Tem Lourenço boa a taca
1Tem Lourenço boa a taca,
fomos tourear ao pasto,
e depois de tanto gasto
o tourinho era uma vaca
Lourenço na sombra opaca
de um pé de limões grosseiro,
eis a vaca pelo cheiro
deu com ele, e ele então
por não morrer na prisão
arrombou o Limoeiro.
2Tomou da praia o retorno,
porque o morrer melhor é
na reponta da maré
do que na ponta de um corno:
eu com notável sojorno
numa capoeira estava,
vendo, em que o caso parava,
e a vaca com seu focinho
me tratou como a ratinho;
pois qual gato me miava.
3Temi logo a malquerença
da vaca tão marralheira,
e o medo me deu em reira,
que é melhor do que em corrença:
rompi pela mata densa,
e dei com meu envoltório
de um vale no território,
tomando por meu sossego,
não las de Villa Diego,
mas as de Vila Gregório.
4Subi num monte comprido,
que do vale é Polifemo,
que quando uma vaca temo,
subo mais do que um valido:
vim à casa espavorido,
achei Lourenço pasmado,
mudo, e desassisado,
e eu disse: se escapo, vaya,
que quem fugiu pela praia,
força é que esteja areado.
5Deu-se-nos grande matraca,
e com ser dia de peixe,
sem que a consciência se queixe,
todos gostamos da vaca:
o Padre aguçou a faca,
e afeiçoou um bordão,
e tais ralhos disse então,
que me convidou enfim
para diante de mim
dar na vaca um bofetão.
6Mas eu não tornei ao mato,
e ao Padre, que me chamava,
respondi, que não gostava
de vaca, senão no prato:
e terei por insensato,
a quem com pau, ou com faca,
brigar com rês tão velhaca
a quem razão não convence,
nem terá prêmio, quem vence
um touro, se o touro é vaca.
7Custódio, que é prudente,
pacífico, e sossegado,
topou na costa co gado,
e entre ele a vaca nocente:
e em se pondo frente a frente
a vaquinha, que o aguarda,
e em dar carreiras não tarda,
disparou como uma seta,
com que lhe deu a vaqueta
mais susto, que uma espingarda.
8Tomou o monte de um pulo,
e deu consigo no vale,
sem dar jeito, a que o iguale
a ligeireza de um mulo:
mas o meu Mestiço fulo
o emparelhou no correr
donde veio a suceder,
que Custódio um pé retroce,
sendo pé, que se não troce,
quando o dono o há mister.
9A vaca é terror da aldeia,
pois faz armada de sanha
praça de armas a montanha,
e a praça veiga de areia:
todo o mundo se receia
de inimiga tão comua,
porque armada a meia-lua
parece pelo cruel
talvez Fatimá de Argel,
talvez de Salé Gazua.
10Não vi vaca tão ousada
de mais brio, e fantesia,
pois traz toda a freguesia
corrida, e envergonhada:
murmura a gente pasmada,
que uma vaca parideira
nos pusesse em tal fraqueira,
e eu tal medo lhe concebo,
que, quando o leite lhe bebo,
me dá logo em caganeira.
11Senhor Estêvão, que é dono
da rês, que o branco divisa,
já que lhe deu a camisa,
faça-a mansa como um sono:
e se não em alto tono,
quando a vaca se remangue,
tirei morto ao pé de um mangue,
que se trata de a manter
para o leite lhe beber,
isso é beber-nos o sangue.
12O Senhor Domingos Borges,
que é sujeito de feição,
se resistir seu Irmão,
responda-lhe logo: alforjes:
e tu, vaca, não me forjes
outra traição mais precisa,
a passada passe em risa,
mas se vens noutra ocasião
a furar-me o casacão,
hei de rasgar-te a camisa.