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Tornaram-se a emborrachar

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1Tornaram-se a emborrachar
as Mulatas da contenda,
elas não tomam emenda,
pois eu não me hei de emendar:
o uso de celebrar
àquela Santa, e a esta,
com uma, e com outra festa
não é devoção inteira,
é papança, é borracheira
dar de cu, cair de testa.

2Bebeu Pelica, um almude,
e não faltou, quem notasse,
que mil saúdes tragasse;
e ficasse sem saúde:
caiu como em ataúde,
sendo mortalha as anáguas,
e eu entrei num mar de mágoas
vendo a casaca, que era
finíssima primavera,
ficar chamalote d'águas.

3Vomitou toda a casaca,
e as Mulatas desconvinham
que umas por vômito o tinham
outras o tinham por caca:
levou sobre isto matraca
entre riso, e murmurinho,
e a carinha com focinho
lhe armou de grande altivez,
mas resvelando-lhe os pés
nadou em mares de vinho.

4Angelinha aquela posta
manjuba de palafréns,
jogando fortes vaivéns
ao vomito estava posta:
com máscara de lagosta
ora arrotava, ora impava;
tomando puxos estava
até que a hora chegou,
não pariu, mas vomitou,
porque tudo então trocava.

5A Filha da Mangalaça
de cuxambre tão maldito
indo a parir; o Hermanito
viu que o parto era vinhaça:
chorou tão grande desgraça
a triste da Macotinha,
vendo, que a sua Madrinha
ao botar o tal monstrinho
parira como com vinho,
porém não como convinha.

6Anastácia a dos corais,
que fornicando a gandaia
para botar uma saia
mete sete oficiais:
bebeu tanto mais que as mais
borrachas desta folia
que cada qual lhe dizia
que os oficiais chamava
quando uma saia botava,
chamasse, quando bebia.

7Brazia, que a meu entender
por bonita, e por galharda
excedia a toda a Parda
em cara, como em beber:
depois de muito comer
bebia com tanto afinco,
que dando às demais um trinco,
constou, que de seis frasqueiras
mui cheias, e muito inteiras
só ela bebera as cinco.

8Helena, o cu de borralho,
asmática, porém gorda,
se ensopou como uma torda
na sorda de vinho, e alho:
tiveram grande trabalho
as mais em a levantar,
sem poder-se averiguar,
se era odre, ou se penedo,
e estando neste segredo
ela o veio a vomitar.

9A Agueda do Michelo,
que tampouco se recata,
nem merece ser Sapata,
que entre todas é chinelo:
assentada no tinelo
dava aos sorvos tal carreira,
que disse uma companheira,
que a tirassem com presteza,
por não haver em tal mesa
azeitona sapateira.

10Tomou a Garça no ar
a Sapata incontinenti,
e indo arreganhar-lhe o dente,
não teve, que arreganhar:
porém por se desquitar
foi-se bailar o cãozinho,
e como sobre o moinho
levou tantas embigadas,
deu em sair às tornadas
a puro vômito o vinho.

11Ninguém com Marta Soares
quer trocar odre por odre,
porque de podre, e mais podre
não há distinção de azares:
os copos de vinho a pares
e aos nones a água bebia,
que Deus para ela não cria
água de rios, nem fontes,
e havendo de andar por pontes,
pelas de vinho andaria.

12Vem Luzia sacrifício
Juíza de refestela
Agrela, que já não grela,
por ser puta d'abinitio
deu um jantar, que era vício
rodava o Santos licor,
e a negra serva do amor
gritava com saia verde,
aqui-d'El-Rei, que se perde
a roupa de meu Senhor.

13Assim pois se embebedaram
a Mestiça, e a Mulata,
todos tomaram a gata,
só as Gatas não tomaram:
bem fizeram, bem andararn
em não irem à função:
porque se me caem na mão,
(como as outras que beberam)
então viram, e souberam
que sou para um gato, um cão.

14A Gaguinha celebrada
se afastou desta folia,
dizendo que não queria
com Marinículas nada:
entendida, e engraçada
respondeu, por vida minha,
por saber que não convinha,
que a vinhaça moscatel
graduasse em Bacharel
quem fora sempre Gaguinha.

15Inácia, chamada Ilhoa
para cada beiçarrão
não bastava um canjirão
com sopas de pão, e broa:
bebeu vinho de Lisboa,
bebeu do Porto, e Canárias,
e vendo, que em copas várias
outras o bebem do Beja,
disse picada de inveja,
ó Virgem das Candelárias!

16A Surda, que gaga é,
escutando estas plegárias
da Virgem das Candelárias,
chamou a de Nazaré:
que licor é este, que
converte esta mulatinha?
bendita seja esta vinha,
que deu tão santo licor,
que para dar-lhe o louvor
se esgotou a ladainha.

17Acabado o tal banquete
sem mais, nem mais dilação
foi-se um, e outro putão,
atrás do seu pontalete:
deixararn saia, e traquete,
dentro na casa fechada;
e lá pela madrugada,
veio a negra da Juíza
e não achando a camisa
gritou que estava roubada.

18Voto solene fizeram
ouvindo da negra os brados
dizendo foram pecados,
que na festa cometeram:
porque a virgem a quem disseram,
que aquela festa faziam,
lhe ouviram, quando bebiam
dizer a senhora então;
que não se servia, não,
do modo com que serviam.

19Elas já em seu juízo
(se de seu juízo têm)
dizem, que o ano que vem
haverá festa de siso:
que hão de olhar seu perjuízo,
sua honra, e opinião;
de putaria, isso não,
mas, eu por certas seqüelas
não me ficarei mais nelas
nem na sua devoção.