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Testamento do Infante D. Henrique

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"Em nome de nosso snor Deos, Trindade perfecta o qual creo sem duvida nenhôa segundo manda a sancta igreja de Roma que creamos. E em nome de nosso Snor Jesu Christo e da sua bemaventurada madre nossa snra sancta Maria. Eu o Iffante dom Anrrique governador da ordem de cavalaria de nosso Snor Jesu Christo, duque de Viseu, e snor de Covilhãa. Estando em todo meu siso: temÂdo deos e a hora da morte que nõ sei quando nem onde sera, faço meu testamento segundo se segue.

Primeiramente encomendo a alma minha e o corpo ao meu snor deos e lhe peço que ante da resurreiçom e des que resurgir, elle me de salvaçom e me faça de conto dos eus sanctos por a sua grande misericordia e piedade. E peço a minha snra sancta Maria por ser madre de misericordia, que peça misericordia a deos por my que me de salvaçom. E peço ao meu snor são Luis a que des minha nacença fui encomÂdado, que elle cõ todelos sanctos e sanctas e anjos da corte celestial, roguem a deos por my que me de salvaçom.

Item mando que o meu corpo seja lançado no moymento que estaa pera my onde jaz el-Rey meu snor e padre no moesteiro de sancta Maria da victoria. E se morrer fora, que seja lá levado chãmente, e assi seja soterrado e sem doo que mando que por my nom fação mas chãamente e honestamente seja encomendado a deos, com horas e missas acostumadas e oferta e falhas que o meu testamenteiro ouver por bem, o que farão compridamente pagar, descargando minha conciencia.

Item mando que as tres capellas que se hão de cantar pera sempre neste moesteiro em que a deos prazendo intÂdo de jazer, que se cantem segundo dello tem minha carta, e outra estaa no convento de Thomar, e assi estão todas as outras cartas das capellas que per my mando cantar: e mando se cantem segundo que em as cartas hecontheudo. E peço aos meus testamenteiros que ajão os trelados das ditas cartas, e que as fação assi cantar, segôdo em ellas he contheudo.

A el-Rey meu snor prouve de me dar as rendas que delle tenho, dellas em merce, e dellas em minha vida, por trez annos depois de minha morte pera descargamÂto de minha consciencia. As quaes rendas som as que se seguÂ. s. o meu asentamento, e as saboarias, e as Ilhas da Madeira e porto santo e deserta e Guinea com suas Ilhas e toda sua renda e o quinto das exavegas e as corvinas e lagos e alvor. E destas rendas e de todo o --q a my pertencer, a hora da minha morte, mando que se fação estas despesas que se seguem.

Item minha sepultura, segôdo em cima fiz mençom.

Item que se paguem minhas dividas que forem sabidas per escripturas ou per outra certidoem, ou per juramento que honestamente deva ser creudo que eu devo de coisas que per meu comprador, ou per outros meus officiaes, ou per my forão tomadas, que se paguem compridamente, e assi dalgôs serviços ou carretos que se pagu assi. E estas dividas sejão assi pagas primeiro que al, feito meu Âterramento.

Item despois esto mando q se pague a meus moradores, assi de moradias, como de reções, e sejão contentes de seu serviço segundo rezão.

Item mando que depois esto, se forem achadas outras dividas, que as paguem de qualquer guiza que seja, comtanto que seião certas.

Item por quanto mujtos dos meus creados tem seus gazalhamentos de my tenças em que viviam e a hora de minha morte serenlhe tiradas, ficarião em grande mingua e a minha consiencia encarregada: porem eu peço, por merce a el-Rey meu snor e ao Iffante dom fernando meu mujto presado filho, e ao que ouver o mestrado depois de my, que polo de Deus e por a mim fazerem merce, que a cada um receba por seu, o que renda tiver que a elle pertença, e lha leixe em sua vida, e receba serviço como de seu creado. E a deus louvores, taes são que se averão por bem empregada a merce que lhe fazerem.

Item as rendas que leixo pera se tirarem cativos e fazer esmolas pera sempre, peço ao meu testamenteiro que o faça cumprir. E no convento de Thomar acharão a ordenança de como deve ser feito.

Item peço a el-Rey meu snor por merce, que elle queira ser meu testamenteiro por que seu he todo o de que eu faço este testamento, e o leixo por meu herdeiro de todo o que amy pertencer aa hora de minha morte, assi de raiz como de movel, resalvando o de que fiz herdeiro o snor Iffante dom fernando meu filho. E do que lhe elle mais do que ficar de my quizer dar, lho terei em merce, resalvãdo Lagos, e a Ilha da Madeira, e as outras cousas que lhe prometi de querer que ficassem pera a sua coroa e de seus soccessores.

Item por que el-Rey meu snor nõ pode per si ser testamenteiro, lhe peço por merce, que elle escolha hum que entenda que o bem saiba fazer, e outro que seja veador do testamento, e lhe encarregue que o fação, contentando-os do que for resom.

Item por quanto eu a deos louvores tenho mujtos creados, e os hôs contentei por comendas, outros per egrejas, outros per cazamentos, outros per tenças, outros per officios, outros viverão comiguo e nom merecerão o que lhe tenho dado, porem eu mando ao meu testamenteiro que esguarde bem todo. E se vir que em serviço dalgô sou encarregado que o contente segundo sua boa descriçom.

Item por que podera ser que em minha vida eu satisfarey as dividas e creados, e leixarei pera minha sepultura que abaste, assi que el Rey meu sñor em ello nom tenha que fazer, eu o leixo porem per herdeiro, segundo em cima faço menom, por elle ter encarrego de mandar comprir minhas capellanias, e lhe peço por merce que assi mande a seus soccessores Reys destes Reinos, que por sua bençom assi o mande comprir, e eu assi lho peço por amor de deos, e por merce. E por que esta é minha vontade, mando que esta tenha e valha. E por certidões dello o fiz per minha mão, e o mandei sellar cõ o sello de meu camafeu, e com o sinete de minhas armas, e com o outro sello grande assi de minhas armas, feito na villa do Iffante a vinte e oito dias de outubro. Era de mil quatrocentos e sesenta. E o assinei de sinal de minha mão.

E em pero que outros condecilhos ou testamentos tenha feitos, mando que nõ valhão e que este valha e tenha.

E as capellanias que mando cantar, vão postas  hô escripto que vaj coseito em este meu testamento. Do qual escripto o theor de verbo a verbo he este que se segue.

Em nome de Deos Amen. Esta he a manda e testamento publico e aberto que o Iffante dom Anrrique fez e mandou em prezença de my publico notairo e testimunhas adiante nomeadas. E dom frey fernando Vigairo geral da villa de Thomar ec. que o cozesse em seu testamento que per sua mão fizera segôdo a verba que o dito snor no dito testamento escreveo per sua mão. O qual testamento com esto que neste aberto mais Âadeo, disse que havja per firme e rato e outros nenhôs nõ, posto que parecessem, por que esta é sua postumeira vontade. E primeiramente mandou aqui poer hum titolo q tal he.

Estas som as egreias e capellas que eu o Iffante Dom Anrrique Regedor e governador da ordem da cavalaria de nosso snor Jesu christo Duque de Viseu e snor de Covilhãa, estabeleci e ordenei pera sempre em reverença e louvor de meu snor Jesu christo e da virgem santa Maria sua madre minha senhora.

Item primeiramente estabeleci e ordenei a egreja de santa Maria dafrica situada na cidade de Ce(u)pta.

Item estabeleci e ordenei a igreja de santa Maria de Bethlem, situada em Restello termo da cidade de lixboa.

Item estabeleci e ordenei a igreja de santa Caterina, que estaa fora da villa do Iffante. E a capella de santa Maria, que estaa dentro em a dita villa.

Item estabeleci e ordenei a igreja de santa Maria da misericordia situada em a villa Dalcacer dafrica.

Item estabeleci e ordenei a principal igreja de santa Maria da Ilha da Madeira, e des hi em diante as outras que se hi ordenarom.

Item estabeleci a igraja da ilha do Porto santo e da Ilha Deserta.

Item ordenei e estabeleci a igreja de são Luis, na ilha de são Luis, e a igreja de são Diniz na Ilha de são Diniz: e a igreja de são Jorge na ilha de são Jorge; e a igreja de são Thomaz na Ilha de são thomaz: e a igreja de santa Eiria na ilha de santa Eiria.

Item ordenei e estabeleci a igreja de Jesu christo na ilha de Jesu christo: e outra igreja na ilha graciosa.

Item ordenei e estabeleci a igreja de são Miguel na ilha de são Miguel: e a igreja de santa Maria na ilha de santa Maria.

Item ordenei e estabeleci per outorgamento do padre Calixto terceiro toda a spiritualidade de Guinea ser outorgada aa ordem de christos. Pelo qual eu emcomÂdo e mando a qualquer que for Vigairo ou prior ou capellão soldadado per a dita ordem em cada umegrejairo d'aquellas terras, que lhe praza cada somana ao sabado por sempre em minha vida e depois de minha morte dizer hôa missa de santa Maria, e a cõmemoraçom seja de santo spirito, com seu responso e a oraçom seja fidelium Deus.

Item ordeno e mando que os freires do convento da minha villa de Thomar, ajão a renda das minhas boticas da feira da dita villa que fiz por autoridade del Rey meu snor e padre que deos aja. E por a dita renda dirão em cada anno cem missas por minha alma, levando a renda da dita feira a prata em respeito de c missas resadas por cada marco de prata que em a dita renda mõtar, ora muito ora pouquo.

Item ordeno e mando q o lente da theologia da catedra prima, aja em cada hum anno pera sempre doze marcos de prata, por a primeira renda dos dizimos que a ordem de christos ha na Ilha da Madeira, pello qual fara o principio no estudo, e dira certas missas e pregações segundo faz declaraçom na carta minha que lhe leixo. E esto em renenbrança da doaçom que lhe fiz das casas em que estaa o dito estudo.

Item ordeno e mando q a see de Viseu aja a renda da feira que eu mandei fazer dentro da cerca que estaa junto com a dita cidade, cõ condiçom q o cabido a mãde arrecadar, e dee seis onças de prata a um capellão, que diga todelos sabados do anno hôa missa resada de santa Maria em minha vida e depois de minha morte segundo se contem na carta que lhe dello leixo.

Item estabeleço e mando que o moesteiro de santa Maria da victoria aja pera sempre em cada hum anno XVI marcos de prata em prata. Os quaes avera pollas rendas das terras de Tarouca e de Valdigem. E esto por diserem por minha alma assim em minha vida como depois de minha morte trez missas cada hum dia no altar de minha capella que estaa na capella Del Rey dom Johão meu snor e padre q deos aja, segundo he conteudo na carta minha que lhe dello leixo.

E por se todos este beneficios e missa dizerem por minha alma como per my he ordenado, eu escolhi per provedor dello sentindo que o faria bem e como compre por meu serviço e bem de minha alma, frei Antão Glz, meu escrivão de puridade, Alcaide moor do castello de Thomar e assi aos seus successores. Aos quaes eu ordeno que ajampor seu trabalho pella vintena da spiritualidade de Guinea, sete marcos de prata, segundo se contem na carta minha que lhe dello leixo. E ordeno per minha carta que leixo aos Mestres, Regedores e governadores da ordem de christos que depois de my forem que constrãjão o dito provedor e seus successores, que fação comprir esto que pormy he ordenado. E se negligentes forem a esto proverem, que os tirem e enlejão outros que sentirem que o fação bem e assim como compre por salvaçom de minha alma, segundo he conteudo na carta minha que dello leixo ao Mestre ou mestres, Regedores e governadores.

Item ordeno e mando que todelos meus officiaes de minha casa e assi todelos meus Almoxarifes e outras pessoas que minhas rendas, dinheiros, e outras coisas receberão, nõ embargante que me nõ tenhão dadas suas contas, a my praz principalmente pollo amor de Deos e por salvaçom de minha alma avelos por quites e livres de todo o que assi por my receberão e despenderão, a elles e seus bÂs e herdeiros. E mando a fernão salgado meu escrivão da camara e publico notairo per minha autoridade em minha caza e em todas minhas terras, que lhe dee assi dello senhos estromentos de quitaçom, assinados do seu publico sinal, os quaes eu ei por bõs firmes e valiosos pera todo sempre. E peço per merce a el-Rey meu snor e ao snor Iffante meu muito prezado e amado filho, e assi rogo e encomendo aos Mestres, Regedores , e governadores da ordem de christos que depois de my hi forem que lhe nõ vão contra as ditas quitações em parte n em todo. Ante lhas guardem e fação comprir e guardar, por quãto a my praz e he minha merce sem embargo de todo, realmente os darpor quites e livres como dito he, e lhes fazer merce, por o muito serviço que delles recebi.

E porem peço por merce a el-Rei meu snor e ao snor Iffante meu muito prezado e amado filho, e encomÂdo mando e rogo aos Mestres, Regedores e governadores da ordem de christos que depois de my forem e comÂdadores da dita ordem, que cumprão e fação comprir, pagar, e guardar estas minhas quitações per my ordenadas e cantar e dizer as ditas missas como asuso faz mÂçom, e esto per as vintyenas das minhas ilhas, e de Guinea, e rendas de terras, igrejas, e comendas segundo muj cõpridamente he conteudo nas cartas minhas que de todo leixo feitas. E fação todo assi comprir e guardar realmente e com effecto por minha alma como elles desejão que Deos ordenasse que fizessem pollas suas pellos bÂs e acrecentamentos delles, e doutras rendas que leixo e fiz pera a ordem de christos. feito na villa do Iffante XIII dias do mes Outubro da era do nacimento de Nosso snor Jesu christo de mil CCCCLX annos.

Testemunhas Dom frey fernando vigairo geral da villa de Thomar, e das Ilhas ec. e o Mestre em theologia frey Johão miz q foi confessor do dito Iffante em esta sua postumeira fim, e dom fernando deeça, e Martim Correa guarda moor do dito sõr e do seu conselho, e frey Pedro añs çaquiteiro moor, e diogo dalmeida cavaleiro de sua caza, e Johão gorizo. E eu fernão salgado escrivão da camara do Iffante dom Anrique meu snor e publico notairo per sua autoridade em sua casa e em todelas suas terras que esto per mandado do dito snor escrevi, e em elle meu sinal fiz que tal he."

Bibliografia

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Arquivo dos Açores, vol. I. Ponta Delgada (Açores): Universidade dos Açores.