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Um entendido

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O recente legislador Serapião Stromberg era, em uma das pequenas capitais do Norte, o moço mais chique, mais elegante, mais entendido em artes e letras de todo o Estado, por isso foi eleito deputado pelo governador.

Não havia ninguém como ele para exigir do alfaiate o corte irrepreensível do fraque; e aquele com que veio pleitear o seu reconhecimento, foi muito admirado e toda a gente achou-o de um talhe semelhante às fardas dos soldados de infantaria francesa que os jornais reproduzem em zincografia. Não falemos nos seus "panamás", nas suas calças a balão, e nas suas botinas inteiriças - tudo isso ele usa do mais requin­tado chique.

Reconhecido sem contestação, o seu primeiro cuidado foi apresentar-se nos salões do Rio. Lá, no Norte, fala-se muito mal deles; e Serapião que pretendia fazer algumas economias, tratou de procurá-los.

Uma tarde destas, mme Sylvá teve a bondade de convidá-lo e Stronberg não faltou. Vestiu o seu célebre fraque, amarrou bem uma gravata de duas cores e ei-lo em direção às Laranjeiras, onde residia mme Sylvá, evaporando pelo ca­minho toda a sua importância de deputado anônimo.

Ele tinha torcido com infinito cuidado as guias do bigode; mas, assim mesmo, levou-as a torcer insistentemente pelo bon­de afora.

Não havia dúvida que ia fazer uma grande figura, não só por causa de seu todo apolíneo, como também pelo seu saber em matéria de arte e letras clássicas e legais, coisas que os moços do Rio de Janeiro ignoram completamente. Uns fúteis ...

O bonde corria e, vendo entrar uma dama, Stromberg esqueceu os bigodes, deixou cair a clássica bengala de castão de ouro e encalistrou matutamente.

Chegou afinal à casa de mmc Sylvá, não tardou em entrar e ficou no meio de uma seleta companhia.

Serapião levava duas dissertações bem estudadas: uma contra o romantismo piegas, extraordinária novidade na sua terra; e outra sobre a beleza dos frescos da Capela Sixtina que ele nunca tinha visto.

Logo que alguém falou em um autor qualquer, Stromberg fez com um muxoxo:

— Não gosto; é um romântico e o romantismo...

Encetou a dissertação, mas os ouvintes foram escasseando e unicamente uma moça o ficara ouvindo até certo engasgo.

Por aí, ela perguntou:

— O doutor não gosta de pintura?

— Muito, minha senhora. Rafael...

— Venha ver uma curiosidade.

E tirou de sobre um móvel um pequeno medalhão insignificante. Stromberg olhou demoradamente e a moça, após algum tempo, perguntou:

— Não gosta?

— Gosto. mme Pompadour, não é minha senhora?

— Não, doutor; é uma miniatura italiana do século XIV.

— Ah! Logo vi que tinha alguma coisa de Luís XIV. Não me enganei de todo... é maravilhoso!

Careta, Rio, 15-5-1915.