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Suspiros poéticos e saudades (1865)/O Mysterio

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O sol empalidece, o céu se enluta,
O raio despedaça o véu do Templo,
Soltos trovões rebramam;
De espanto, e horror a Natureza geme,
Chora Jerusalém, tremem seus muros,
E estupefato o povo
Entre o riso e o terror sem tino vaga.

Que sublime mistério o Eterno Padre
Revolve em sua mente?

Que grande sacrifício o céu consuma?
Quem é Esse que expira no Calvário
Entre dous criminosos,
Nos braços de uma Cruz, com rosto brando,
Como se o fel da morte não provasse?

O monte que suporta o peso ingente
Suspira a cada gota desse sangue,
Que o rega, e cai-lhe dos feridos membros
Da vítima sublime.
Quem é Esse, de quem o céu, e os astros
A morte estão carpindo?
Não, não é um mortal! — Razão altiva,
Em vão procuras ocultar seu Nome!
E' o Filho de Deus, que sobre a terra
Espalhou a Moral pura e celeste,
Aos homens ensinando
A verdade, o amor, e o sofrimento.
Só o Filho de Deus na Cruz podia
Sofrer por nosso amor este tormento.

Homens degenerados
Sem pejo aos pés de deuses se prostravam

Tão infames como eles.
Corria humano sangue sobre as aras
Em sacrifício à vil hipocrisia
De oráculo fingido;
E as ímpias mãos de um impostor sagrado,
Nas palpitantes vísceras pousando,
Iam depois queimar o incenso impuro
Ante o altar do crime endeusado.

Tudo do engano as trevas encobriam;
Só déspotas raivosos
A seu grado reinavam;
E nas públicas praças, e nos circos
Só escravos em ócio pão pediam.

Como de vaga em vaga repelidos
Os restos do naufrágio,
Vão na areia encalhar, tal parecia
Que a Humanidade ao fim tocado havia.

No meio deste horror eis que aparece,
Como um íris de paz, do Eterno o Filho.
O erro confundido,

Procura em vão lutar. Embalde se erguem
Fogueiras aos Cristãos. Espavorido
Vê o sedento algoz imbeles virgens
Com os olhos no céu vencer a morte;
E das trêmulas mãos por terra caem
A sangüíneas as bipenes;
Os falsos deuses dos altares saem;
E sobre o Capitólio a Cruz se eleva,
Como o sinal da redenção do mundo.
Vitória, os céus entoam,
Vitória à Humanidade!
O Cristo do Senhor desceu à terra,
E aos homens ensinou a sã verdade.


Roma, 17 de abril 1835