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Somnambula

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(Noite de S. João)

A João Caetano da Silva Campos

Leia estes versos, cantando.
— Quem canta seu mal espanta!
Alma em saudades penando,
Só tem alivio se canta...


Passarinho trigueiro,
Põe-te na areia!...

A areia é d'oiro,--painço loiro...
Leito macio... Vê como o Rio
Vae socegado, todo enlevado,
Todo encantado na areia fina!

Passarinho trigueiro! Olha o salgueiro
Como se inclina,
A ver se as aguas
Pode beijar!
E o velho choupo, todo curvado,
Todo engelhado,
De tantas mágoas
Que viu passar!

Nas aguas mansas, folhas cahidas,
Como esperanças desfallecidas,
Lá vão perdidas nas aguas mansas,
Como esperanças
Desfallecidas...

Passarinho trigueiro,
Põe-te na areia!...

A velha ponte talvez te conte
Lindas historias para encantar,
Lindas historias da Lua Cheia,
Quando na areia põe a corar
O alvo linho
Do seu tear...
Passarinho trigueiro! pia baixinho!
Ouve as cantigas, que as raparigas,
No S. João,
Soltam ao vento como um lamento
Do coração!

............................
A vossa capella cheira,
Cheira ao cravo, cheira á rosa,
Cheira á flor da laranjeira...

Laranjeira desfolhada
Numa noite de orvalhada,
No leito d'algum linhar...
Mas a alcachofra cortada
Sabe alguem se vae seccar?!

Passarinho trigueiro,
Põe-te na areia!

A areia é doce como se fosse
Vergel macio para noivar...
E dorme o Rio... praia deserta...
Cuidado! Alerta! que a Lua espreita,
Nunca se deita, sempre a rondar.

Passarinho trigueiro,

Olha a estrella do boieiro
Que nunca dorme no ceu,
A ver se do seu rebanho
Alguma rêz se perdeu...
Olha o Rio! é côr d'estanho
Como um espelho a brilhar;

Cuidado! se é muda a areia,
Pode o Rio murmurar,
E ás noites a Lua Cheia
Vem com elle conversar...

Já vae alto o sete-estrêllo,
Vae despontar a alvorada;
Mas uma voz desgarrada,
Como um grito sem appêllo,
Passa a cantar pela estrada:

«Esta noite, na novena,
S. João pôs se a chorar...
Da minha dor tinha pena,
Sem me poder consolar.

As andorinhas voltaram,
Desabrocharam as flores,
E as andorinhas contaram
Que tinhas novos amores...

Ninguem mais penas soffreu
Nem dor maior supportou;
Quem amou nunca esqueceu,
Quem esqueceu nunca amou!

Ai! infeliz de quem passa!
Ninguem seu amor escolhe,
Pois o amor é uma desgraça,
Que sem se esperar nos colhe...

Ai, infeliz de quem passa!...
............................»

Passarinho trigueiro,

Não ha amor como o primeiro...
Vôa, vôa sem parar!
Deixa a Lua estremunhada,
Deixa o Rio a murmurar...
O amor tem a asa ligeira,
E antes que rompa a alvorada.
Leva o ramo de oliveira
Àquella dor desgarrada!