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Suspiros poéticos e saudades (1865)/As Saudades/Ao deixar Pariz

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Sim, a custo te deixo, augusto alcáçar
Do progresso, da luz, da liberdade.
Vivífico remanso, onde perene
Bebe o estrangeiro quanto apraz à mente,
Do néctar das ciências sequiosa.

Sim, com justa razão te ornas de orgulho,
Pátria de heróis, refúgio de infelizes,

Vítimas do erro, que ainda a Europa preme
Com cem braços de ferro; fugitivos,
Em teu grêmio cabal abrigo encontram.
Mãe desvelada não mais pronta acode
Com bondadoso peito ao tenro infante.

Qual da torrente que de alpestre fraga
Jorrando em catadupas marulhosas
Se ala equóreo vapor que o campo orvalha,
E em rios dividindo-se, e em regatos
A longes terras nutrimento envia;
Assim os sábios, que em teu seio abundam,
Manam nome, e saber aos outros povos.

Para teatro de espantosas cenas
Teu solo assinalou a Providência.
Aqui rompeu esse vulcão terrível,
Que o mundo inteiro alumiou co'as lavas,
E à fileira dos reis alçou os homens;
Aqui o rei dos reis, terror da Europa,
No trono colossal, firme no povo,
Honras, louros, e cetros repartia.

O jugo antigo, que a razão curvava,

Quebrou, em ti nascido, esse Descartes, [1]
Que por novo teor, método novo,
Sublime estrada abriu à Inteligência.
Malebranche o seguiu, também teu filho.

As boas Artes, do progresso amigas,
Filhas da Liberdade, irmãs da glória,
Foragidas da Itália, atravessaram
Alpes, e Reno, em ti seu templo ergueram.

Paris, citar teu nome é pôr remate
Aos elogios teus; eu te venero.
Lições em ti frui; como eu mil outros
Brasileiros, que a Pátria hoje adereçam,
Em ti juvenis passos amestraram.
Da sapiência o brilho ofusca o do ouro;
Só de alma estreme a gratidão é paga;
Grato te sou no tributar encômios
Não lisonjeiros, que a verdade os sela.

Arando o crespo Oceano, à Pátria minha
As ciências passaram triunfantes

Do santuário teu, nas mãos levando
O archote da razão; ali brilhante
Luz difundindo, as trevas sacudiram,
Que em nossos horizontes negrejavam.

No facundo clarim soa a Verdade;
Então do avaro Lusitano as peias,
E as erguidas barreiras rotas caem,
Quando Montesquieu, Rousseau troando,
As cidades, e os campos repercutem.
Assim de Jericó outrora os muros,
Das Hebréias trombetas sons ouvindo,
Caem aos pés de Josué submissos.

Então pautando os seus pelos teus passos,
Mais e mais o Brasil terreno avança
Na escala das Nações, que no orbe avultam.

Como da lira consoante vibra
Uma corda, quando outra foi ferida,
O Brasil teus triunfos aplaudindo,
Co'as tuas explosões harmonizando,
Assim empeços vence, e igual triunfa.

Oh Brasil, porventura lisonjeiro
Serei no meu dizer? Donde te veio
A Ciência das Leis, a Medicina,
A Moral, os costumes que hoje ostentas?
Quem te ensinou a perscrutar teus campos,
A pesquisar segredos, que a Natura
Em cada verme, em cada flor oculta?
Quem teu gênio subiu ao firmamento,
E os mistérios dos astros revelou-te?
Quem a tela, de cores matizando,
Mostrou-te retratada a Natureza,
Teus heróis, tua história, teus costumes?
Responda a gratidão. — Avulta, oh França!
Marcha, prospera; e tu, Brasil, prospera;
Estes meus votos são, outros não tenho.

Um povo sempre é filho de outro povo;
Um homem sem cultura não avança;
Sem ensino os espíritos não brilham.

Quem, Paris, sem amar-te pode ver-te?
E quem pode deixar-te sem saudade?
Ah! não beberei mais as eloqüentes
Lições, que me apraziam, de teus mestres!

Não verei mais teu Louvre apinhado
De maravilhas tantas! Teus colégios,
Onde vozes troavam sapientes!
Ainda a mente me pinta os de Sorbonne
Vastos anfiteatros coroados
De atenta juventude! — Tudo deixo...

Ah! deixo ainda mais, deixo um amigo,
Que raros são, e que tão poucos tenho!
Sabes com que pesar te deixo, oh Sales! [2]
Companheiro da infância; às portas, juntos,
Da Ciência batemos; ela ouviu-te,
Abriu-te, e franqueou-te os seus tesouros.
Ainda jovem, da Pátria és já um astro,
Que no seu horizonte alto rutila;
Eu mísero, fosfórico meteoro
Sem nome vago. — E morrerei sem nome?

E tu, pintor dos brasilenses bosques,
Tu, que em quadros multíplices ao mundo
Nossos costumes eloqüente mostras; [3]

Venerando Ancião, amigo, e mestre,
Por quem já uma vez chorei saudoso,
E tu também choraste; hoje de novo
Se reproduz tal cena; mas ao menos
Tu ficas no teu lar, co'os teus, e eu parto,
Parto, não para o meu. Debret, teu nome
Comigo eterno irá, como ele eterno
Passará de uma idade à outra idade.

Adeus, Paris; adeus do mundo empório.
Adeus, Sales, Debret, adeus... Amigo,
Que ao teu o meu destino unir quiseste,
Hoje a minha saudade igual te punge;
Não agravemos mais nossos pesares;
Vamos, meu Araújo; é tempo, vamos.

Notas do autor

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  1. Sei que Descartes não nasceu em Paris, mas eu falo de toda a França.
  2. O meu ilustre amigo Francisco de Sales Torres-Homem.
  3. Publicava então M. Debret sua Viagem Pitoresca ao Brasil, obra de um grande mérito.