Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

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Em nome de seus Povos, os Governos representados na Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, animados pelo desejo de consolidar e fortalecer suas relações de amizade e boa vizinhança e,

Considerando:

Que a Resolução VIII da Conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz, reunida na Cidade do México, recomendou a celebração de um tratado destinado a prevenir e reprimir as ameaças e os atos de agressão contra qualquer dos países da América;

Que as Altas Partes Contratantes reiteram sua vontade de permanecer unidas dentro de um sistema interamericano compatível com os propósitos e princípios das Nações Unidas, e reafirmam a existência do acordo que celebraram sobre os assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais, que sejam suscetíveis de ação regional;

Que as Altas Partes Contratantes renovam sua adesão aos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas e especialmente aos princípios enunciados nos considerandos e declarações do Ato de Chapultepec, todos os quais devem ser tidos por aceitos como normas de suas relações mútuas e como base jurídica do Sistema Interamericano;

Que, a fim de aperfeiçoar os processos de solução pacífica de suas controvérsias, pretendem celebrar o Tratado sobre "Sistema Interamericano de Paz", previsto nas Resoluções IX e XXXIX da Conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz;

Que a obrigação de auxílio mútuo e de defesa comum das Repúblicas Americanas se acha essencialmente ligada a seus ideais democráticos e à sua vontade de permanente cooperação para realizar os princípios e propósitos de uma política de paz;

Que a comunidade regional americana sustenta como verdade manifesta que a organização jurídica é uma condição necessária para a segurança e a paz, e que a paz se funda na justiça e na ordem moral e, portanto, no reconhecimento e na proteção internacionais dos direitos e liberdades da pessoa humana, no bem-estar indispensável dos povos e na efetividade da democracia, para a realização internacional da justiça e da segurança,

Resolveram - de acordo com os objetivos enunciados - celebrar o seguinte tratado, a fim de assegurar a paz por todos os meios possíveis, prover auxílio recíproco efetivo para enfrentar os ataques armados contra qualquer Estado Americano, e conjurar as ameaças de agressão contra qualquer deles:

Artigo 1º

As Altas Partes Contratantes condenam formalmente a guerra e se obrigam, nas suas relações internacionais, a não recorrer à ameaça nem ao uso da força, de qualquer forma incompatível com as disposições da Carta das Nações Unidas ou do presente Tratado.

Artigo 2º

Como conseqüência do princípio formulado no Artigo anterior, as Altas Partes Contratantes comprometem-se a submeter toda controvérsia, que entre elas surja, aos métodos de soluções pacífica e a procurar resolvê-la entre si, mediante os processos vigentes no Sistema Interamericano, antes de a referir à Assembléia Geral ou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Artigo 3º

1. As Altas Partes Contratantes concordam em que um ataque armado, por parte de qualquer Estado, contra um Estado Americano, será considerado como um ataque contra todos os Estados Americanos, e, em conseqüência, cada uma das ditas Partes Contratantes, se compromete a ajudar a fazer frente ao ataque, no exercício do direito imanente de legítima defesa individual ou coletiva que é reconhecido pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

2. Por Solicitação do Estado ou dos Estados diretamente atacados, e até decisão do órgão de consulta do Sistema Interamericano, cada uma das Partes Contratantes poderá determinar as medidas imediatas que adote individualmente, em cumprimento da obrigação de que trata o parágrafo precedente e de acordo com o princípio da solidariedade continental. O Órgão de Consulta reunir-se-á sem demora, a fim de examinar essas medidas e combinar as de caráter coletivo que seja conveniente adotar.

3. O estipulado neste Artigo aplicar-se-á a todos os casos de ataque armado que se efetue dentro da região descrita no Artigo 4º ou dentro do território de um Estado Americano. Quando o ataque se verificar fora das referidas áreas, aplicar-se-á o estipulado no Artigo 6º.

4. Poderão ser aplicadas as medidas de legítima defesa de que trata este Artigo, até que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais.

Artigo 4º

A região a que se refere este Tratado é a compreendida dentro dos seguintes limites: começando no Polo Norte; daí diretamente para o sul, até um ponto a 74 graus de latitude norte e 10 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 47 graus e 30 minutos de latitude norte e 50 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 35 graus de latitude norte e 60 graus de longitude oeste; daí diretamente para o sul até um ponto a 20 graus de latitude norte; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 5 graus de latitude norte e 24 graus de longitude oeste; daí diretamente para o sul até o Polo Sul; daí diretamente para o norte até um ponto a 30 graus de latitude sul e 90 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica, até um ponto do Equador a 97 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 15 graus de latitude norte e 120 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 50 graus de latitude norte e 170 graus de longitude leste; daí diretamente para o norte até um ponto a 54 graus de latitude norte; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 65 graus e 30 minutos de latitude norte e 168 graus 58 minutos e 5 segundos de longitude oeste; daí diretamente para o norte até o Polo Norte.

Artigo 5º

As altas Partes Contratantes enviarão imediatamente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, de conformidade com os Artigos 51 e 54 da Carta de São Francisco, informações completas sobre as atividades desenvolvidas ou projetadas no exercício do direito de legítima defesa ou com o propósito de manter a paz e a segurança interamericanas.

Artigo 6º

Se a inviolabilidade ou integridade do território ou a soberania ou independência política de qualquer Estado Americano for atingida por uma agressão que não seja um ataque armado, ou por um conflito extra-continental ou por qualquer outro fato ou situação que possa por em perigo a paz da América, o Órgão de Consulta reunir-se-á imediatamente a fim de acordar as medidas que, em caso de agressão, devam ser tomadas em auxílio do agredido, ou, em qualquer caso, convenha tomar para a defesa comum e para a manutenção da paz e da segurança no Continente.

Artigo 7º

Em caso de conflito entre os dois ou mais Estados Americanos, sem prejuízo do direito de legítima defesa, de conformidade com o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, as Altas Partes Contratantes reunidas em consulta instarão com os Estados em litígio para que suspendam as hostilidades e restaurem o statu quo ante bellum, e tomarão, além disso, todas as outras medidas necessárias para se restabelecer ou manter a paz e a segurança interamericanas, e para que o conflito seja resolvido por meios pacíficos. A recusa da ação pacificadora será levada em conta na determinação do agressor e na aplicação imediata das medidas que se acordarem na reunião de consulta.

Artigo 8º

Para os efeitos deste Tratado, as medidas que o órgão de consulta acordar compreenderão uma ou mais das seguintes: a retirada dos chefes de missão; a ruptura de relações diplomáticas; a ruptura de relações consulares; a interrupção parcial ou total das relações econômicas ou das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, telefônicas, radiotelefônicas ou radiotelegráficas, e o emprego de forças armadas.

Artigo 9º

Além de outros atos que, em reunião de consulta, possam ser caracterizadas como de agressão, serão considerados como tais:

a) O ataque armado, não provocado, por um Estado contra o território, a população ou as forças terrestres, navais ou aéreas de outro Estado;

b) A invasão, pela força armada de um Estado, do território de um Estado Americano, pela travessia das fronteiras demarcadas de conformidade com um tratado, sentença judicial ou laudo arbitral, ou, na falta de fronteiras assim demarcadas, a invasão que afete uma região que esteja sob a jurisdição efetiva de outro Estado.

Artigo 10º

Nenhuma das estipulações deste Tratado será interpretada no sentido de prejudicar os direitos e obrigações das Altas Partes Contratantes, de acordo com a Carta das Nações Unidas.

Artigo 11º

As consultas a que se refere o presente Tratado serão realizadas mediante a Reunião de Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas que tenham ratificado o Tratado, ou na forma ou pelo órgão que futuramente forem ajustados.

Artigo 12º

O Conselho Diretor da União Panamericana poderá atuar provisoriamente como órgão de consulta, enquanto não se reunir o Órgão de Consulta a que se refere o Artigo anterior.

Artigo 13º

As consultas serão promovidas mediante solicitação dirigida ao Conselho Diretor da União Panamericana por qualquer dos Estados signatários que hajam ratificado o Tratado.

Artigo 14º

Nas votações a que se refere o presente Tratado, somente poderão tomar parte os representantes dos Estados signatários que o tenham ratificado.

Artigo 15º

O Conselho Diretor da União Panamericana atuará, em tudo o que concerne ao presente Tratado, como órgão de ligação entre os Estados signatários que o tenham ratificado e entre estes e as Nações Unidas.

Artigo 16º

As decisões do Conselho Diretor da União Panamericana a que aludem os Artigos 13 e 15 serão adotadas por maioria absoluta dos Membros com direito a voto.

Artigo 17º

O Órgão de Consulta adotará suas decisões pelo voto de dois terços dos Estados signatários que tenham ratificado o Tratado.

Artigo 18º

Quando se tratar de uma situação ou disputa entre Estados Americanos, serão excluídas das votações a que se referem os dois Artigos anteriores as partes diretamente interessadas.

Artigo 19º

Para constituir quorum, em todas as reuniões a que se referem os Artigos anteriores, se exigirá que o número dos Estados representados seja pelo menos igual ao número de votos necessários para adotar a respectiva decisão.

Artigo 20º

As decisões que exijam a aplicação das medidas mencionadas no Artigo 8º serão obrigatórias para todos os Estados signatários do presente Tratado que o tenham ratificado, com a única exceção de que nenhum Estado será obrigado a empregar a força armada sem seu consentimento.

Artigo 21º

As medidas que forem adotadas pelo Órgão de Consulta serão executadas mediante as normas e os órgãos atualmente existentes ou que futuramente venham a ser estabelecidos.

Artigo 22º

Este Tratado entrará em vigor, entre os Estados que o ratifiquem, logo que tenham sido depositados as ratificações de dois terços dos Estados signatários.

Artigo 23º

Este Tratado fica aberto à assinatura dos Estados Americanos, na cidade do Rio de Janeiro, e será ratificado pelos Estados signatários com a máxima brevidade, de acordo com as respectivas normas constitucionais. As ratificações serão entregues para depósito à União Panamericana, a qual notificará cada depósito a todos os Estados signatários. Tal notificação será considerada como troca de ratificações.

Artigo 24º

O presente Tratado será registrado na Secretaria Geral das Nações Unidas, por intermédio da União Panamericana, desde que sejam depositadas as ratificações de dois terços dos Estados signatários.

Artigo 25º

Este Tratado terá duração indefinida, mas poderá ser denunciado por qualquer das Altas Partes Contratantes, mediante notificação escrita à União Panamericana, a qual comunicará a todas as outras Altas Partes Contratantes cada notificação de denúncia que receber. Transcorridos dois anos, desde a data do recebimento, pela União Panamericana, de uma notificação de denúncia de qualquer das Altas Partes Contratantes, o presente Tratado cessará de produzir efeitos com relação a tal Estado, mas substituirá para todas as demais Altas Partes Contratantes.

Artigo 26º

Os princípios e as disposições fundamentais deste Tratado serão incorporados ao Pacto Constitutivo do Sistema Interamericano.

Em testemunho do que, os Plenipotenciários abaixo assinados, tendo depositado seus plenos poderes, achados em boa e devida forma, assinam este Tratado, em nome dos respectivos Governos, nas datas indicadas ao lado de suas assinaturas.

Feito na cidade do Rio de Janeiro, em quatro textos, respectivamente nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e inglesa, aos dois dias do mês de setembro de mil novecentos e quarenta e sete.

Reserva de Honduras

A Delegação de Honduras, ao subscrever o presente Tratado e em relação ao Artigo 9º, inciso b), declara fazê-lo com a reserva de que a fronteira estabelecida entre Honduras e Nicarágua está demarcada definitivamente pela Comissão Mista de Limites dos anos de mil novecentos e mil novecentos e um, partindo de um ponto no Golfo de Fonseca, no Oceano Pacífico, ao Portilho de Teotecacinte e, deste ponto ao Atlântico, pela linha estabelecida pela setença arbitral de Sua Majestade o Rei da Espanha, em data de vinte e três de dezembro de mil novecentos e seis.