "Santos Dumont íntimo" (p. 380-3) e texto de Augusto de Lima Júnior (p. 383-8). Este, aparentemente inédito, é um sumário da vida de dois homens empreendedores em Minas Gerais do século XIX, o pai e o avô materno do aeronauta.

O esforço de Fonseca é talvez o maior e o mais útil que já se fez para conhecer o aeronauta. Depois, esforços adicionais, por outros autores, resultaram em boas biografias, mais atualizadas e melhores sob certos ângulos; mas todas elas plantaram no terreno que Fonseca preparou. Além disso, o mérito do livro é tal que ainda hoje pode ser lido com proveito. Todavia, tem um contraste paradoxal entre o trabalho biográfico de qualidade e o nível rasteiro da discussão sobre os Irmãos Wright; para Fonseca, que fez carreira de escritor como um nacionalista exarcebado, todos que serviram de alguma maneira para dar crédito àqueles irmãos são simplesmente patifes e "vendidos"; até a uma pitada de anti-semitismo Fonseca recorre.

O livro de Alexandre Brigole (1941) Santos-Dumont: o pioneiro do ar, também lançado em inglês em 1943, é um sumário de parte da vida do biografado, inferior ao de Fontes e Fontes (1935) e, mais ainda, ao de Fonseca. O pouco que acrescenta são sua beleza gráfica e as fotos.

No mesmo ano, o diplomata Aluizio Napoleão (1941) lançou o seu Santos Dumont e a conquista do ar. Este é montado, em parte, com base nos livros do aeronauta, os quais cita ou parafraseia com frequência e, por outra parte, com base em dados de revistas e jornais franceses, também muito citados. Completa as informações recorrendo a Fontes e Fontes (1935) e a Fonseca (1940). O texto é interessante e tem um perfil próprio, estando longe de ser fortemente baseado em Fonseca, muito menos plágio, ao contrário do que insinua o próprio Fonseca. Todavia, é verdade que, em termos de dados concretos, pouco ou nada acrescenta sobre Santos Dumont em relação ao trabalho de Fonseca. Cabe notar que desenvolve uma tentativa mais séria de desqualificar os irmãos Wright – à base de duvidar de informações sobre eles, em vez de chamar de patife quem as prestou.

Aluizio Napoleão também organizou o livro do Ministério das Relações Exteriores (Brasil, 1941), Documentos e depoimentos sobre os trabalhos aeronáuticos de Santos Dumont — que foi reimpresso em Napoleão (1988), ocupando metade do volume. Em sua maioria, os documentos exibidos no livro são relatos jornalísticos para o grande público, retirados de periódicos como L'Illustration, La Nature, Je Sais Tout, Le Petit Journal, Le Matin, The Illustrated London News e outros.

Os depoimentos são trechos de livros estrangeiros de história da aeronáutica. Foram selecionadas passagens que exaltam Santos Dumont ou que expõem fraquezas relativas à trajetória dos irmãos Wright (em vários casos, passagens de livros que, em páginas não reproduzidas, testemunham em favor dos irmãos Wright).

O mérito do livro é dar ao leitor brasileiro acesso a uma literatura que, de outra forma, a pobreza das nossas bibliotecas não permitiria tê-lo. No entanto, ao coletar-se sistematicamente material no exterior, teve-se uma oportunidade de levantar documentos que contribuíssem para esclarecer que papel Santos Dumont desempenhou na história da tecnologia aeronáutica. A oportunidade não foi aproveitada, e o livro nada contribui para tal. Napoleão reproduziu notícias repetitivas de jornais, bem como trechos superficiais e mal-feitos de enciclopédias popularescas. Em contraste, não reproduziu relatos do mais técnico e competente periódico aeronáutico, L'Aérophile, a publicação da preferência do Aero-Clube da França. De modo semelhante, deixou de buscar relatos interessantes em periódicos como La Vie au Grand Air, L'Aéronaute, L'Aéronautique, La Revue de l'Aviation, La Revue de L'Aéronautique, L'Aéro-Revue, La Revue Aérienne, L'Aérostation, L'Aéro, L'Aviation Illustrée, La Vie Automobile, Les Sports, L'Auto, L'Auto-Vélo, Le Vélo, La Locomotion, La France Automobile et Aérienne, Lecture pour Tous, La Revue des Deux Mondes, Automotor Journal. De Je Sais Tout aparece somente um relato. Enfim, o livro é em boa parte uma louvação a Santos Dumont, construído com compilação a dedo de palavras de estrangeiros.

Contudo, tem defeito grave mesmo em seu papel de engrandecer o biografado. Por um lado, não reproduz dois importantes artigos de Emmanuel Aimé, um dos competentes admiradores de Dumont: "L'histoire des dirigibles: Santos-Dumont (1898-1901)", publicado com muitas fotos em um número especial de Vie au Grand Air, que descreve em detalhe as experiências do aeronauta com seus primeiros dirigíveis; e "Portraits d'aéronautes contemporains: Alberto Santos-Dumont", publicado em L'Aérophile de abril de 1901, um retrato biográfico do grande aeronauta. Não reproduz o histórico folheto anônimo lançado em 1901 em Paris, A conquista do ar pelo aeronauta brasileiro Santos-Dumont (que nos foi brindado somente em 2003 por Lins de Barros). Tampouco reproduz o folheto de 1902 por outro admirador de Dumont, Jules Armengaud, conhecido como Armengaud Jeune, intitulado Le progrés de la navigation aérienne et les expériences de Santos-Dumont. Por outro lado, há ênfase em exibir exaustivamente notícias de que Dumont praticou certos feitos aeronáuticos, embora ninguém jamais tenha posto em dúvida que ele os fez. Ninguém também alguma vez negou que certos jornais da época descrevem o voo do 14-bis como "o primeiro" voo de um avião. A controvérsia Dumont-Irmãos Wright diz respeito a se tais jornalistas da época sabiam o que estavam dizendo; meramente reproduzir recortes desses jornais à exaustão nada contribui para resolver essa questão.

O livro contém também uma série de fotos, que obviamente são de interesse para o melhor conhecimento do aeronauta e de sua obra. Lamentavelmente, porém, a série é completamente desorganizada, tanto em termos de épocas (a ordem das fotos quase sempre conflita com a ordem temporal dos eventos) como em termos de temas (textos sobre balões são acompanhados de fotos de aviões e textos de aviões com fotos de balões).

A brazilianista Vera Kelsey lançou em 1942 seu Six great men of Brazil. Escrito para crianças, inclui uma curta biografia de Dumont, formada de chavões. Não tem nada de valor para o pesquisador ou mesmo o leitor adulto em geral.

Dois folhetos da Coleção Panair, de 1943 (A história do aeroplano, por Miranda Bastos) e de 1944 (Os primeiros passos da aviação, por Guilherme de Hevesy) são de leitura dispensável pelo pesquisador. Nada têm de útil sobre Dumont e contêm apenas uns poucos dados banais da história da aeronáutica.

Apesar dos títulos, não são histórias da aeronáutica os livros por José Garcia de Souza (A verdade sobre a história da aeronáutica, 1943; Evolução da aeronáutica no Brasil, 1945). São coletâneas de crônicas sobre assuntos aeronáuticos dos anos 1940. Não contêm biografias de Dumont. Mas o segundo contém uma bibliografia e uma coleção de fotos do aeronauta (em desordem cronológica, algumas com legendas erradas); ademais, é um dos pouquíssimos textos a mencionar, de passagem, alguns aviadores e aviões brasileiros ou no Brasil, no princípio do século XX.

Em 1944 surgiu outro livro de Lysias Rodrigues com o título Brasileiros pioneiros do ar. Cobre balões e dirigíveis, mas também aviação, ainda que brevemente. No que se refere ao grande Santos, é fraco, quase sempre fazendo transcrições dos livros dele. O mérito deste livro é ser um dos poucos a dar informações sobre outros pioneiros brasileiros dos aeróstatos, embora repetindo Domingos Barros (1940).

Aparentemente é de 1944 o livro sem data Três pioneiros do ar, de C. A. Werlang. Nele há um texto curto sobre cada um dos aeronautas brasileiros, Ribeiro de Souza, Augusto Severo e Santos Dumont, em linguagem destinada a público juvenil. Contudo, nem mesmo é um bom sumário da vida e da obra de Dumont; nada tem de original, e, mais do que isso, é um texto de conteúdo muito pobre.

Renato Sêneca Fleury lançou em 1944 seu Santos Dumont. Biograficamente ruim, é um pequeno texto infanto-juvenil, sem dados interessantes e impreciso (por exemplo, sem datas dos acontecimentos narrados).

Em 1946, Pedro de Almeida Moura lançou o seu História da aviação. A segunda edição, de 1951, aparentemente é mera reimpressão da primeira. É um texto infanto-juvenil, sem bibliografia, praticamente sem referências. Serve para iniciar o leitor em alguns nomes históricos da aviação, mas o teor informativo do livro é fraco. E, sobre o grande Santos, nada tem de novo ou diferente. Contudo, é um dos pouquíssimos textos a mencionar alguns aviadores brasileiros ou estrangeiros que, a partir dos anos 1910, voaram no Brasil.

Sem novidades, sem detalhes para o pesquisador, é o folheto Santos Dumont, genial brasileiro, com 19 páginas, por Newton Braga (1946). É um curto resumo da história conhecida; não oferece citações, referências a fontes, nem bibliografia.

Matias Arrudão lançou em 1948 seu Pequena história da aviação, com base na evidência histórica que era disponível na época, conforme pesquisa feita na biblioteca pública de Nova Iorque. Apesar da admiração e o carinho com que trata Santos Dumont, é uma das raríssimas obras entre nós que admitem a prioridade do voo dos irmãos Wright.

5 Biografias dos anos 1950

Em 1950 surgiu Santos Dumont gênio, por Raul de Polillo. Bem organizado, seu forte é que focaliza em detalhe os aparelhos do aeronauta e sua época de realizações. Contribui com alguns dados novos, entre os quais um documento com a lista de irmãos do grande Alberto. Porém, nada incorpora ao roteiro geral da vida de Santos Dumont traçado por Fonseca. Quase nada tem da infância do aeronauta, e em boa parte apega-se a trechos dos livros deste (transcrevendo-os, de fato). Apesar de tudo, tem uma interpretação própria, uma certa graça, e por isso merece ser lido.

O livro de Pierre Paquier, Santos Dumont maitre d'action, surgido em 1952 não tem informações concretas sobre o nosso aviador, exceto menções a uns poucos fatos mais conhecidos. O texto quase inteiro praticamente limita-se a afirmar banalidades sobre o aeronauta — coisas que se pode dizer de qualquer pessoa, tais como que Dumont era um homem de ação e reflexão. É suspeita a impressão que ele tenta passar de que tenha tido contato ou observado diretamente o aviador. Aparentemente, sequer consultou reportagens ou livros sobre ele.

Henrique Dumont Villares, sobrinho do aeronauta, lançou seu Quem deu asas ao homem em 1953. Quando garoto, Villares conviveu com o tio famoso, acompanhou-o em momentos importantes; porém, isso não o ajudou a traçar um perfil psicológico do magnífico Alberto, e nem sequer a mostrar que presenciou reações ou situações interessantes (talvez porque a diferença de idade e a imaturidade do garoto lhe impedissem de perceber a psique do aeronauta). Quase tudo que Villares diz foi tirado de biografias anteriores e dos livros de história de aeronáutica já consultados por Fonseca, Polillo e outros. Ademais, sendo membro da família, erra exatamente em informações sobre ela (além de erros sobre fatos aeronáuticos da vida de Dumont). O texto tem marcada tendência a idealizar Santos Dumont, pintando o retrato do homem sem defeitos.

No seu esforço, Villares acaba se contradizendo. Diz que Santos Dumont "sempre trabalhou só, não dispondo ... de corpo de auxiliares ... tinha que executar sozinho, todas as peças de sua obra" (p. 85-6). Mais adiante, porém, exibe uma fotografia da "turma fiel dos auxiliares" do aeronauta (p. 95). Ademais, esquece que os balões do aeronauta foram construídos pela firma Atelier Lachambre, enquanto que os motores eram adquiridos nas fábricas Dion ou Buchet. Nisso Dumont fazia muito bem, pois seria insensato tentar duplicar o trabalho de profissionais altamente competentes e experimentados que existiam em abundância na França.

O livro decepciona, se for julgado à luz do fato de que o autor é parente e conviveu com o biografado. Suponho que deve ter valido a pena, em 1953, por divulgar mais uma coleção de fotos do aeronauta (uma primeira coleção, com reprodução de qualidade inferior, saíra em Napoleão, 1941). Mas ressalte-se que a coleção de Villares não tem nada que a destaque em relação às coleções de meros admiradores distantes — não expõe os ângulos que seriam acessíveis a um acompanhante da pessoa do aeronauta. Quanto ao texto de Villares em inglês, Santos-Dumont the father of aviation, de 1956, é um resumo (em 63 páginas) do livro de 1953.

Pedro Mota Lima (1954) escreveu uma biografia para o público juvenil, Juventude gloriosa, baseada nos livros do aeronauta e em Fonseca (1940). É um texto romanceado, especialmente quando trata da infância de Dumont. Não traz quaisquer referências a fontes primárias, tais como conversas com pessoas, consultas a arquivos ou documentos. Não há nenhuma indicação de que o autor teve contato com parentes do biografado, e nada no livro mostra que o autor sabe mais do que o que encontrou nas biografias anteriores. Por isso, o episódio em que Lima (p. 20-1) coloca juntos os três irmãos Henrique, Luís e o pequeno Alberto, ao que tudo indica, é imaginário — o autor conta como ocorrido o que é apenas plausível que poderia ter acontecido.

O livro Alberto Santos Dumont, de Oscar Fernandez Brital (1955), quase nada acrescenta no que se refere à vida do grande aviador; resume o que encontrou em obras brasileiras, exceto no que se refere à passagem de Santos por Buenos Aires. Mas consultou publicações da época ao montar seu panorama dos aparelhos aéreos de Dumont, de modo que seus dados podem conter detalhes técnicos ignorados por outros autores.

Em 1959, o historiador José de Oliveira Orlandi foi o organizador do primeiro volume dos Anais da Fundação Santos Dumont, onde incluiu uma primeira e útil cronologia da vida do aeronauta, resumindo o que se sabia na época.

6 Biografias dos anos 1960 e 1970

O livro de Peter Wykeham (1962), Santos-Dumont: a study in obsession, com tradução francesa de 1964 e lançado no Brasil como Santos-Dumont: o retrato de uma obsessão (1966), é a primeira biografia do aeronauta escrita por um estrangeiro. Faz um bom retrospecto da vida e obra de Dumont, baseando-se, em sua maior parte, nos trabalhos brasileiros, seguindo suas interpretações, inclusive repetindo alguns dos seus erros. Mas contém informações colhidas de pesquisas do autor em material disponível na Inglaterra e sobretudo na França. Diferentemente dos autores brasileiros de até então, Wykeham teve a oportunidade de trocar ideias com eminentes historiadores da aeronáutica que faziam pesquisas em estabelecimentos na Europa. Esse é um raro caso de um livro publicado no Brasil que, embora discretamente, dá o crédito do primeiro voo aos Irmãos Wright.

Vários livros dos anos 1960 e 1970 não trazem qualquer informação adicional importante sobre Dumont nem colocam sob nova perspectiva sua vida ou sua obra, embora sendo bons textos. Assim se dá com o livro de 1966 por Edmar Morel (O pai da aviação); o texto de 1973 por Wilson Veado (Santos Dumont, o menino de Cabangu em Paris), escrito para o público juvenil; o livro de 1975 por Pinto de Aguiar (Os precursores brasileiros da aeronáutica). Apesar do título, o livro de 1966 por José Feliciano de Oliveira (Os precursores da aviação) não é uma história da aviação nem biografia de Dumont; contém crônicas e polêmicas de jornais, superficiais, sem grande teor informativo.

Surgiu em 1973, centenário do nascimento do aeronauta, o livro do escritor Fernando Jorge, As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont; foi diligentemente revisado e melhorado em sucessivas edições (2003, 2007), vindo a tornar-se uma das melhores biografias.

O livro de Francisco Pereira da Silva, Santos-Dumont (1974), é formado sobretudo de paráfrases — quase transcrições — de textos publicados anteriormente, principalmente os de Gondin da Fonseca (1940) e de Ofélia e Narbal Fontes. Com essa ressalva, faz boa compilação dos fatos conhecidos. É de valor sua reprodução de algumas notícias de jornais brasileiros de 1901 a 1906 sobre Dumont.

Em 1982 saiu a notável coleção de fotos organizada por Fernando Hippólyto da Costa, em seu Santos-Dumont: história e iconografia (reimpresso em 1990). As fotos estão em desordem cronológica, coisa comum nos livros antigos sobre o aeronauta. A coleção vem precedida de um bom resumo da vida de Dumont, incluindo alguns detalhes não citados em obras anteriores.

Comentários finais

Em vez de conclusões, é mais apropriado falar de impressões colhidas nesta pesquisa das biografias históricas do grande aeronauta, uma vez que o que se segue tem muito de uma perspectiva particular. Oxalá sirvam aos leitores ao menos como uma visão plausível, a ser checada com mais pesquisa.

No início do século XX, Santos Dumont foi aclamado e comemorado entre nós como autor de proeza que afagava nosso orgulho, a de ter feito "a Europa curvar-se perante o Brasil" (expressão, aliás, que parece ter surgido na época, inspirada nele). Proclamou-se a grandeza do aeronauta, identificada com exaltação à glória do Brasil, em banquetes, festas e medalhas comemorativas; fizeram-se louvações em discursos, declamaram-se sonetos, cantaram-se modinhas, compraram-se cartões postais e bibelôs.

Nessa época, porém, não houve quem dedicasse tempo e esforços em investigar, estudar, registrar as coisas que tinham ocupado seu tempo, sua vida e sua contribuição, sua maneira de ser, suas opiniões. Se algum jornal ou revista no Brasil foi entrevistá-lo para colher dados sobre sua vida e obra, ou confirmá-los, essa reportagem sumiu nos arquivos — sem que ninguém, já nos anos 1930 e 1940, tenha se lembrado dela. Era o tempo em que havia a oportunidade de fazer contato com gente da convivência do aviador, seus amigos, parentes, conhecidos e contemporâneos, que ainda estavam vivos.

O descaso por essa oportunidade explica a abundância de lacunas, imprecisões e inconsistências que se encontram nas biografias. Por exemplo, ninguém procurou saber quem foi Chapin, o principal mecânico de Dumont; quando nasceu, como se destacou em mecânica (que significava habilidades em uma atividade de muita avançada tecnologia), como conheceu Alberto, como era a convivência. Ninguém procurou conhecer de perto o caricaturista Sem. Ele pode ter sido o grande orientador de Alberto na questão de imagem e de relações com a imprensa — possivelmente o responsável pela "estratégia midiática" de Alberto.

Ninguém procurou o professor Garcia, que teria dado aulas particulares ao jovem Alberto nos seus primeiros anos em Paris. A falta de informações sobre a infância e juventude de Santos Dumont é surpreendente, considerando-se que sua família era grande (7 irmãos, dezenas de primos e sobrinhos); e que ele, sendo quase o caçula, pôde ser observado pelos mais velhos. O aeronauta teve também muitos contemporâneos que o observaram na Europa e no Brasil, uma vez que era um homem famoso e intensamente admirado.

As biografias clássicas, surgidas a partir de 1935, parecem ter sido motivadas pela morte de Santos Dumont em 1932. Contudo, a súbita motivação nem sempre deu uma nova perspectiva. Muito naqueles textos tem o propósito de idealizar e enaltecer Santos Dumont, recusando-se a apresentá-lo como uma pessoa com defeitos e fraquezas. Somente quando ele deixou de ser gênio, no estágio da vida depois que abandonou a aeronáutica, aquelas biografias que escolhem contar esse período se permitiram apresentar um pouco da fragilidade humana que ele tinha. Assim, não admira que as biografias tendam mais a construir um mito do que a buscar a vida de um homem real — que sempre é cheia de falhas, fraquezas e objetivos inacabados ou malsucedidos.

Dos autores iniciais, foi Gondin da Fonseca (1940, 1956) quem fez a pesquisa mais exaustiva; foi praticamente o único que conversou com amigos de Dumont (1956, p. 8-9) e parece ter realmente obtido deles alguma informação. Foi o primeiro a dar indicações de ter folheado coleções de jornais velhos e procurado livros velhos franceses. Naturalmente, contudo, abordou apenas pequena parcela das fontes existentes. E, infelizmente, escreveu um livro para o grande público; assim, não se preocupou em registrar a conexão entre fontes e informações fornecidas, bem como a época em que elas foram obtidas, e demais dados que ajudariam aos pesquisadores posteriores estimar o grau de confiabilidade dessas informações. Seja como for, Fonseca proporcionou o esqueleto de quase todas as biografias de Santos Dumont que vieram depois.

Pelo que parece, ainda não apareceram trabalhos de historiadores profissionais, com capacitação e experiência para examinar com espírito crítico e vincular sistematicamente as fontes primárias, os documentos, os informantes, às informações que são dadas. Faltam também livros de pesquisa da história da tecnologia, abarcando os problemas técnicos que entretinham os pioneiros da aeronáutica, as características dos aparelhos que foram construídos e sua evolução.

Desconhece-se, em termos técnicos, em detalhe, exatamente o que foi que Santos Dumont concebeu ou produziu, bem como o que ele adotou ou adaptou de outros. O elementar, a lista de balões e aparelhos aéreos que Santos Dumont projetou ou fez construir, tem lacunas que não se explicam, inconsistências e dados implausíveis. Há tendência dos biógrafos históricos de atribuir-lhe prioridade de qualquer coisa que se vê que ele utilizou; mas logo se notam erros históricos grosseiros (como de que ele teria criado o primeiro hangar do mundo, teria inventado a asa delta) ou atribuições implausíveis e sem evidência (como de que ele teria projetado um relógio).

E quanto a descobrir até que ponto o indivíduo Santos representa o Brasil, até que ponto ele foi um brasileiro típico em suas atitudes e hábitos mentais, ou em contraste, em que extensão ele foi um ser fora do comum, possivelmente liberto de supostos vícios e mazelas brasileiras? Ao mesmo tempo, o que se pode aprender sobre o Brasil, a partir da vida de Santos? Naturalmente, nisso imiscui-se a difícil questão correlata de comparar o Brasil de hoje com o de sua época. A literatura brasileira sobre Santos não encara de frente e seriamente essas questões.

Agradecimentos. O autor é grato ao CNPQ, por bolsa de programa de pós-doutorado no Center for Philosophy and History of Science, Universidade de Boston; e a esta universidade, em particular a Robert S. Cohen, diretor do Centro, que lhe proporcionou anos adicionais como Research Associate. Este texto é fruto tardio de estudos começados no Centro. Também é grato aos repositórios de material para este trabalho, citando pelo menos o Dibner Institute for the History of Science and Technology (na época, no MIT), a Boston Public Library, o Museu Aeroespacial de Campos dos Afonsos, o Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica e a Biblioteca Nacional. Os juízos aqui emitidos são do autor, não de qualquer instituição.

Valdir' Ramalho

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

SAE/Presidência da República, Brasil.

val3ram@gmail.com

The historical biographies of Santos Dumont

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