Uma Campanha Alegre/I/XLIX

Wikisource, a biblioteca livre
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa


Novembro 1871.

Este mês a opinião preocupou-se com o que se chamou a greve de Oeiras.

Parecia realmente indecoroso que Lisboa, já civilizada, com teatro lírico e outros regalos de capital eminente, não tivesse esse chique social - a greve! Oeiras, com uma dedicação amável, forneceu-lhe esta elegância. Oeiras deu a greve. Alguns estadistas puderam ter ocasião de comentar a nossa última greve, e de falar no terrível proletariado.

Somente esta greve de Oeiras apresenta uma novidade excêntrica.

O fabricante diz:

— Eu dou a esses operários indignos, que abandonaram a minha fábrica e se puseram em greve, 4$000 réis por semana. Vinde!

E os operários respondem:

— Não, não, isso não! Só voltamos ao trabalho se nos garantirem por semana 3$600!

Confessem que é para empalidecer de confusão. Não se protesta aqui contra a avareza do fabricante, protesta-se contra a sua generosidade: o operário resiste a ganhar: só trabalha se lhe diminuírem o salário: tem avidez de sacrifício, e deseja antes de tudo sofrer fome! Que mistério é este? Ei-lo desvendado:

Como sabem, há dois trabalhos essenciais no fabrico do lanifício: preparar a teia, o que leva uma semana, e produzir o tecido, o que gasta outra semana. Ora o fabricante descontava na semana do tecido uns tantos por cento do salário; e na semana do preparo levava a sua habilidade a descontar o salário todo.

De sorte que havia semanas gratuitas. E justamente os operários pedem agora que lhes paguem menos cada semana, mas que lhes paguem as semanas todas.

O fabricante exclama:

— 4$000 réis cada semana que tecerdes!

E os operários replicam:

— 3$600 réis cada semana que trabalharmos. Porque preparar a teia é tanto trabalho como tecê-la.

Tal é esta greve original, que não descrevemos com a sua precisão técnica, para não dar a estas páginas o aspecto de um tratado sobre lanifícios.

O que temos pois aqui, na realidade, é um fabricante que diminui arbitrariamente o salário dos seus operários. Estamos em frente de uma greve do capital! Ora abrindo o nosso admirável Código Penal, encontramos estes dizeres no Capítulo XI, secção 1ª, artigo 277º:

«Será punida com a prisão de um a seis meses, e com a multa de 5$000 a 200$000 réis, toda a coligação entre aqueles que empregam quaisquer trabalhadores, e que tiver por fim produzir abusivamente a diminuição do salário, se for seguida do começo de execução.»

O código fala em coligação. Aqui houve só um fabricante; mas o que é crime para muitos indivíduos coligados, é decerto crime para o indivíduo isolado. O número não faz a culpa. O crime recai sobre o facto, não sobre o ajuntamento. O código define crime «o facto declarado punível pela lei penal» - e não acrescenta «segundo o maior ou menor número de pessoas».

De modo que a famosa greve de Oeiras se reduz simplesmente a isto:

Um fabricante que diminuiu abusivamente o salário dos seus operários - e que cai portanto sob os rigores do artigo 277º do Código Penal.

Até a greve de Oeiras! Ah! não podemos possuir uma glória, um heroísmo, um chique, sem que não se descubra, daí a dias, que chique, heroísmo, ou glória, são casos burgueses que pertencem à Boa Hora! Vergamos sob o destino de ser medíocres! Todo o País tem uma revolta -nós temos a índia! Todos têm uma expedição - nós temos o

Bonga! Todos têm um poeta -nós temos o Sr. Vidal! Fazíamos tanto empenho nesta greve que nos nobilitava, nos revestia de uma atitude civilizada, nos dava a esperança de abrigarmos enfim no nosso seio, autêntica, legítima, essa grande elegância revolucionária, a Internacional! - e vê-se que nos achamos apenas com um caso de polícia correccional! Um a seis meses de prisão, que miséria! Ah! evidentemente só gozamos duas glórias incontestáveis, garantidas, à mão, nossas, só nossas - o Sr.

Lisboa, e o Sr.... Suspendamos, por Deus!... e aquele, de quem um juramento terrível e sacrossanto nos veda pronunciar o nome!