Turbilhão/XV

Wikisource, a biblioteca livre

No silêncio da casa, guiando-se por uma réstia de luz que vinha do quarto, cuja porta ficara entreaberta, Paulo, que se deitara na rede, armada no chamado quarto de Violante, levantou-se pé ante pé, contendo o hálito, as mãos estendidas, e atravessou a sala.

As suas articulações estalavam irritando-o - era o seu próprio corpo que o denunciava. Parava, apoiando-se às paredes, à escuta, e lá ia, vagaroso, cauteloso, excitado, como a farejar o almíscar lascivo da mulata. Seguiu pelo corredor. Na sala foi com o maior cuidado para evitar esbarros e, chegando à porta do quarto, empurrou-a de leve. Um estalo ríspido dos gonzos pareceu-lhe um estrondo; recuou, nervoso. A cama rangeu e Ritinha sussurrou no escuro:

— Que maluquice, meu Deus!

— Cala a boca!

Curvou-se, os braços estendidos, varrendo o vazio, a procurá-la; as mãos encontraram-se.

— E sua mãe?

— Está dormindo.

— Olhe lá.

Encolheu-se, chegando-se à parede. Ele meteu-se na cama. O mar rouquejava na praia. De espaço a espaço a casa estremecia, trepidava, à passagem de um elétrico.

Saiu cedo no dia seguinte. Sentiu-se como transfigurado - era outro, com outros gozos; homem, com uma mulher sua, inteiramente sua, vivendo sob as mesmas telhas.

Sentia necessidade de comunicar a sua ventura, de contá-la a todos, de ser invejado. As mesmas despesas, pelas quais se tornara responsável, como que lhe davam maior prestígio, engrandecendo-o aos seus próprios olhos. Mas a outra paixão chamava-o, atraía-o. Saciado um desejo, corria alucinadamente ao outro; mesmo porque o dinheiro começava a minguar. Era necessário refazer o maço, aumentá-lo, para que a mulata sentisse a sua superioridade sobre o amante que deixara.

Queria humilhar o outro, inutilizá-lo de vez, receoso de que ela pudesse vir a ter saudade do Mamede. Era necessário esmagá-lo, torná-lo esquecido, substituí-lo vantajosamente e ele havia de o fazer.

Já, então, conhecia os segredos da roleta, podia fazer jogo franco, dar um golpe de mestre que lhe assegurasse lucro de vulto e não miseriazinhas de contos de réis. Sabia de uma casa, na Rua Sete, onde se jogava forte durante o dia. Lá foi. Perdeu. Atirou-se ao dado: foi infeliz e, contendo-se, procurando justificativas para o caiporismo, descobriu um homem calvo, de casaco no fio, lenço ao pescoço, que seguia atentamente o seu jogo. Irritou-se. De ímpeto, deu a troco as fichas que lhe restavam e, resmungando, passou por diante do homem, carrancudo. Tomou o chapéu e saiu.

Na rua, sem destino, desesperado com o prejuízo, arrependido de haver entrado naquela "espelunca", seguiu direito ao Largo do Rócio, mas voltou à Rua do Teatro, dirigindo-se à do Ouvidor. Havia de encontrar amigos.

Entrou no Pascoal - todas as mesas estavam ocupadas; nenhum conhecido. Saiu, e depois de haver descido a rua, sempre a pensar no jogo que fizera, desconfiado da roleta, sem poder explicar a insistência do "pequeno", resolveu descansar um bocado para estar pronto, à noite, para a desforra. Mal entrou em casa, Ritinha, que demorara em abrir a porta, perguntou-lhe em tom receoso: "Se não vira o Mamede."

— Não. Por quê? Andou por aqui?

— Toda a manhã. Esteve muito tempo ali defronte, encostado ao cais, olhando para cá. Acho que me viu porque cheguei à janela para chamar um quitandeiro, quando ele vinha vindo. Tome cuidado. Mamede não é bom.

— Histórias...!

— Histórias!? O senhor pensa que ele é uma coisa e ele é outra. Eu é que posso falar. Basta que eu diga que vivi com ele dois anos, não foram dois dias.

Paulo sorriu; e ela ajuntou: que haviam aparecido duas criadas. Não ajustara por não saber o preço que convinha.

— É verdade! Nem me lembrei de prevenir-te. E... para onde foi ele?

— Não sei. Anda por aí rondando, com certeza. Mamede é mau; ouça o que lhe estou dizendo. Mamede tem maus bofes.

— Pois sim.

Fez-lhe uma festa no rosto e entrou para falar à mãe. Achou-a agitada, aflita, queixando-se de falta de ar, pedindo que abrissem largamente as portas do quarto; não podia respirar, sentia um peso enorme no peito.

— Quer que eu vá chamar o médico?

— Para que médico? Pede para me fazerem um pouco de chá.

Não lhe passou despercebido o mau humor de Dona Júlia, que evitava encará-lo, desviando o olhar. Teria ela desconfianças? Tê-lo-ia visto passar, à noite, sentido algum rumor através da parede que separava os dois quartos? Falou à Ritinha, comunicando o desejo da enferma e, para sondá-la, sem dar a perceber a sua suspeita, perguntou:

— Ela passou bem o dia?

— Não quis comer; está até agora com o café que tomou de manhã. Tem dormido muito; sempre que vou ao quarto encontro-a dormindo.

Paulo empalideceu, compreendendo que a velha descobrira a cena da noite e que começava a hostilizar a mulata. Resolveu defendê-la a pé firme, sustentá-la, custasse o que custasse. Não trocaram mais palavras toda a tarde. A noite, quando ele se foi despedir, ela mal o abençoou.

— A senhora está sentindo alguma coisa?

— Não.

— Eu tenho que fazer, mas se está incomodada, não saio.

— Não tenho nada.

— Então, até logo.

Ritinha não o acompanhou à porta, e ele, ao despedir-se, falou para que a mãe ouvisse:

— Pode dormir tranqüila, Dona Ritinha; eu levo o trinco. Boa noite.