Sentença do caso José Mariano Drumond Filho x Massa Falida do Banco Santos

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Processo 00224-2006-039-022-00-3
Vistos etc,

José Mariano Drumond Filho, qualificado às fls., propõe reclamação trabalhista em face de Massa Falida do Banco Santos S/A e Banco Central do Brasil, alegando ter sido empregado da reclamada de 01.04.1996 a 19.01.2005, nas funções de diretor de captação institucional II, e com último salário de R$ 12.500,00 mensais. Pretende reconhecimento do vínculo de emprego com anotação em CTPS; receber verbas contratuais e rescisórias; indenização por danos morais; multa do art. 477, § 8º da CLT; sanção do art. 467 da CLT. Junta procuração e documentos (fls. 08/82).

Aditamento à exordial (fls. 107).

A 1ª ré apresenta defesa na qual argúi prescrição qüinqüenal; impugna os pedidos; nega a existência do vínculo de emprego; afirma a improcedência da ação; junta procuração e documentos (fls. 149/196).

A 2ª ré apresenta defesa alegando ilegitimidade de parte; incompetência da Justiça do Trabalho; impugna os pedidos; afirma a improcedência da ação; junta procuração e documentos (fls. 198/295).

Manifestação do autor (fls.).

Depoimentos de partes e testemunhas; encerrada a instrução (fls.).

Manifestação do autor (fls.).

Razões finais.

Recusada a conciliação.

DECIDE-SE


1. Legitimidade de parte da 2ª ré.

Rejeita-se a preliminar de carência de ação por envolver- se com o mérito. Há pedido específico apresentado pelo autor em face da 2ª ré, decorrente do alegado contrato de trabalho mantido com a 1ª ré. Dessa forma, não se vislumbra ilegitimidade de parte da 2ª ré.

As partes são legítimas, os pedidos são juridicamente possíveis e o autor tem interesse processual. Em sentido amplo, a impossibilidade jurídica do pedido significa a prévia proibição, pelo Ordenamento Jurídico, da pretensão deduzida. Mas não é esse o caso dos autos.


2. Competência.

Rejeita-se a preliminar de incompetência argüida pela 2ª ré. Em conformidade com o art. 114 da Constituição Federal, a Justiça do Trabalho é a competente para declarar a existência de vínculo de emprego e direitos a ele acessórios


3. Prescrição.

Prescritos os créditos anteriores a 24.03.2001, com exceção da pretensão referente às diferenças do FGTS, à qual se aplica a prescrição trintenária, na forma da Súmula 362 do Colendo TST.


4. Do vínculo de emprego.

A reclamada alega que o autor foi eleito diretor estatutário e assim permaneceu até o desligamento, quando da intervenção do Banco Central, negando, portanto, a existência do vínculo de emprego.

Ocorre que o fato de o autor ter sido guindado às funções de diretor não é suficiente para que se reconheça, por si só, a suspensão do contrato de trabalho, havendo necessidade da apreciação das circunstâncias que envolviam a prestação dos serviços.

A Súmula 269 do Colendo TST é expressa: "O empregado eletivo para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego".

No caso, a prova demonstra que o autor permaneceu subordinado à reclamada.

Os Estatutos da reclamada, cuja cópia encontra às fls. 28/36, revelam que era administrado pelo Conselho de Administração, composto de três a cinco membros, dentre os acionistas da empresa (art. 10), o qual tinha, entre outras competências, a de eleger e destituir os membros da diretoria, fiscalizar e gestão da diretoria (art. 14) e os artigos relativos à diretoria demonstram claramente a sujeição dos diretores ao comando exercido pelo Conselho de Administração (artigos 16 a 19).

As cópias das mensagens eletrônicas de fls. 38 a 62, indicam a sujeição do autor ao cumprimento de metas e prestação de contas à direção geral da empresa; indicam o controle que a direção da empresa exercia sobre as atividades e férias a que tinha direito o reclamante.

Em depoimento, o autor esclarece que sua função era a de gerenciar a captação de recursos para o Banco através de CDBs e RDBs, com metas mensais fixadas por seus superiores, sendo responsável pela região Sudeste, subordinado diretamente ao senhor Rivaldo Ferreira, diretor geral de captação e que depois foi substituído por Clive Botelho (fls. 147).

Esclareceu que acima do diretor geral de captação estava o sr. Martineli, que tinha a função de vice-presidente, além do tesoureiro e o do presidente da reclamada. Afirmou que essa situação hierárquica foi mantida por todo o período trabalhado na reclamada e que além do salário fixo mensal, também recebia bonificação que iniciou como trimestral e depois passou a semestral.

A 1ª testemunha do autor esclareceu ter trabalhado para a reclamada no período de maio de 1993 a fevereiro de 2005, iniciando como diretor comercial e saindo como superintendente. Referiu que também atuava na área de captação institucional e que estavam subordinados a Rivaldo Ferreira, o qual tinha a função de diretor da área de captação e depois passaram a estar subordinados ao sr. Martineli, superintendente geral e também ao sr. Clive, que era diretor estatutário da tesouraria. Refere que esteve eleito por um ano como diretor estatutário, entre os anos de 2003 a 2004, mas sempre manteve registro em CTPS.

Esclareceu que exercia as mesmas funções que as desenvolvidas pelo autor, com a diferença que havia uma divisão por regiões. Essa 1ª testemunha atendia a região Sul, o autor a região Sudeste e Carlos Alberto Batista a região Nordeste. Afirmou que não houve nenhuma modificação em sua função quanto permaneceu um período como diretor estatutário.

Afirmou que não tinham autonomia para fixar as metas, as quais eram estabelecidas pelo Comitê Executivo do Banco. Refere que recebiam as metas em reuniões com o proprietário do Banco e demais integrantes da diretoria. Refere que até 2003, o Banco Central editou uma norma determinando que o número de diretores estatutários do Banco deveria ser proporcional ao tamanho do Banco e por essa razão também foram incluídos como diretores estatutários, mas não assinavam balanços e nem atas em assembléias da diretoria, e mesmo quando permaneceu como estatutário, essa 1ª testemunha afirma que continuou recebendo salário mensal.

A 2ª testemunha do autor, sr. Vanio Cesar Pickler Aguiar, foi nomeado pelo Banco Central como administrador judicial da massa falida da reclamada. Esclareceu que segundo os registros do Banco, a única diferença entre o reclamante e sua 1ª testemunha (Henrique Siqueira da Fonseca) e Carlos Alberto Batista, era que o autor tinha o cargo denominado como diretor e os outros dois como superintendentes regionais, e que segundo sua avaliação pessoal, de acordo com documentos que examinou após a intervenção, não se justificaria a diferença de os outros dois empregados mencionados (Henrique Siqueira da Fonseca) e Carlos Alberto Batista) serem denominados superintendentes e o autor como diretor (fls. 148).

Mesmo assim, essa 2ª testemunha afirmou que houve equívoco de sua parte na emissão da notificação de abandono de emprego cuja cópia está nas fls. 9 dos autos, porque essas notificações deveriam ter sido dirigidas apenas para diretores empregados e não estatutários. Por fim, afirmou que o reclamante estava subordinado ao vice-presidente de negócios sr. Clive Botelho e ambos ao presidente Ricardo Gribel. Assim, as funções exercidas pelo reclamante não se constituíam em verdadeiro órgão da sociedade, mas sim em cargo integrante da estrutura organizacional da empresa, com atribuições comerciais específicas, sujeito às orientações, supervisão e fiscalização da administração central da reclamada.

A situação aproxima-se àquela descrita por Antero de Carvalho, segundo a qual "...a natureza do serviço e não o título ou designação de seu executor é que dirá se há um mandatário ou um simples empregado", na medida em que se admite, em certos casos, a elevação de empregados a cargos de diretoria em sociedades anônimas (Direito do Trabalho Interpretado, pág. 210).

Por outro lado, não vieram provas que infirmassem aquelas produzidas pelo reclamante, reconhecendo-se, portanto, com fundamento nos artigos 2º e 3º da CLT e Súmula 269 do Colendo TST, que o autor permaneceu como diretor empregado da reclamada por todo o período trabalhado. Portanto, não houve a alegada suspensão do contrato de trabalho do reclamante no período alegado pela defesa, permanecendo em regular execução até o despedimento.

Fica rejeitada a antecipação de tutela requerida pela exordial, por não se vislumbrar presentes os requisitos que autorizariam seu deferimento.


5. Despedimento e verbas rescisórias.

Quanto ao término do contrato, a 1ª reclamada nada comprovou, não obstante o ônus que lhe competia.

A Súmula 212 do Colendo TST estabelece que: "O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".

Na realidade, o rompimento do contrato do reclamante ocorreu em face da intervenção ocorrida e não por suposto abandono de emprego. Intervenção que depois se converteu em falência, inviabilizando a prestação dos serviços.

Quanto à data do despedimento, reconhece-se que ocorreu em 13.07.2005, considerada a data indicada na carta de fls. 09 dos autos, com a qual o liquidante comunicou o rompimento do contrato ao autor.

A 1ª reclamada deverá proceder a baixa na CTPS do reclamante com data de 13.07.2005, em prazo a ser fixado após o trânsito em julgado, pena de ser efetuada pela Secretaria.

Assim, despedido sem justa causa, o autor é credor de: aviso prévio indenizado e sua integração para todos os efeitos, 13º salário proporcional (07/12), férias vencidas simples relativas aos períodos 2002/2003, 2003/2004 e 2004/2005 mais 1/3, FGTS do mês da rescisão, e multa de 40% do FGTS de todo o contrato, sendo que o FGTS do mês da rescisão terá incidência também sobre o aviso prévio (Súmula 305, TST), mas não sobre férias indenizadas (Orientação Jurisprudencial 195, SDI-I do TST).

Os valores devidos serão apurados adotando-se o salário recebido à época do despedimento, de R$ 12.500,00 mensais. A respeito das férias, não vieram provas de que teriam sido concedidas e usufruídas, sendo que diversas mensagens eletrônicas juntadas pelo autor à exordial, dão conta de que havia crédito superior a três férias vencidas.

O autor também é credor das diferenças do FGTS, por todo o contrato, e respectiva multa de 40%, aplicando-se a Orientação Jurisprudencial 302 da SDI-I do Colendo TST e a Súmula 362 do TST. Quanto ao FGTS devido, os juros e a correção monetária a serem aplicados serão aqueles previstos para os débitos trabalhistas em geral.

Nesse sentido a Orientação Jurisprudencial 302 da SDI-I do Colendo TST. No que se refere à multa do § 2º-A do art. 22 da Lei 8036/90, de natureza administrativa, é de competência da DRT.

A 1ª reclamada deverá entregar ao reclamante as guias para levantamento do FGTS e recebimento do seguro-desemprego, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado, responsabilizando-se a 1ª reclamada pela integralidade dos valores devidos a estes títulos.

No mais, os documentos 48 a 53 da exordial, anexados às fls. 57 a 62, provam que o reclamante tinha direito a receber bônus concedidos pela reclamada, relacionados com seu trabalho, e que era devido ao autor, ao final de 2004, a quantia de R$ 143.325,70, a qual é devida com correção monetária contada desde 06.09.2004 (data do e-mail de fls. 62), e com juros contados desde a data do ajuizamento desta ação. Os juros e a correção monetária a serem aplicados a este bônus, seguirão os mesmos critérios adotados para os demais títulos devidos ao reclamante, conforme especificados na parte dispositiva.


6. Dos artigos 467 e 477, § 8º da CLT.

Rejeita-se o pedido de multa do art. 477, § 8º da CLT. As diferenças pretendidas nesta demanda não ensejam a incidência dessa multa, tendo em vista a controvérsia ainda dependente do trânsito em julgado. Rejeita-se este pedido. Não existem verbas rescisórias incontroversas. Portanto, é inaplicável o art. 467 da CLT.


7. Da responsabilidade da 2ª reclamada.

Rejeita-se a pretendida responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada, para com eventuais créditos que ao final forem reconhecidos ao reclamante. O reclamante não prestou serviços para a 2ª reclamada. Esta, na condição de agente de fiscalização e controle da atividade bancária nacional, não pode ser responsabilizado pelos títulos trabalhistas devidos pelos Bancos nacionais, mesmo durante a intervenção que venha a ser decretada. A pretensão deduzida pelo autor carece de amparo fático, não havendo provas a respeito da alegada culpa da 2ª reclamada na insolvência do banco, e de amparo legal. Portanto, é improcedente o pedido de reconhecimento da responsabilidade subsidiária da 2ª ré.


8. Justiça Gratuita, honorários e ofícios.

Presentes os requisitos legais (Lei 1060/50 e CLT, art. 790, § 3º), especialmente declaração e salário inferior ao dobro do mínimo legal, e em conformidade com a Súmula 5 do Egrégio TRT de São Paulo, concede- se ao reclamante os benefícios da Justiça Gratuita.

Os honorários de Advogado são indevidos porque ausentes os requisitos legais (Lei 5584/70, Súmulas 219 e 329 do TST).

Quanto aos ofícios, ao expedi-los o Juízo cumpre determinação de informar aos órgãos de fiscalização os descumprimentos legais verificados. Nesse sentido são os artigos 39, §§ 1º e 2º da CLT, e artigos 653, letra "f", 680, letra "g" e 765 da CLT, e também o art. 33, § 5º e 43, parágrafo único da Lei 8212/91, 3 Ordem de Serviço Conjunta nº 66/97. Não é caso de se falar em competência ou não da Justiça do Trabalho (TST, AIRR 1951/2003-046-02-40).


9. Declaração da natureza das verbas.

A presente decisão atende o contido no § 3º do art. 832 da CLT. A Lei determina que as decisões cognitivas ou homologatórias "deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado" (CLT, art. 832, § 3º). Contudo, é equivocado proceder a interpretação meramente gramatical.

Em primeiro lugar, parece óbvio que a Lei não está determinando que o Juízo diga, por exemplo, que salário é verba salarial, ou que 13º salário é verba salarial, ou que horas extras possuem natureza salarial, e nem que a sentença diga que indenização por danos morais, por exemplo, é verba de natureza indenizatória.

A Lei exige que sejam indicados ou especificados quais títulos ou a quais verbas refere-se a condenação, ou seja, tal como se procede em acordos firmados em audiências e tal como determina o § 2º do art. 477 da CLT, ao mencionar que o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a "natureza" de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor. Quanto à tipificação legal para fins de incidência previdenciária ou fiscal, depende da Lei vigente à época do efetivo pagamento.


PELO EXPOSTO, concedendo-se ao reclamante os benefícios da Justiça Gratuita e declarando-se prescritos os créditos anteriores a 24.03.2001, com exceção da pretensão referente às diferenças do FGTS, à qual se aplica a prescrição trintenária, na forma da Súmula 362 do Colendo TST:

I) julga-se procedente em parte o pedido, para se condenar a 1ª

reclamada Massa Falida do Banco Santos S/A a pagar ao autor José Mariano Drumond Filho:

a) aviso prévio indenizado e sua integração para todos os efeitos,

13º salário proporcional (07/12), férias vencidas simples relativas aos períodos 2002/2003, 2003/2004 e 2004/2005 mais 1/3, FGTS do mês da rescisão, e multa de 40% do FGTS de todo o contrato, sendo que o FGTS do mês da rescisão terá incidência também sobre o aviso prévio, mas não sobre férias indenizadas;

b) diferenças do FGTS, por todo o contrato, e respectiva multa de

40%, aplicando-se a Orientação Jurisprudencial 302 da SDI-I do Colendo TST e a Súmula 362 do TST;

c) bônus contratual no valor de R$ 143.325,70, com correção
d) bem como para se condenar a 1ª reclamada a efetuar a baixa na

CTPS do reclamante com data de 13.07.2005, em prazo a ser fixado após o trânsito em julgado, pena de ser efetuada pela Secretaria, e a fornecer ao reclamante as guias para levantamento do FGTS e recebimento do seguro-desemprego, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado, responsabilizando-se a 1ª reclamada pela integralidade dos valores devidos a estes títulos.

II) no mais, julga-se improcedente o pedido deduzido pelo autor em

face da 2ª reclamada Banco Central do Brasil.

Os valores devidos serão apurados em liquidação, nos limites da Fundamentação, compensando-se aqueles pagos sob mesmos títulos, se já comprovados nos autos. Na apuração dos valores devidos deverão ser respeitados os limites fixados no pedido (CPC, artigos 128 e 460), observando-se, apenas, que se tratam de valores sem acréscimo de juros e correção monetária.

Juros e correção monetária na forma da Lei (CLT, art. 883 e Lei 8177/91, art. 39), da Súmula 381 do Colendo TST e Orientação Jurisprudencial 302 (FGTS) da SDI do TST.

A reclamada deverá proceder aos recolhimentos fiscais e previdenciários, com os descontos dos valores que couberem ao reclamante, em conformidade com a Súmula 368 do Colendo TST, Provimentos CGJT 1/96 e 02/2002, e OS-INSS 66/97.

Após o trânsito em julgado, oficie-se a DRT.

Custas pela 1ª reclamada, sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 150.000,00, no importe de R$ 3.000,00.

Intimem-se, sendo o Dr. Procurador do Banco Central de forma pessoal, por Oficial de Justiça (conforme fls. 113 e 239).


Marcelo Donizeti Barbosa
Juiz do Trabalho


Ana Paula Lorenzon Moreira
Diretora da Secretaria