Suspiros poéticos e saudades (1865)/O Riso da Fortuna
Não te rias, oh fortuna!
Teu riso me é suspeitoso;
Contra a desgraça não clamo,
Não quero ser venturoso.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Enquanto te procurava
Andei errados caminhos;
E das rosas que murcharam
Só me restam os espinhos.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Por cousa tão transitória
É loucura amofinar-nos;
Os bens que hoje nos outorgas,
Amanhã podes tirar-nos.
Vai-te, a fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Com bem pouco me contento,
Conformei-me co'a desgraça;
Já me tenho por ditoso,
Já rejeito a tua graça.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Não sei o que é a ventura,
Nem sei se sou desgraçado.
Por bens que podem ser males,
Eu não troco o meu estado.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Rápidos passam os dias,
E a cada passo que damos,
À morte, que é sempre certa,
Ligeiramente marchamos.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
É só ditoso na terra
Quem vive em paz com sua alma;
Quem das penas que aqui sofre,
Só do céu espera a palma.
Vai-te, oh fortuna,
Não me atormentes;
Já não te creio,
Em tudo mentes.
Albano, março de 1835.