Veio a Páscoa do Natal

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1Veio a Páscoa do Natal,
primeira, e segunda oitava,
quando Araújo assentava,
uma festa garrafal:
mas a Cajaíba é tal,
este monte tão mesquinho,
que para um festim de alinho
veio Araújo famoso,
Paulinho com João Cardoso,
Carvalho, e Falcão Marinho.

2Só cinco em cinco rocins
foi visto, que em meu sentido
para o pasto andar corrido
poucos bastam, se são ruins:
mas não faltaram malsins,
entre os quais foi mui notado
este número apoucado:
e eu tive os homens por loucos,
pois bons são cavalos poucos
para o pasto andar folgado.

3O Araújo coitado,
para que nada lhe sobre,
andou sem freio, que ao pobre
sempre lhe falta o bocado:
mas por isso aventejado
andou à outra parelha,
mais que aos mais arnês brilhante,
que Araújo é rocinante,
que val muito pela ovelha.

4João Cardoso à mourisca
pela encolhida perneta,
tanto mais lustra a gineta,
quanto mais nela se arrisca:
e bem que de todos trisca,
porque com juízo, e brio
nunca paga de vazio
os altos, na refestela
pagou de vazio a sela
três vezes, ou quatro a fio.

5Paulinho não há alcançá-lo:
era da festa o enigma,
e alguém a dizer se anima,
que indo em mula, ia a cavalo:
deu-lhe tão pequeno abalo
o festim burlesco, e rude,
que nunca obrigá-lo pude
a fazer largas entradas,
porque em verdes laranjadas
era o Juiz da saúde.

6O meu cavaleiro foi
(por me dar maior regalo)
Carvalho, que ia a cavalo,
e dava passos de boi:
mui prenhado "yo no voy,
estos me lleban" dizia;
tão pouco, e tão mal corria,
que nem ele se correu,
nem o pasto floresceu,
mas sem florescer se ria.

7O Marinho andou galhardo,
tal, que teve desta vez
o pasto por Aranguês,
que quer sempre o dia pardo:
como é Marinho bastardo,
desprezou seu coração,
gineta, e bastarda então:
mas em osso o coitadinho
nadava como um Marinho.
voava como um Falcão.

8Nas laranjadas folgou-se
muito bem no meu sentir,
ia Araújo a cair,
e por não cair, deitou-se:
caiu, porém levantou-se
bizarro, e mui animoso,
para que o povo invejoso
veja em seu mesmo rencor,
que se caiu pecador
se levantou virtuoso.

9João Cardoso não quis
crer, que fora a queda leve,
e dando uma volta breve,
a foi medir co nariz:
achou, que, o que se lhe diz,
era mentira esbrugada,
porque de uma laranjada
quem vai desde a sela ao chão,
achou pela medição,
que era a queda mui pesada.

10Bem do Marinho se riu,
quando fez co'a terra escambos,
porém sendo a terra d'ambos,
o Marinho não caiu:
o rocinante, que viu
com as costelas quebradas
Araújo às laranjadas,
rindo não se pôde ter,
e assim em vez de correr
se espojou em carcajadas.

11Inácio não me lembrou,
que branco do sobressalto
antes que entrasse no assalto
coitadamente arribou:
no princípio começou
num cavalo inteiriçado,
e vendo-se mal parado,
não quis mais parar ali,
e dando um homem por si,
partindo o deixou soldado.

12Depois houve laranjadas
com todos os circunstantes,
e o que eram laranjas antes,
vi em risco de punhadas:
com várias calamocadas
saiu mais de algum mirão,
e foi tal a confusão,
que sendo o Falcão previsto,
e corredor mui bem visto,
hoje está cego o Falcão!