Tuberculosa
Alta, a frescura da magnólia fresca,
Da cor nupcial da flor da laranjeira,
Doces tons d'ouro de mulher tudesca
Na veludosa e flava cabeleira.
Raro perfil de mármores exatos,
Os olhos de astros vivos que flamejam,
Davam-lhe o aspecto excêntrico dos cactus
E esse alado das pombas, quando adejam...
Radiava nela a incomparável messe
Da saúde brotando vigorosa,
Como o sol que entre névoas resplandece,
Por entre a fina pele cor-de-rosa.
Era assim luminosa. e delicada
Tão nobre sempre de beleza e graça
Que recordava pompas de alvorada,
Sonoridades de cristais de taça.
Mas, pouco a pouco, a ideal delicadeza.
Daquele corpo virginal e fino,
Sacrário da mais límpida beleza,
Perdeu a graça e o brilho diamantino.
Tísica e branca, esbelta, frígida e alta
E fraca e magra e transparente e esguia,
Tem agora a feição de ave pernalta,
De um pássaro alvo de aparência fria.
Mãos liriais e diáfanas, de neve,
Rosto onde um sonho aéreo e polar flutua,
Ela apresenta a fluidez, a leve
Ondulação da vaporosa lua.
Entre as vidraças, como numa estufa-
No inverno glacial de vento e chuva
Que sobre as telhas tamborila e rufa,
Vejo-a, talhada em nitidez de luva...
E faz lembrar uma esquisita planta
De profundos pomares fabulosos
Ou a angélica imagem de uma Santa
Dentre a auréola de nimbos religiosos.
A enfermidade vai-lhe, palmo a palmo,
Ganhando o corpo, como num terreno...
E com prelúdios místicos de salmo
Cai-lhe a vida em crepúsculo sereno.
Jamais há de ela ter a cor saudável
Para que a carne do seu corpo goze,
Que o que tinha esse corpo de inefável
Cristalizou-se na tuberculose.
Foge ao mundo fatal, arbusto débil,
Monja magoada dos estranhos ritos,
Ó trêmula harpa soluçante, flébil,
Ó soluçante, flébil eucaliptus...