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Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Evocações/Prelúdio

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PRELUDIO

Vinde, vós todas, que nos meus caminhos
Derramastes outr’ora algumas flôres,
E déstes-me a colher por entre espinhos
    A rosa dos amores.

Surgí do limbo escuro, em que escondeis-vos
Do passado na bruma adormecidas,
Onde minha alma ingrata ha tanto tempo
    Deixou-vos esquecidas.

Eia! — ao chamado meu acudí promptas,
E do olvido por entre a nevoa espessa,
Bellas, donosas, quaes vos vi outr’ora,
    Erguei vossa cabeça.

Contão vates que Orphêo, cantor divino,
A morta esposa á luz restituíra,
As infernaes potencias encantando
    Aos sons de eburnea lyra.

Tambem da lyra aos sons quero evocar-vos
Sombras queridas, pallidas imagens;
Do esquecimento quero hoje arrancar-vos
    A’s lugubres voragens.

E quem me impedirá? — da fantasia
Tenho n’alma o condão omnipotente,
Que o passado nos tumulos acorda,
E o faz surgir nos campos do presente.

Das musas o poder não tem limites,
Do sepulcro as barreiras ultrapassa,
Destróe a ausencia, as trevas alumia,
E do porvir os adytos devassa.

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Dizem que a vida é breve; — euvejo longos
Por trás de mim os annos já volvidos
Estereis e tristonhos se estenderem
Em nevoentos longes escondidos.

Entretanto nas sendas da existencia
Apenas sete lustros hei transposto,
Nem da velhice ainda a mão pesada
Curvou-me a fronte, nem sulcou-me o rosto.

E n’esses annos, que lá vão saudosos,
Quantas vidas de amor tenho vivido;
Que varios fados me hão enchido o tempo,
Quanto hei gozado, e quanto mais soffrido?!..

Pelas devezas tristes do passado
Como vão meus caminhos alastrados
Dos destroços de minhas esperanças,
De mil laços de amor despedaçados.

Dizem que a vida é breve! — é para aquelles
Que vão singrando em mares de bonança,
Ou resvalando em floridas veredas
Embalados nos braços da esperança.

Não para quem por sendas escabrosas
Deixa em sangue o vestigio de seus passos,
E aqui e além, em seus tristes errores
Como que o coração larga aos pedaços.

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Deslisai ante mim, visões queridas,
Como sylphos gentis, na aza da aragem,
Vinde pousar do resequido tronco
    Na pallida ramagem.

Viveis talvez ainda, quasi todas,
Muitas no viço da belleza em flôr;
Porém de certo ha muito já riscastes
Da lembrança meu nome e meu amor.

Viveis ainda? — embora! — na minha alma
Já entre nós o tumulo se ergueu;
Vós ereis meu amor; — p’ra mim morrestes
    Quando esse amor morreu.

Se aos braços meus a campa não roubou-vos
Vejo entre nós barreira inda mais forte;
O fado, a ausencia, as illusões perdidas
Têm muitas vezes mais poder que a morte.

Não sois mais para mim que puros sonhos,
Suaves, que inspirais amor sem zelos;
Como o porvir, nosso passado é sonho,
    Porém sem pesadelos.

Aos sons da lyra agora vos conjuro,
Vinde um momento conversar comigo;
Vinde n’um beijo as mal extinctas chammas
Reavivar de nosso amor antigo.

Meu coração viuvo e solitario
Já tendo dito adeos ás esperanças,
Evocando as imagens do passado
    Só vive de lembranças,

Qual em deserto valle albergue em minas,
Onde nos rotos tectos adejando
Da noite as auras ululando vagão
    Saudades acordando.