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Suspiros poéticos e saudades (1865)/O Canto do Cysne

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Meus versos são suspiros de minha alma,
Sem outra lei que o interno sentimento;
E como o fumo que do fogo se ergue,
Sobem ao céu, e perdem-se nos ares.

Como o aceso turíbulo balança
Ante o altar, de incenso alimentado,
Suavíssimos perfumes exalando,
Assim minha alma oscila
Das ilusões do mundo afadigada;

E suspirando então pelo infinito,
Humilde a Deus seu pensamento exalça.

Cada pensamento meu,
Como uma baga de incenso,
Do turíbulo de minha alma
Sobe ao alcáçar do Imenso.

Eis por que ainda no da vida exílio,
Entre o véu de tristeza que me enluta
Alguns assomos de prazer ressumbram,
Como do pirilampo
Na escuridão da selva a luz lampeja;
Eis por que minha lira
Inopinados sons desliza às vezes;
Eis por que ainda para mim um riso
A Natureza enfeita;
Eis por que a noite presta-me seu bálsamo,
E na aurora que surge encantos acho.

Eco para meus suspiros
Eu acho na Natureza;
E para a voz de minha alma
Um acento de tristeza.


Ah! porventura a lira abandonada,
Que rota e muda jaz de pó coberta,
Porventura ainda vive?
A lira morre, quando mais não soa,
Morre, quando, estalando a última corda,
Evapora o seu último soluço.

Assim sou eu sobre a terra;
É minha alma como a lira,
Que morre, quando não geme;
Que vive, quando suspira.

Como vive o proscrito em riba estranha?
No pensamento apenas,
Nos quadros de sua alma, tristes quadros,
Como a noite sem lua, e sem estrelas;
Quadros nublosos, pela mão traçados
Da pálida Saudade.
Oh mundo, oh mundo, exílio de minha alma!
Vida, cruel tirano que me prendes!

O que é a vida? Um contínuo
Passar das trevas à aurora;

Cadeia que nos arrasta,
Turbilhão que nos devora.

Eis a vida!... E depois?... Mistério horrível!
Infinito, onde o espírito se perde,
Como um átomo no espaço;
Deserto, onde vagueia a fantasia,
Repouso, e asilo incerta procurando,
Como nos areais da ardente Arábia
O peregrino afadigado busca,
Para a sede aplacar, mesquinha fonte,
E um ramo que lhe abrigue os lassos membros.

Talvez que amanhã se ultime
A sentença do proscrito,
E que livre das cadeias,
Vagueie nesse infinito.

E quem sabe se a voz da Eternidade
Agora me revela,
Que este manto, que enoita a Natureza,
Como do esquife o mortuário pano,
Para sempre a meus olhos cobre a terra?

Quem sabe se ao raiar da aurora crástina,
A seu hino de vida
Um eco faltará de minha lira,
De minha alma um gemido?

Cada minuto da vida
Pode ser o derradeiro;
Da vida ao nada há um ponto,
E o homem passa-o ligeiro.
O Cisne que desliza à flor do lago,
Perlas formando co'o bater das asas,
Mudo a garganta alonga,
E só da morte a voz nela ressoa;
Como uma flauta que do tronco pende
Por amoroso voto,
Pelo vento agitada,
Embalança, e suaves harmonias
Exala de seu tubo:
Assim a voz do cisne se desata,
Pela morte inspirado;
Assim se melodia,
Para doce entoar o hino extremo.


Mas acaso sabe o Cisne,
Terno canto desferindo,
Que em cada acento que solta,
A vida lhe vai fugindo?

Companheiro do Cisne, o tenro arbusto
Que uma só vez floresce,
E quando assim se adorna, murcha, e morre,
Como no dia nupcial a esposa,
Sabe ele porventura que essas flores
São as galas da morte?
A lâmpada que expira, e um clarão solta,
Acaso sabe se lhe míngua o óleo?
O rio que no prado se resvala,
Acaso dizer pode:
Amanhã terá fim minha corrente?
E o zéfiro que brinca saltitando
Sobre as frescas corolas, sabe acaso,
Se ainda existirá no sol seguinte?

Nós acaso conhecemos
Melhor que eles nossa sorte?
Podemos dizer: este hino
É nosso hino de morte?


Eu canto como o Cisne, sem que saiba
Se é meu último canto;
Como o arbusto que brota mortais flores,
Minha alma se dilata, e aromas verte;
Como a luz que falece, e se afogueia,
Em sacro amor meu coração se inflama;
Como o rio que manso se desliza,
Como o ligeiro zéfiro que adeja,
Devolvem-se meus dias,
Como vagas do mar, um após outro,
E não sei qual será o derradeiro.

Inda um suspiro, minha alma,
Como o Cisne hoje exalemos.
Se amanhã virmos a aurora,
Novos hinos entoemos.
Cantemos, cantemos
Co'a noite, e co'o dia,
Seja nossa vida
Contínua harmonia.